Alexandre é sócio-consultor da MB Agro Consultoria, engenheiro agrônomo e doutor em economia aplicada, ambos pela ESALQ/USP. É membro dos conselhos do grupo Otávio Lage, do frigorífico Minerva, HIG Big Sal, grupo Roncador e MAQCampo: revenda John Deere. Também é membro do comitê de assessoria externa da EMBRAPA Pecuária Sudeste e do conselho superior do agronegócio da FIESP, e foi um dos debatedores do Encontro de Analistas da Scot Consultoria.
Foto: Scot Consultoria
Scot Consultoria: Alexandre, como o senhor enxerga os impactos dos custos de produção para o mercado agropecuário em 2022/23?
Alexandre Barros: Estamos vivendo um momento complicado e um grande choque externo. O conflito entre Rússia e Ucrânia afetou o mercado de milho e trigo de uma maneira relevante. Os preços dos insumos subiram pela importância que a Rússia tem no mercado.
A tendência desse choque é durar um pouco mais. É importante destacar que a Ucrânia não deve plantar uma safra normal; acredito que já esteja tarde mesmo que a guerra acabe agora, pelo estrago que houve na época de plantio. Provavelmente veremos menos milho e menos trigo ucraniano, fazendo com que esse problema perdure até a próxima safra.
Do ponto de vista de fertilizantes, acredito que começará um movimento no mercado mundial, porque os russos precisam exportar, mesmo com as dificuldades logísticas de embarque e de pagamento. Porém, vamos continuar pressionados e devemos ter em mente que será um ano apertado no Brasil.
Na minha visão, esses custos vão continuar pressionando. Caso a guerra acabe, os preços de grãos serão corrigidos em torno de 10 a 15%, mas os patamares continuarão altos devido à menor produção. A preocupação durante a guerra é se será possível fazer estoque de produtos. Será um ano muito desafiador do ponto de vista de custo.
Scot Consultoria: Qual o papel do mercado de commodities brasileiro para aliviar um cenário mais desafiador para nossa economia sob influência da guerra?
Alexandre Barros: Eu acho que o Brasil abriu muito as portas para exportação. Vários países que não compravam produtos brasileiros vão precisar do nosso milho, por exemplo. Vamos ter um espaço com o mercado de carnes também, de um modo geral, porque o abastecimento total está comprometido, então novas procuras pelo Brasil tendem a acontecer.
O problema é que as implicações da guerra se voltam ao mercado de fertilizantes. Em todas as contas que fazemos, mesmo sendo elas otimistas, acredito que seja possível, no máximo, plantar uma safra semelhante à do ano passado.
Atingir mais mercados é uma oportunidade enorme que surgiu, então devemos plantar mais, mas acho que não teremos disponibilidade de insumos suficiente para suprir essas necessidades.
Scot Consultoria: O que o senhor destacaria sobre o Plano Nacional de Fertilizantes para os próximos anos?
Alexandre Barros: É um plano extremamente bem-vindo, muito interessante, porém, não a curto prazo. A minha interpretação é que há alguns assuntos essenciais que não foram discutidos na imprensa, como a questão de pagar impostos para o adubo ser produzido no Brasil, já para o importado não pagar, então qual seria o estímulo de montar uma indústria se não há uma equiparação de tributos?
Todos os estudos que fizemos mostram que deverá ocorrer um aumento de 4% em imposto para ter equalização tributária. Isso significa que irá subir o imposto dos adubos aqui dentro do país nessa mesma intensidade , e essa subida não é interessante para os produtores. No passado, quando o Plano Nacional foi desenvolvido, houve uma forte oposição.
Outra perspectiva é o fato de que o Brasil tem muito gás, sendo capaz de produzir todo o nitrogênio que precisamos. Por que um país que tem tanto gás não consegue torná-lo útil? Qual seria a política de preço do gás que a Petrobrás irá adotar? Esses pontos são capazes de serem resolvidos relativamente rápidos.
Temos uma planta gigante em Três Lagoas - MS, que seria voltada para produzir um volume importante usando o gás boliviano, e o projeto foi abortado pela própria empresa estatal por conta dos riscos oferecidos pelo gás da Bolívia. No entanto, nós temos gás e ele deveria ser explorado, até mesmo para a produção de petróleo.
Há muitas questões que devem ser debatidas seriamente e isso implica em mexer nos impostos e preços. Contudo, é um belo projeto e uma boa iniciativa.
Scot Consultoria: Qual sua opinião sobre a recente queda do dólar e como ele pode impactar nas commodities?
Alexandre Barros: Sempre que os preços das commodities sobem, há entrada de dólar no Brasil, através de investimentos de capital estrangeiro em empresas do ramo, dado o papel do Brasil, a grande relevância dessas empresas e expectativa de bons resultados por elas.
Há, porém, uma parcela de investidores internacionais que migram o seu fluxo de investimentos à Rússia, por também tratar-se de um grande exportador de commodities. Assim que a guerra surgiu, essa parcela de fluxo de investimentos que migraria à Rússia veio para o Brasil.
Com o aumento dos preços das commodities, a inflação brasileira criou forças, aumentando também os juros e atraindo capital. Por fim, a commodity em dólar com valor alto, gera um saldo comercial grande e entra mais dólar ao país.
Quando a guerra terminar, a tendência é de recuo na cotação das commodities e o real tende a perder um pouco de valor. A dificuldade é dizer a hora que a guerra acaba, e hoje ninguém sabe responder essa pergunta.
Scot Consultoria: Sobre o cenário do mercado de carne bovina, em qual momento estamos no ciclo pecuário? E em relação às exportações, a China continuará sendo nosso principal cliente ou há outro mercado que possa ganhar relevância nos próximos anos?
Alexandre Barros: Acredito que o ciclo pecuário está mudando e nós vamos ter mais oferta de carne. Nos Estados Unidos irá acontecer o contrário, então existe uma oportunidade boa para as exportações brasileiras.
Nós vimos uma exportação muito forte para os EUA e achamos que isso vai desacelerar um pouco, porque vamos atingindo as cotas que temos para exportar para lá, mas, por outro lado, a exportação para a China voltou a aumentar.
A pergunta relevante é se esse volume adicional de produção vai ser todo absorvido pelo mercado internacional. No meu entendimento, eu acredito que sim, porque foi o que aconteceu até agora.
Se olharmos os dados de abate de janeiro, foi 15% maior comparado com o mesmo período de 2021, mesmo com a subida da arroba. Então existe demanda mesmo com preço em alta e a exportação foi responsável por isso.
Na minha visão, a arroba tende a seguir firme e os mercados futuros estão indicando uma queda, mas acredito que eles serão corrigidos. O custo do confinamento está muito alto, então é importante que aconteça alguma correção daqui para frente, caso contrário os confinamentos não vão acontecer.
Scot Consultoria: Na sua opinião, como a Rússia sobreviverá no pós-guerra?
Alexandre Barros: Imaginamos que a Rússia será obrigada a se juntar com a China por estar isolada economicamente. Achamos que os embargos vão continuar por mais tempo, para continuar prejudicando a Rússia, com o intuito de não dar esperanças para o país se reerguer.
Um dos exemplos dos atos contra a Rússia é o do presidente dos EUA, que montou um acordo para tentar substituir 70% do gás russo via exportação do gás liquefeito.
A China irá agradecer, porque a Rússia é grande exportadora de commodity, energia, adubo e minério.
Para a pecuária brasileira a exportação para a Rússia e China deve seguir firme, porque eles dificilmente irão produzir em larga escala. Há a possibilidade de termos também novos mercados, como EUA, Reino Unido, Indonésia, Japão, entre outros.
A nossa impressão é que abriram novos mercados potenciais para a carne bovina brasileira. Eu me preocuparia um pouco mais com a soja, por exemplo, porque há chances da China incentivar a produção agrícola russa.
Há fatores que podem acontecer também, como a China produzir menos trigo e aumentar a produção de soja, importando esse restante de trigo da Rússia.
Sem a Rússia encontrar destinos mais claros no Ocidente, a China será um destino principal e crucial para seu mercado. Por isso, há preocupação da relação entre Brasil e China em relação ao mercado de grãos, mas não para a carne bovina. Claro, tudo isso para médio prazo, nada de imediato.
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