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Scot Consultoria

O agronegócio e a exportação de gado vivo

Entrevista com o presidente do Instituto Desenvolve Pecuária e Head Institucional do Russel Bedford Brasil, Luís Felipe Barros

Terça-feira, 30 de maio de 2023 - 06h00
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Advogado pela PUC-RS, pós-graduado em Direito Ambiental e Processo Civil pela mesma instituição e mestre em Direito das Relações Internacionais pela Universidad de la Empresa. É presidente do Instituto Desenvolve Pecuária e Head Institucional do Russel Bedford Brasil.


Scot Consultoria/Destaque Rural: Luís, comente um pouco sobre o caso de proibição da exportação de gado ocorrido no Brasil no primeiro trimestre em 2023.

Luís Felipe Barros: Primeiro, temos de deixar claro que o agronegócio não é contra o bem-estar animal, seja por altruísmo, ideologia ou capitalismo, porque o bem-estar animal nos traz benefício econômico. Não é lógico pensar que se coloca milhares de animais para causar mal-estar a eles. Muito se fala sobre possíveis naufrágios no transporte de animais, porém, o Brasil exporta muitos animais vivos, principalmente, para países árabes e, outros países pelo mundo também exportam gado vivo, como a França, portanto, não podemos deixar que um único fato tenha impacto negativo em toda uma cadeia.

A proibição utilizou como elemento fatídico apenas um navio no Porto de Santos. Eventos esporádicos, eventos que não se repetem num intervalo de tempo, não podem pautar uma decisão judicial ou econômica.

Scot Consultoria/Destaque Rural: E desde o ocorrido, quais medidas vêm sendo tomadas com relação ao bem-estar animal para manter a exportação de gado?

Luís Felipe Barros: Existem inúmeros regulamentos do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), que dizem que qualquer animal a ser exportado deve passar por quarentena, existem protocolos para animais vivos, não vemos dejetos soltos pelas rodovias quando há um caminhão transportando animais e existem protocolos do MAPA que devem ser seguidos para a liberação do navio. Há regras internacionais para esse tipo de transporte que, se não forem cumpridas, não há permissão para o navio seguir viagem. Então dizer que o naufrágio desse navio deveria impactar nas regras de exportação não é um pensamento lógico, já que foi um fato esporádico. Não faz sentido alegar que há maus tratos animais por conta de uma fotografia e porque há relatos de cheiro forte de amônia. Há fiscais antes, no momento do embarque e no desembarque, se algo não está dentro das normas, não é permitido iniciar a viagem.

Scot Consultoria/Destaque Rural: E há uma multa pesada se esses regulamentos não ocorrem, certo?

Luís Felipe Barros: Sim, são multas graves, mas a principal é impedir o navio de prosseguir viagem, o que já ocasiona um prejuízo financeiro enorme.

Scot Consultoria/Destaque Rural: Pensando nos mercados que o Brasil atende, como o mercado Halal, qual o impacto desse tipo de exportação na economia brasileira, caso fossem suspensas definitivamente?

Luís Felipe Barros: Hoje, no Rio Grande do Sul, o melhor pagador pelo preço de terneiro (bezerro) é a exportação, são R$10,00/kg. E ela é fundamental para enxugar a quantidade de animais que temos ofertados no país. A exportação vem para ajudar a regular o mercado. Trabalhamos com um preço mais alto e, como a demanda pela carne no varejo, hoje, está baixa, já que chegamos ao menor consumo de carne nos últimos 17 anos, se ficássemos engessados a atender à produção no mercado nacional, seria um impacto catastrófico. Hoje, o Rio Grande do Sul corresponde a cerca de 20% de todo o gado vivo brasileiro exportado. Aqui no Rio Grande do Sul, se embarca terneiro, mas no restante do país animais mais erados, como novilhos (garrotes) e bois criados (boi magro) são embarcados. A maior parte da exportação de gado vivo (90%) tem como destino países árabes que, por conta da questão cultural, têm especificações para o abate e para o uso dos subprodutos gerados a partir do abate, de acordo com a cultura islâmica e devemos respeitar os parâmetros necessários.

Scot Consultoria/Destaque Rural: E esses mercados também têm exigências ao receber esses animais, certo?

Luís Felipe Barros: É interessante que todos os navios devem ter veterinários, o navio em questão, analisado na sentença, tinha cinco veterinários para atender ao número de bovinos. Então, não é lógico você ter milhares de animais e metade chegar ao destino sem vida, por sede, doenças e outras coisas. Pensando pelo lado do capitalismo, não há sentido em permitir que não haja bem-estar no transporte, se tantos animais forem “perdidos”.

Scot Consultoria/Destaque Rural: Uma das alternativas apontadas, foi de que com o fim da exportação, deveríamos colocar mais abatedouros próximos às propriedades para diminuir o tempo de percurso, diminuindo o estresse e garantindo o bem-estar animal. É viável ter mais abatedouros e aumentar a exportação de carne ao invés do gado em pé? Nós temos mercado para isso?

Luís Felipe Barros: Estamos falando de colocar uma condição para a sociedade civil e para o empresário que acaba precisando considerar investir na construção de mais abatedouros e, primeiro temos que considerar: o que é perto das propriedades? Porque se eu for parar para pensar que seria a um ou dois quilômetros da propriedade, quantos investidores eu devo encontrar para montar um frigorífico? Milhares? Então, na prática, esse argumento não tem lógica.

Scot Consultoria/Destaque Rural: Quais os impactos da proibição da exportação de gado em pé? Quantos animais já ficaram parados? E como os países importadores reagiram a essa notícia?

Luís Felipe Barros: Bom, devemos esclarecer que o embarque de gado vivo não está suspenso no Brasil, existe uma sentença que é automaticamente suspensa, porque está dentro de uma ação civil pública e o processo vai para o Tribunal de Justiça responsável. Para termos ideia, somente no Rio Grande do Sul, até maio, os embarques já alcançaram o volume embarcado no ano passado, e mesmo assim, o preço do nosso terneiro desabou. Em 2021, o quilo do terneiro valia R$13,00 a R$14,00, em 2022 entre R$11,00 e R$12,00 e, atualmente, o preço que tem sido pago é de R$10,00 para a categoria, e quem paga esse preço são os importadores. Então, o impacto hoje, ao suspenderem as exportações, envolve prejudicar e desmantelar uma cadeia. Não é possível sustentar uma cadeia de produção de carne se eu não tiver a exportação me pagando um preço maior. A exportação salva o mercado? Não, mas ela auxilia na regulação do mercado e impede grandes quedas nos preços. A pecuária vive de ciclos. Vivemos um ciclo de pujança em que havia menor número de terneiros e retenção de matrizes, porém, agora, há maior volume de terneiros, o que pressiona os preços para baixo.

Onde há insegurança, se reduz o investimento. Então vamos supor que eu sou um país importador de gado vivo, essa sentença me causou uma insegurança, então vou pensar duas vezes se irei investir. Porque posso comprar 20 mil terneiros, eles passarão por quarentena e quando forem para o embarque, há uma sentença que os impede de seguir viagem, então eu perco meu dinheiro. Portanto, para mim, não faz sentido investir.

Em parceria com a Destaque Rural.


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