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Scot Consultoria

Pecuária brasileira: retrospectiva 2022 e perspectivas para 2023

Entrevista com o diretor de mercado da ABPA e o pesquisador na Embrapa Pecuária Sul, Luis Rua e Vinícius Lampert

Terça-feira, 13 de dezembro de 2022 - 12h00
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Luis Rua possui graduação em Economia e Relações Internacionais, mestrado em Economia Internacional pela Universidade do Porto e doutorado em Global Studies pela Universidade Nova de Lisboa. É diretor de mercados da ABPA - Associação Brasileira de Proteínas.

Vinícius Lampert possui graduação em Zootecnia pela UFSM - Universidade Federal de Santa Maria, especialização em Administração Rural e mestrado em Economia Aplicada pela UFV - Universidade Federal de Viçosa e doutorado em Zootecnia, Sistemas de Produção de Ruminantes pela UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atua como pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Pecuária Sul / CPPSUL) sendo docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Computação Aplicada (PPGCAP) da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), campus Bagé-RS.

Foto: ShutterStock / Bela Magrela


Scot Consultoria/Destaque Rural: Quais foram os principais destaques e os desafios de 2022 para a bovinocultura?

Vinicius Lampert: Na bovinocultura de corte, foi essa redução de preço maior do que se esperava. O produtor acabou se acostumando com os preços de anos anteriores, mudando suas estratégias para ter margens maiores. Um grande problema do produtor é o capital de giro – quando sobra alguma margem, ou ele compra quando pode ou investe em mais animais e acaba ficando com um fluxo de caixa muito pequeno para fazer bons negócios. Uma boa recomendação é a capitalização em períodos bons, devagar e estrategicamente. O principal fator que explica a situação de 2022 (preços bons no início do ano e redução no decorrer) está relacionado com a oferta de animais e a redução de preços, observadas não só pela exportação, mas também devido à demanda interna.

Scot Consultoria/Destaque Rural: De acordo com as estimativas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), há uma projeção de que o valor bruto da produção (VBP) da pecuária recue 3,4% em relação ao ano passado. Vinícius, na sua avaliação, levando em conta principalmente a bovinocultura, quais fatores estão levando a essa redução no VBP?

Vinícius Lampert: O valor bruto da produção é medido pelo que é efetivamente produzido. Essa produção está relacionada com a eficiência de produção, a taxa de desfrute.

Existe essa tendência da redução do tamanho do rebanho, especialmente devido a questões relacionadas à concorrência com a agricultura. Considerando os preços das commodities, principalmente da soja, que possui preços mais elevados, muitas áreas têm sido convertidas para uso agrícola, reduzindo o tamanho do rebanho bovino.

Isso afeta diretamente o valor bruto da produção, o que não é necessariamente uma má notícia, porque há margem para aumentar a eficiência e, com isso, continuar produzindo alimentos de qualidade e mantendo a renda do produtor e a sua permanência no campo.

Scot Consultoria/Destaque Rural: De acordo com as estimativas do MAPA, essa queda também abrange os setores de suínos e frangos, que teriam um recuo de cerca de 7% considerando outubro. Essa retração está se confirmando? Quais seriam os fatores causais?

Luis Rua: Quando falamos de 2022, falamos de um ano de superação e resiliência para os produtores rurais, principalmente das cadeias de avicultura e da suinocultura. Houve aumentos expressivos nos custos de produção e uma série de elementos que fizeram com que tivéssemos um ano bastante complicado, especialmente na suinocultura. Começamos com a pandemia do covid-19, ainda bastante presente, e observamos todo o efeito desse evento histórico sobre o mercado e suas implicações no comércio internacional.

O que vemos hoje, efetivamente, é que a produção brasileira de carne suína deve aumentar um pouco nesse final de ano. No caso da carne de frango, devemos observar estabilidade, mas sem descartar possíveis aumentos.

Independente dos números, é válido fazer um agradecimento a esses produtores que ainda continuam na atividade buscando, de alguma forma, garantir a segurança alimentar mundial. O Brasil, hoje, exporta para mais de 150 países quando somados os mercados de aves, suínos e ovos. O Brasil tem um papel importante, o de garantir comida na mesa do nosso povo e de mais de 150 países ao redor do mundo.

Scot Consultoria/Destaque Rural: Quais são as expectativas para o fechamento das exportações de 2022 e o que está impulsionando bons números tanto no volume quanto no valor exportado? 

Luis Rua: Em relação à exportação da carne de frango, houve um incremento de quase 6% no acumulado do ano (de janeiro até novembro). São consequências do cenário mundial que estamos vivendo, o Brasil tem a sorte de nunca ter registrado um caso de influenza aviária, doença que vem afetando significativamente os rebanhos ao redor do mundo. Os Estados Unidos, por exemplo, tiveram, nesse ano, o pior surto de influenza aviária da história, sendo abatidos mais de 53 milhões de aves. A Europa esteve em situação semelhante também, com muitos casos.

Por outro lado, tivemos, ao mesmo tempo, a saída da Ucrânia, um importante produtor e exportador de carne de frango, e a opção mais segura, tanto do ponto de vista sanitário como de relacionamento comercial, começou a ser o Brasil.

Na suinocultura, tivemos um primeiro semestre bastante complicado em vista da exportação, a China comprou bem menos do que o habitual nos últimos dois anos, especialmente em função dos problemas atrelados à peste suína africana (PSA). Mas agora vemos um segundo semestre com números bastante positivos, chegando a casa de 100 mil toneladas exportadas em um único mês. 

Scot Consultoria/Destaque Rural: Tivemos esse ano uma estiagem muito severa que afetou as pastagens e os rebanhos. Agora temos as daninhas e o calor retornando com bastante força. Como essas questões climáticas afetaram a pecuária em 2022?

Vinicius Lampert: Com certeza, as questões climáticas, principalmente na produção pecuária no sistema de pastagem, impactam na produtividade.

Os níveis de disponibilidade de alimentos impactam diretamente na terminação dos animais, a escassez desse recurso ocasiona ciclos mais longos de terminação e influencia nos momentos de venda. Isso afeta diretamente a renda do produtor, que acaba ficando estocado com animais que não estavam previstos, prejudicando o fluxo de caixa. Além do ponto financeiro, a maior concentração de animais impacta nos índices zootécnicos, podendo afetar o GMD, abate etc.

Scot Consultoria/Destaque Rural: Outra problemática desse ano foram os custos de produção. Como essa alta impactou a produção e a margem dos produtores?

Luis Rua: Não foi só em 2022 que tivemos aumentos. Esse aumento vem desde janeiro de 2021. Usando de referência a Embrapa, se pegarmos o milho e o farelo de soja, que são os dois principais insumos para a ração dos animais, o aumento nos custos foi de mais de 150% nesses últimos dois anos. É algo que, de alguma forma, prejudicou bastante a nossa rentabilidade, muitos produtores trabalhando no vermelho durante o ano. Mas, como comentamos, esse foi um ano de resiliência. O produtor buscou alternativas, como por exemplo, a exploração das culturas de inverno.

Mas não foi só no campo que vimos esse aumento expressivo nos custos. Se pensarmos nos custos de energia elétrica e nos custos de embalagens, que praticamente duplicaram de preço, também há uma pressão muito grande sobre a nossa cadeia que acaba sendo um vetor desse aumento de preço nos custos de produção, uma vez que acabamos recebendo insumos muito mais caros do que costumavam ser.

Quem está na atividade há um bom tempo lembra que, há 3 anos, a saca de 60kg de milho custava em torno de R$30,00 a R$40,00, dependendo da região. No começo de 2022, especialmente quando houve aquela seca no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, chegamos a ter um milho que passou de R$100,00 a saca. Mas o produtor buscou alternativas, além de a exportação ajudar a minimizar esses custos de produção.

É importante lembrar que esse fato não diminui a disponibilidade de carne para o nosso consumidor interno, pelo contrário, vimos nesses três últimos anos, um aumento expressivo nesse mercado. Para se ter uma ideia, cada brasileiro consumia em média, em 2021, 42kg de frango, hoje, atingimos a casa de 45kg. No caso da carne suína, saímos de 15kg e devemos terminar o ano em 18kg per capita.  

No final, o que importa para o produtor, é a sua margem, o seu resultado. Seria uma equação bem simples: a sua receita menos a sua despesa. Por mais que aumentem os seus custos, o que vai importar no final é a sua relação com a sua receita, quanto você está produzindo/entregando de produto, qual o preço e para qual mercado está voltado.

Scot Consultoria/Destaque Rural: Quais as principais medidas que estão sendo tomadas para evitar que a gripe aviária chegue ao Brasil, já que alguns países vizinhos já estão tendo casos?

Luis Rua: De fato, a gripe aviária é algo que nos preocupa. O Brasil nunca registrou um caso de gripe aviária antes e queremos manter esse status sanitário, que, no caso da avicultura, nos permite acesso a mais de 140 países. Temos trabalhado uma série de medidas, a ABPA tem um grupo especial de prevenção à influenza aviária, o nosso famoso Grupo Especial de Prevenção à influenza aviária (GEPIA), no qual já temos um plano de ação traçado à eventualidade disso ocorrer. Também temos contato frequente com o MAPA e com associações de outros países da América do Sul, especialmente a Colômbia e o Peru, e vamos aumentar nossos controles de biosseguridade.

Scot Consultoria/Destaque Rural: No início do ano, tivemos uma crise de suinocultura, principalmente dos produtores independentes, causada por diversos fatores, inclusive os altos custos de produção e a queda na demanda. Qual resposta o setor recebeu dos diversos entes envolvidos a essas reinvindicações e qual a situação atual da suinocultura?  

Luis Rua: Começamos o ano com bastante dificuldade na suinocultura, especialmente para o setor independente, que não tem todo o aparato da integração. No entanto, o fato é que terminamos 2022 melhor do que começamos. A China voltou a comprar nos mesmos patamares que comprava no período da peste suína africana – algo entre 45 e 50 mil toneladas por mês. Isso é um indicativo positivo, a peste suína continua bastante forte em alguns países da Ásia, como por exemplo a Filipinas, que tem aumentado em quase 200% sua relação de compras com o Brasil em comparação ao ano passado. Além da exportação um pouco melhores, temos também uma expectativa de melhora no consumo devido às festividades no final de ano e a Copa do Mundo.

Scot Consultoria/Destaque Rural: Nesse ano, nós registramos aberturas de mercados muito importantes para a carne suína brasileira, como no caso do México. Como você avalia a presença brasileira no mercado mundial de proteína animal em 2022?

Luis Rua: O Brasil tem um papel muito importante nesse mercado e vem ganhando cada vez mais espaço. Quando falamos de aves do Brasil, a cada 10 frangos que são comercializados no mundo, 4 deles saem do Brasil. No caso da suinocultura, nós somos o quarto maior exportador, estando atrás apenas da União Europeia, dos Estados Unidos e do Canadá. No caso da avicultura, somos o primeiro exportador e temos trabalhado para expandir as exportações para ainda mais destinos. Tudo isso faz parte de um trabalho estratégico entre o setor público e privado, para que possamos continuar atingindo mais e melhores mercados.

Em parceria com a Destaque Rural.


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