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Scot Consultoria

Safra de café 2023: clima, produção e mercado

Entrevista com o diretor do escritório Carvalhaes, Eduardo Carvalhaes Junior

Quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023 - 16h00
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Eduardo é diretor do escritório Carvalhaes Corretores de Café LTDA, escritório envolvido na comercialização de café desde 1945.

Foto: Unsplash


Scot Consultoria/Destaque Rural: Qual a posição brasileira na produção mundial de café?

Eduardo Carvalhaes: Nós temos que lembrar que as primeiras mudas de café entraram no Brasil em 1727 e o produto começou a ter importância no país com a exportação a partir de 1820/1830. Pouco tempo depois, nos tornamos o maior produtor de café do mundo, condição que nunca mais perdemos.

Além do Brasil ser o maior produtor de café do mundo, o país é o maior exportador e segundo maior consumidor de café. O porto de Santos-SP é responsável por 80% do escoamento da exportação brasileira de café, sendo o principal porto do Brasil e do mundo à exportação de café desde a metade do século XIX.

Entre as duas variedades comercializadas no mundo – a arábica e a conilon, esta última, nós produzimos principalmente no Espírito Santo, no Sul da Bahia e em Rondônia. Já o arábica é produzido em Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo.

Em relação à produção brasileira, Minas Gerais é o maior produtor, responsável por mais da metade do café produzido no Brasil. O segundo é o Espírito Santo e o terceiro, São Paulo. São Paulo foi o maior produtor de café no Brasil até meados de 1950, perdendo a liderança ao longo das últimas décadas para o Paraná e agora para Minas Gerais.

Scot Consultoria/Destaque Rural: Vimos os preços do café mais elevados nos últimos dois anos, qual foi o panorama das últimas safras de café no Brasil?

Eduardo Carvalhaes: Nós tivemos problemas nos últimos anos (2020 e 2021) devido a irregularidades climáticas, que afetaram também outros segmentos agrícolas. Além da sazonalidade produtiva tradicional do café (bienalidade), as safras brasileiras de café de 2021 e 2022 foram bastante prejudicadas, principalmente a safra de arábica, em função do clima.

A produção de arábica no Brasil em 2020/21 caiu bastante devido às secas sérias no período de floração e à geada que afetou partes de São Paulo e Minas Gerais em 2021. Isso fez com que os preços do café explodissem em 2021 e, em 2022, começaram a cair desde o início até o final do ano.

Os preços ainda estão acima da média, mas 2022 não foi um bom ano para o cafeicultor brasileiro. Todo mundo fala que os preços foram maiores e é verdade. Mas a produção foi de pouco mais de 50% do que estava acostumado – ou seja, ele vendeu melhor um volume de café bem menor.

Outro ponto foi o efeito de vendas físicas para entrega futura, que é uma tradição no café. Então, parte do café arábica entregue em julho, agosto e setembro foi praticada em um preço bem mais baixo do que no mercado, pois haviam sido comercializados de dois a três anos atrás. Essas situações fizeram com que o cafeicultor brasileiro, apesar dos preços altos no mercado físico, não tivesse um ano de bons resultados.

A exportação brasileira foi impactada em 2022, com a alta dos custos, tanto para produção, como para exportação, uma vez que os fretes chegaram a subir de quatro a cinco vezes. Para o cafeicultor brasileiro, subiu o preço dos fertilizantes, defensivos, mão-de-obra, máquinas, equipamentos, energia elétrica e combustível. Para o leigo, foi um ano excepcional para o agronegócio cafeeiro, mas não é totalmente verdade, no entanto, a exportação a preços mais altos fez com que a receita cambial do país crescesse bastante no último ano.

Scot Consultoria/Destaque Rural: O café tem acrescido novas áreas de plantio? Os hectares plantados no Brasil têm aumentado ou ainda se concentram nas áreas já tradicionais? 

Eduardo Carvalhaes:  O Brasil é um país continental. Nós produzimos café desde o Paraná, que nos anos 50, foi o grande produtor nacional de café, mas com o clima muito frio no inverno e, a partir do episódio da “Geada Negra” em 1975, grande parte dos cafeicultores paranaenses migraram para Minas Gerais, principalmente para a região de Cerrado. Desde que começamos o plantio de café no restante do país, ele foi migrando de uma região para outra.

No momento, devido ao grande crescimento da produção de grãos do Brasil – soja, trigo, milho e as novas variedades produzidas pela Embrapa, adaptadas ao Cerrado -, as regiões mais planas do Cerrado de Minas e mesmo no Sul de Minas viram partes de sua área migradas do café para grãos. Com esse avanço tecnológico promovido pela Embrapa, o país consegue ter duas safras e, com essa nova variedade de trigo, fala-se até em três safras.

Isso tudo deve mudar novamente o aspecto da produção cafeeira nacional, mas acredito que continuaremos a ser o maior produtor do mundo e o maior exportador também – considerando que o clima continue regular.

Scot Consultoria/Destaque Rural: Com o aumento da oferta de café de outros países, como isso afetará o Brasil?

Eduardo Carvalhaes: Dependerá muito do clima e da produção desse ano. Os preços do café na bolsa de Nova Iorque – formadora internacional dos preços de café – caíram muito nesses primeiros dias de 2023, baseados nas chuvas do Brasil e assumindo que a nossa safra será maior – o que realmente será. Também dependerá das nossas exportações na entressafra de café no Brasil, que começa em janeiro e vai até junho. Com a informação em rede e tudo interligado, os preços reagem a qualquer notícia instantaneamente e isso é um ponto que atrapalha muito a agricultura, pois é preciso pensar de dois a quatro anos à frente e, como o café é uma cultura perene, acaba sendo muito afetado.

Scot Consultoria/Destaque Rural: Diante de todas essas incertezas, como ficará os preços no mercado futuro de todos os tipos de café (arábica e robusta)?

Eduardo Carvalhaes: Essa é a grande pergunta que aparece para nós diariamente e a resposta é: é impossível de saber. Isso depende de notícias diárias, se o mercado reage – um dia é de grande alta, outro pode ser de baixas. Existem os fundos especulativos interessados no curto prazo, enquanto as duas pontas – produtor e a indústria- estão cada um de um lado, olhando o longo prazo.

A bolsa está cada vez mais utilizada para o interesse do curto prazo (dos fundos de especuladores), tem atrapalhado muito. É impressionante o sobe e desce, a montanha-russa que é a bolsa de café.

A tendência para esse ano é que o preço do café suba mais um pouco na entressafra e, no segundo semestre, dependerá muito do que acontecer com a produção deste ano. O mercado físico trabalha com a ideia de que a oferta será um pouco maior do que foi em 2022, já o mercado futuro está trabalhando com a ideia de que será uma grande safra – o que não deve acontecer.

Scot Consultoria/Destaque Rural: Como estão os estoques brasileiros e como isso pode afetar os preços ao consumidor no varejo?

Eduardo Carvalhaes: Esse também é um grande fator que afeta o mercado e não temos um valor exato. É produzido café em tantos estados aqui no Brasil que isso é sempre um fator de especulação de quem está interessado em subir os preços e de quem está interessado em derrubá-los. A verdade é que o Brasil possuía grandes estoques até 1990, quando a política de café era totalmente diferente. A partir do término do Instituto Brasileiro de Café esses estoques foram diminuindo e, principalmente de 2000 até 2020, os estoques governamentais foram liquidados.

Em 2000, batemos pela primeira vez 20 milhões de sacas para exportação, a produção brasileira continuou a crescer, com investimentos em qualidade, produtividade e novas variedades. Em 2019, chegamos a 40 milhões de sacas – ou seja, dobramos o volume exportado em 20 anos. Para suprir esse crescimento contínuo da exportação brasileira, fomos esgotando, nos anos de safra menores, os estoques governamentais. O Brasil, a partir de 2017 (quando foram zerados os estoques de safra governamentais), passou a depender sempre da safra do ano – motivo pelo qual temos visto tanto sobe e desce nos preços. Não existe mais estoque regulador e eu duvido que se forme novamente.

Então, cada vez mais o clima incerto vai continuar a influenciar nessa área. O interessante é que o consumo mundial continuou a crescer durante a pandemia, mas menos do que crescia antes. Aumentamos a exportação, tomando um pouco de mercado dos outros países, mas principalmente em cima do aumento de consumo do mundo.

Scot Consultoria/Destaque Rural: Pensando em fatores pressionando os preços no mercado, como alta nos insumos e o clima, que acabam prejudicando muito e causando incerteza, como o produtor lida com essa situação?

Eduardo Carvalhaes: É difícil para o produtor tomar a decisão. Ele tem procurado vender aos poucos, conforme ele vai precisando de dinheiro para as despesas mais próximas. Por exemplo, o produtor que segurou o café nesse final de ano, quando tudo indicava que teríamos preços maiores nesse semestre, no momento está prejudicado: os cafés tiveram um tombo grande nos preços, tanto em dólar como em reais a partir de outubro de 2022. Concluindo, é muito difícil saber qual vai ser a tendência desse mercado nos próximos seis meses.

O que valeu para o cafeicultor nesses últimos 20 anos aqui no Brasil, foi o grande investimento em projetos de tecnologia. Nosso país é o primeiro no mundo em tecnologia de produções de café. Existe um departamento da Embrapa Café que faz muitas pesquisas e tem ajudado muito o agricultor de café: a produtividade vem crescendo, estão sendo procuradas cada vez mais variedades resistentes a pragas, a secas etc.

Scot Consultoria/Destaque Rural: Para encerrar, Carvalhaes, o que podemos esperar para a próxima safra (23/24)?

Eduardo Carvalhaes: Sobre a safra brasileira de 2023, ela tende a ser melhor que a de 2022 – mas não será uma safra recorde de novo. Os pés de café foram muito prejudicados em 2020/2021 e estavam sendo recuperados a partir de 2022, mas o clima continua irregular. Começou a chover bastante a partir de novembro de 2022, mas quando começou a chover, a florada já tinha acontecido. Essa chuva fará com que os frutos que ficaram na árvore cresçam mais, tendo uma safra mais graúda, como costumamos dizer. Não sabemos o tamanho que terá a safra, mas provavelmente ficará um pouco acima de 2022. Isso é muito bom para o Brasil, iremos conseguir atender boa parte da exportação, mas, de novo, no final do ciclo 2022/2023 estaremos sem estoque de café. Assim, dependeremos da safra de 2024. Mas, se continuarmos tendo um clima bom, sem geadas ou secas, deveremos ter uma safra muito boa em 2024.

Em parceria com a Destaque Rural.


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