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Scot Consultoria

Estratégias para a suplementação de bovinos a pasto

Entrevista com o pesquisador da FEALQ-USP, José Renato Silva Gonçalves

Segunda-feira, 29 de abril de 2024 - 06h00
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Formado em engenharia agronômica pela Universidade de São Paulo, na Escola Superior de Agricultura \"Luiz de Queiroz\" (Esalq/USP), com mestrado em ciência animal e pastagens pela mesma universidade. Possui doutorado realizado na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Atualmente é administrador e pesquisador da Fundação de Estudos Agrários \"Luiz de Queiroz\" (FEALQ).

Scot Consultoria: Quais são os indicadores/métricas utilizados para avaliar o desempenho do rebanho para adoção da suplementação?

José Renato: Com relação aos indicadores e métricas utilizados para avaliar o desempenho do rebanho para adoção de suplementação, acredito que podemos focar principalmente em duas informações. A primeira, é o desempenho dos animais, como está o ganho médio diário na fazenda antes da suplementação, e o segundo é a viabilidade econômica dessa suplementação. 

O primeiro fator é o seguinte: durante o período em que eu tenho chuva e umidade, eu já tenho um bom ritmo de ganho de peso. Se estou trabalhando com machos na recria e engorda, por exemplo, eu já tenho ali 600, 700, 800 gramas por dia, apenas com pastagem e sal mineralizado. Se eu não estou neste ponto, eu preciso enxergar onde estou errando no manejo, porque neste período do ano nós precisamos ter desempenhos elevados para que os animais ganhem peso e acumulem arrobas de baixo custo de produção. 

No Brasil, normalmente, o que observamos que gera esse baixo desempenho, é o superpastejo, ou seja, os produtores estão colocando mais animais do que a capacidade de suporte do pasto. 

Assim, o primeiro ponto para definir a adoção da tecnologia é já ter um bom manejo de pastagem, onde eu garanto que os animais tenham uma alimentação na pastagem, que vai garantir um ganho de peso adequado para cada época do ano. O segundo ponto é avaliar a viabilidade econômica, propriamente dita, dessa suplementação. 

Portanto, a suplementação, como qualquer tecnologia, tem que ser avaliada por uma relação de custo-benefício. 

Scot Consultoria: Quais conselhos você daria para os produtores que buscam alcançar a eficiência produtiva no período da seca?

José Renato: Como falamos para produtores do Brasil inteiro, é muito perigoso indicar uma tecnologia ou uma técnica exata, cravada para todo o país. Recomendamos que se faça um bom diagnóstico para entender, se estou numa região onde eu não tenho logística, onde os insumos chegam caros, onde não tenho agricultura por perto, onde tenho dificuldades de fazer uma suplementação para o período seco, podemos trabalhar até com outras tecnologias que são conceituais, como momento de compra e momento de venda, concentrar os animais mais pesados durante o período chuvoso. Com isso, é muito comum a gente ver o produtor comprando a reposição no início das águas e vendendo o animal gordo no meio das secas, quando a gente poderia estar fazendo o oposto: comprar o animal reposição no início da seca e vender o animal gordo durante as águas. Quando fazemos isso, já sincronizamos a produção do pasto com o crescimento dos animais. 

Portanto, principalmente quando a gente trabalha com recria e engorda, a primeira ferramenta que eu posso avaliar no meu diagnóstico e no meu planejamento são as minhas estratégias de compra e o momento em que eu vou concentrar os animais mais pesados, e onde eu vou ter os animais mais leves para diminuir a pressão sobre a demanda de alimentos na propriedade durante o período seco.

Muitas vezes, principalmente quando trabalhamos com valores mais altos de suplementação, observamos os animais comendo mais o concentrado — e, substituindo o pasto por esse concentrado, acabamos não alcançando as metas de desempenho. Quando lidamos com lotações mais altas, por exemplo, entre 1 e 1,5 UA por hectare, significa que durante o período chuvoso nós estamos usando os pastos de maneira mais intensiva, normalmente com fertilização dessas áreas de pastagem e aí quando trabalho com lotações mais altas, não consigo ter espaço para fazer esse diferimento, essa reserva de pastagem. Nessas situações, onde eu não consigo acumular quantidade de quilos de matéria seca para a fase seca, normalmente temos que trabalhar com confinamento, porque aí vou fornecer alimento em quantidade, que normalmente são os volumosos, e alimento em qualidade, que normalmente são os concentrados.

Scot Consultoria: Em sua experiência, quais são os principais erros ou equívocos que os produtores cometem ao considerar a suplementação sem priorizar a eficiência nutricional básica?

José Renato: No Brasil, devido à grande extensão territorial e a maior parte do nosso território ter solo e clima adequado ao agronegócio, nós temos plantas forrageiras, ou seja, capins, que apesar de terem sido importados na sua maior parte da África, se adaptaram muito bem ao nosso país. Além disso, temos um animal, o gado Nelore, que apesar de ter sido importado da Índia, também tem uma grande adaptação às nossas plantas forrageiras, clima e sistema de produção. Potencializar a produção a pasto é uma das maneiras mais baratas que temos de produzir carne, de produzir gado de corte.

Na minha visão, o principal equívoco é quando substituímos um sistema de produção muito particular, que garante que tenhamos um diferencial produtivo na hora de ter um custo de produção mais baixo, e trocamos este sistema de produção, essas arrobas produzidas de maneira barata, por uma arroba produzida mais cara quando a gente começa a suplementar indiscriminadamente. Logo, a suplementação é uma tecnologia muito importante para os nossos sistemas de produção. A suplementação com alimentos concentrados, fontes de energias, fontes de proteínas, são estratégias muito importantes, só que como elas dependem de insumos que não são, na maior parte das vezes, produzidos dentro da fazenda, que também não temos muito controle sobre os custos desses insumos, que seria o grão de milho, farelo de soja, caroço de algodão, os diversos alimentos aí hoje, DDG, polpa de cítrico, seca e peletizada, a gente também não tem muito controle sobre o preço desses alimentos, ou até mesmo, a formação do preço desses alimentos não tem tanto impacto do bovino de corte, muitas vezes tem mais impacto dos monogástricos. 

Portanto, a gente aumenta o custo de produção e coloca mais risco no nosso sistema de produção quando a gente monta um modelo extremamente dependente de suplementação e, principalmente, quando a gente não potencializou a nossa produção a pasto, que é o nosso grande diferencial competitivo. 

Scot Consultoria: Considerando que estamos em fase de baixa do ciclo pecuário, quais abordagens de manejo nutricional você sugere, levando em consideração tanto a saúde financeira quanto a realidade enfrentada pelos pecuaristas brasileiros?

José Renato: A melhor estratégia que a gente tem para enfrentar as oscilações do ciclo pecuário é tentarmos trabalhar com estratégias, tecnologias e manejos que permitam que a gente potencialize a produção, para que tenhamos mais receita. 

Para isso, o bom manejo de pastagem e potencializar até o máximo possível a alimentação dos animais via pasto, garantem um melhor retorno financeiro e melhor margem, e com isso, passar por esses períodos mais críticos. Isso não quer dizer que não vamos utilizar suplementações ou melhorar a alimentação, principalmente de animais que estão na fase de acabamento, próximos de ir para o frigorífico, pois isso é necessário para o sistema. Também não quer dizer que durante o período seco, onde só tenho 20 a 30% da produção anual, não vou ter que usar alguma estratégia de suplementação. Mas, o que precisava ficar muito claro é que o nosso diferencial e nossa principal vantagem competitiva é a possibilidade de produzir animais a pasto, produzir grande quantidade de arrobas por hectare com os animais a pasto, sem ter um aumento significativo no nosso custo.

Sempre que faço um bom diagnóstico e um bom planejamento, tenho a capacidade de enxergar quais são as estratégias que vão me dar mais impacto de custo-benefício e, toda vez que trabalho com estratégias de melhor custo-benefício, eu melhoro a saúde financeira do projeto, tanto para fase de alta, tanto para a fase de baixa. 

Scot Consultoria: Como o manejo de ILP (Integração Lavoura-Pecuária) tem contribuído para avanços em estudos e práticas? E especificamente na fazenda Figueira, quais foram os benefícios práticos trazidos pela ILP?

José Renato: Quando eu vou para sistemas de produção mais complexos, como a integração lavoura-pecuária, eu preciso de uma capacidade muito maior de gerenciamento e manejo, pois, ao invés de ter um sistema de produção que era o gado de corte, eu começo a ter dois, três, vários, o que exige muito mais do produtor, ou do gestor, conhecimentos em gestão e manejo da propriedade. É perigoso assumir que só o fato de levar a integração para dentro da propriedade irá melhorar, se a propriedade não estiver preparada, desde infraestrutura, até de conhecimento técnico de manejo e gerenciamento, para receber essa tecnologia.

Mas, quando eu consigo me adequar, implantar de maneira correta com as tecnologias corretas a prática da integração, ela traz muitas vantagens para os dois sistemas. Pensando na pecuária, temos a capacidade de fazer, plantar pastos, plantar culturas que sirvam de alimentos para os animais depois da primeira safra, por exemplo, normalmente na primeira safra é feito soja, e após essa primeira safra, em processos de integração lavoura-pecuária, é possível plantar capim ou outros vegetais que sirvam de alimentação para os animais. 

Com isso, aumentamos a disponibilidade de alimentos durante o período seco, inclusive para o pastejo. Eu aumento a área de pastagem, pegando parte da área que estava em agricultura e planto capim ou outros alimentos, e essa área vai ser utilizada para alimentar os animais, aumentando a oferta de alimentos durante o período seco. Além disso, já tenho o fator agricultura, eu posso usar parte dela para a produção de alimentos para os animais na forma de silagem, feno ou grãos, e começamos assim, a ter o insumo.


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