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Scot Consultoria

Febre aftosa e suas implicações no mercado do boi

Entrevista com o coordenador da área de Febre Aftosa no Panaftosa/OPAS/OMS, Diego Viali

Terça-feira, 13 de junho de 2023 - 06h00
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Médico-veterinário pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2003), especialista em Defesa Sanitária Animal pela Universidade Federal de Lavras (2012), mestre em Genética e Biologia Molecular pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2006) e doutor em Ciências Veterinárias com ênfase em Epidemiologia Veterinária pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2016).

Foto: Bela Magrela


A Granja Total Agro/Scot Consultoria: Diego, vimos que, em maio, tivemos campanhas de vacinação contra a febre aftosa nas áreas livres de febre aftosa com vacinação, mas que parte do Brasil suspendeu, em 2023, a obrigatoriedade da vacinação. Há uma previsão de quando todo Brasil chegará ao status de zona livre de febre aftosa sem vacinação?

Diego Viali: O Brasil tem um projeto bem-avançado para alcançar essa meta e tem trabalhado nisso desde o plano estratégico que foi elaborado em 2017. Mesmo com a pandemia, o país conseguiu manter e evoluir nesse plano. Esse ano (2023), estimamos que 110 milhões de animais, que foram vacinados no ano passado, não precisarão ser vacinados e, no ano que vem, outros estados já devem suspender a vacinação. Portanto, a expectativa é de que, até 2026, atinjamos o status de zona livre de febre aftosa sem vacinação. O Brasil busca obter uma certificação junto à Organização Mundial da Saúde Animal (OMSA) para, então, parar de vacinar todo país. Essa certificação só ocorre um ano após cessar a vacinação.

A Granja Total Agro/Scot Consultoria: O Brasil e a América Latina estão divididos em dois cenários: área livre com vacinação e área livre sem vacinação. Quais são as questões relacionadas a esse cenário, quanto ao custo e riscos?

Diego Viali: Aqui nas Américas, todos os países são livres (com vacinação ou sem), com exceção da Venezuela. Nesse cenário, temos países em zonas que vacinam e que não vacinam. Toda América do Norte, Central e Caribe, são livres sem vacinação. Na América do Sul, uma parte é livre com vacinação e outra sem vacinação. Hoje o risco está associado à região Andina na Venezuela, na fronteira com a Colômbia. Essa região é onde nós, do Centro Panamericano, julgamos melhor manter a vacinação porque ali ainda pode ocorrer a circulação viral, até que se comprove o contrário. Lembrando que todos os demais países da região não são obrigados a vacinar.

Temos que lembrar que a vacinação não protege como se fosse um escudo. A febre aftosa tem sete sorotipos que, num linguajar popular, seria como se fossem sete vírus, porque cada vacina produzida protege contra um sorotipo específico. Por exemplo, o Brasil usa uma vacina bivalente e protege contra dois sorotipos, o A e o O, mas temos outros cinco tipos que essa vacina não protege, quatro ainda estão em circulação pelo mundo, enquanto o sorotipo C já está erradicado, a nível mundial. O que quero dizer é que se os sorotipos que estão ocorrendo na África e Ásia, por exemplo, ocorrerem em qualquer país que esteja vacinando, a doença irá acontecer.

A vacinação foi importante para erradicarmos a doença aqui na América do Sul contra o sorotipo que estava por aqui. A vacina é um custo para o produtor, por isso também é importante erradicar doenças, já que elas podem afetar não só o rebanho, mas a parte financeira do negócio. Por isso é importante manter a vigilância sobre os sorotipos que estão fora do continente e que poderiam ingressar de alguma maneira. Então, a linha de trabalho do plano hemisférico é de que o produtor não precise mais utilizar a vacina como recurso para proteção, mas que se proteja com uma boa estrutura do negócio, de maneira preventiva.

A Granja Total Agro/Scot Consultoria: Sobre o impacto financeiro quanto à retirada da vacina, o produtor deixou de gastar seu dinheiro, enquanto o governo aumentou o estado de vigilância para a manutenção desse status, aumentando seu custo. Temos alguma quantificação a respeito?

Diego Viali: Para o produtor, a média do custo de vacinação é de US$1,00 por dose aplicada. O custo entre comprar e aplicar a vacina varia de acordo com a região ou país. O Brasil, antes da retirada da vacinação, utilizava 350 milhões de doses por ano, então podemos dizer que os produtores tinham um custo de US$350 milhões de dólares por ano, no Brasil, para manter as etapas de vacinação. Isso sem levar em conta que podemos ter perda na carcaça do animal por conta de lesões pelas vacinas, além de diminuição da produção de leite pós vacinação, temos trabalhos que demonstram e quantificam essas informações. Quero dizer, então, que são US$350 milhões de dólares que estão ficando no campo para investir em outros setores. Isso já é um dado bastante impactante.

Quanto à vigilância, temos trabalhos que mostram quanto custa para aumentá-la ou diminuí-la. Para mim, a vacina está tendo um papel de “muleta” e o produtor tem olhado para ela como se não precisasse mais fazer nada, se fosse somente vacinar e pronto, problema resolvido, o que é uma falácia. Então o sistema de vigilância está ficando mais fraco, se apoiando a uma vacina que, no momento, não está oferecendo grande proteção. Retirando a vacina, parece que desperta a vigilância na sociedade rural, quando, na verdade, mesmo com a vacina, a vigilância deveria ser melhorada.

A Granja Total Agro/Scot Consultoria: Por fim, Diego, o Brasil está preparado para uma emergência com foco numa área sem vacinação? E quais são as consequências econômicas no mercado global, caso algo assim aconteça?

Diego Viali: Uma emergência depende da sua magnitude, mas eu diria que o Brasil, pelo que conheço do sistema, está preparado para isso. Quem é o principal protagonista quando acontece algo relacionado à saúde animal? O produtor, porque é ele quem está todos os dias com seus animais e é ele quem acaba identificando se o bovino está doente, por isso a magnitude do foco vai depender do produtor detectar, realizar a ação correta, que é a de deixar seus animais presos, e comunicar ao serviço veterinário oficial, então as consequências serão menores. Mas se ele faz o processo contrário, tenta se desfazer dos animais doentes, isso vai aumentar as consequências e vai demandar mais esforço. Além disso, o produtor pode receber indenização de um fundo privado, caso algum animal em seu rebanho seja diagnosticado com a doença, portanto ele tem essa garantia. O fundo privado protege os produtores e é um dinheiro que vem dele mesmo e de outros elos da cadeia de produção. Por isso, seus papéis são importantes.

Em parceria com A Granja Total Agro.


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