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Scot Consultoria

A crise global de alimentos e a importância do Brasil no mercado internacional

Entrevista com o analista de operações e superintendente de Estudos de Mercado e Gestão da Oferta na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Allan Silveira dos Santos

Terça-feira, 18 de outubro de 2022 - 12h00
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Desde 2013 atua na Companhia Nacional de Abastecimento. De 2015 a 2020, atuou como gerente de Operações Especiais da Conab, sendo responsável pela operacionalização dos instrumentos da Política de Garantia de Preços Mínimos. Desde julho/2020, atua como superintendente da Gestão da Oferta – área responsável pelo acompanhamento e análise dos mercados agropecuários na Conab, elaboração do quadro de oferta e demanda, elaboração dos preços mínimos e de propostas de ações para a regularidade do abastecimento interno.

Foto: ShutterStock


Scot Consultoria: Qual a visão da Conab quanto à crise global de alimentos e qual a importância do Brasil no mercado internacional?

Allan Silveira dos Santos: A alta de preços dos alimentos no mundo, nos últimos dois anos, não é um processo causado por um único fator. Tivemos anos com dificuldades em relação à oferta de alimentos por problemas sanitários que culminou no abate e redução da produção potencial de carne suína na China e no mundo. Problemas causados por guerras comerciais e pela pandemia que, em função das restrições de circulação, surgiram preocupações sobre o abastecimento interno e pela própria insegurança sobre o futuro da economia, interrompendo as cadeias de suprimento. Houve também uma alta dos preços dos combustíveis em geral, potencializados depois dos conflitos armados entre Rússia e Ucrânia – grandes produtores mundiais de alimentos e combustíveis. Por fim, vários países sofreram com problemas climáticos. Tudo isso gerou um descontrole na oferta de alimentos nos últimos anos, resultando nesse patamar atual no preço dos alimentos.

A oferta de alimentos não cresce do dia para a noite e é natural que haja um tempo para que os mercados se reequilibrem. Nesse ponto, o papel do Brasil tem sido fundamental.

O Brasil tem função estratégica por dois motivos. O primeiro é o fato de ser o maior produtor e exportador de soja, estar entre os 3 maiores exportadores de milho e ser o maior exportador de carne bovina e de frango, assim como o quarto maior produtor e exportador de carne suína do mundo.

A produção vem crescendo. Podemos sair de uma produção de 123 milhões de toneladas de soja em 2017/18 para 150 milhões de toneladas na safra 2022/23, conforme perspectivas da Conab. Para o milho, devemos sair de uma produção de 80 milhões de toneladas da safra 2017/18 para uma produção de 125 milhões de toneladas na safra 2022/23. Esse aumento de oferta é essencial para o reequilíbrio do mercado mundial.

O segundo fato é a regularidade do Brasil no mercado internacional. Mesmo diante de desafios relacionados a preço no mercado interno, o Brasil, ao contrário de alguns países, não optou por promover barreiras às exportações, que poderiam causar ainda mais problemas do ponto de vista externo e interno, seja pela maior incerteza que causaria na oferta mundial, seja por algum eventual desestímulo à produção no mercado interno. Assim, o Brasil, que já tinha um histórico de boas práticas comerciais, continuou se mostrando um porto seguro para o comércio internacional de alimentos.

Scot Consultoria: Qual sua visão sobre a demanda do mercado chinês para o milho? Acredita que a abertura das importações foi motivada pela reposição dos plantéis suínos ou principalmente pelo conflito envolvendo o mercado ucraniano?

Allan Silveira dos Santos: Acredito que os dois motivos foram importantes. A China aumentou as importações de milho de 3 milhões de toneladas na safra 2017/18 para 23 milhões de toneladas na safra 2021/22. Isso se deu pela recuperação dos plantéis e pela mudança na forma de produção de suínos, então a China deve continuar precisando do nosso milho. Além disso, a Ucrânia foi responsável por aproximadamente 30% das importações de milho na China em 2021, em um montante próximo a 8 milhões de toneladas do cereal. Nesse caso, enquanto o conflito russo-ucraniano permaneça, torna-se natural a China buscar novos fornecedores.

Scot Consultoria: Caso ocorra uma recessão econômica global devido à inflação e ao aumento das taxas de juros, o senhor acredita que a exportação brasileira de commodities diminuirá? Nesse cenário é possível o surgimento de boas oportunidades?

Allan Silveira dos Santos: Em um ambiente de recessão, espera-se haver uma diminuição da demanda dos produtos em geral, porém, sofrem mais aqueles produtos considerados menos essenciais. Entretanto, deve-se analisar cada mercado isoladamente, principalmente porque alimentos são bens essenciais, de uma forma geral. Além disso, em alguns mercados, como soja, milho e trigo, por exemplo, a relação entre os estoques e o consumo global está abaixo da média dos últimos cinco anos, então pode ser que esses mercados sofram menos em relação a outras commodities.

Scot Consultoria: A participação de cereais de inverno, como o trigo, na produção de etanol é uma alternativa viável para mitigar custos ao consumidor?

Allan Silveira dos Santos: As culturas de inverno podem suprir lacunas interessantes. No Rio Grande do Sul, por exemplo, não há produção significativa de cana-de-açúcar, o que inviabiliza a produção de etanol com essa origem, localmente. Entretanto, apenas com soja se cultivam 6,3 milhões de hectares no verão e, somando trigo e outros grãos, temos menos de 2 milhões de hectares plantados no inverno. Isso mostra que há disponibilidade de área para cultivo de cereais de inverno. Havendo mercado consumidor, essas áreas talvez poderiam ser mais aproveitadas com as culturas de inverno e seria interessante também para aumentar a oferta do combustível e mitigar custos ao consumidor.

Scot Consultoria: Você acredita que a alta produtividade do milho safrinha será capaz de reduzir o preço do grão, mesmo com a redução da exportação ucraniana e a abertura das importações chinesas?

Allan Silveira dos Santos: Sim e já foi observada uma queda nos preços no mercado interno desde o segundo trimestre de 2022. O Brasil produzirá 113,2 milhões de toneladas e exportará algo próximo a 37 milhões de toneladas na safra 2021/22, praticamente neutralizando o efeito Ucrânia no mercado internacional. Entretanto, como mencionei, no mercado mundial do milho, a relação entre os estoques e consumo do cereal está mais baixa do que a observada na média dos últimos cinco anos, o que deve limitar quedas significativas nos preços. Outro ponto importante é a safra americana, que tem passado por problemas climáticos. Então, no curto prazo, pode haver quedas em função da colheita estar praticamente concluída e ter boa disponibilidade no mercado interno. Entretanto, as quedas, se continuarem, não devem ser significativas no preço do milho.

Scot Consultoria: A exportação de trigo está em patamares elevados, ao compararmos com períodos anteriores, movimento atípico para o Brasil. Você acredita ser possível um desabastecimento interno ou grande aumento de preços do cereal?

O risco de desabastecimento interno não existe, ao nosso ver. Apesar do recorde de exportação, pouco mais de 3 milhões de toneladas na safra 2021, também estamos batendo recorde de produção, havendo, assim, um equilíbrio. O que está reduzindo é o nosso déficit na balança comercial do trigo, o que é bem interessante do ponto de vista econômico, sendo esse fato saudável para as contas externas do país. Além disso, há disponibilidade de trigo dos nossos parceiros comerciais, sendo o principal, a Argentina. Nesse sentido, os aumentos que podem ocorrer se darão em função de problemas no mercado mundial e não em função da exportação brasileira. Nesse sentido, não havendo novos problemas significativos na oferta mundial, acreditamos ser pouco provável que haja grande aumento de preços do cereal, tendo em vista que estes já estão em patamares superiores ao que observamos nos últimos anos e com pouca margem para aumentos expressivos.

Scot Consultoria: Qual será, na sua visão, o grande desafio ao agricultor brasileiro para a safra 2022/23 e como a Conab tem trabalhado para reduzir esses desafios?

Allan Silveira dos Santos: Não é o único, mas um desafio é a elevação dos custos que deve reduzir a rentabilidade em relação aos últimos dois anos. Entretanto, ainda haverá rentabilidade positiva para a maioria dos produtos. Do ponto de vista da Conab, a principal ação que tem sido desenvolvida é a disponibilização de informação de forma clara, transparente, com qualidade e com segurança, para que o setor possa tomar as decisões com o máximo de informações disponíveis. Reduzir assimetrias de informação e melhorar o ambiente de negócios da agropecuária é o que queremos com esse esforço de melhoria das estatísticas do setor agropecuário brasileiro.


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