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Scot Consultoria

Impactos do Covid-19 no Brasil

Entrevista com o professor doutor da UFMS, André Luis Soares da Fonseca

Sexta-feira, 20 de março de 2020 - 17h40
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Possui graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Uberlândia (1984), mestrado em Imunologia das Leishmanioses pela Universidade de São Paulo (1993), graduação em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (2001), especialização em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Católica Dom Bosco de Campo Grande (2006) e doutorado em Doenças Tropicais e Saúde Internacional pelo Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (IMTUSP) (2013). Foi coordenador do curso de Medicina Veterinária da UFMS (2000). É professor associado nível 3 da disciplina de Imunologia na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul desde 1991. Tem experiência na área de Imunologia Básica e Aplicada. Atuação como advogado pro bono em causas ligadas a cidadania, meio ambiente e proteção aos animais. Ex-coordenador da Comissão de Leishmanioses do CRMV/MS, ex-membro da Comissão de Meio Ambiente da OAB/BS; ex-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos dos Animais (CDDA) da OAB/MS. Sócio Fundador do Brasileish - Grupo de Estudos em Leishmaniose Animal.

Foto: pixabay.com


André Luis Soares da Fonseca concedeu uma entrevista exclusiva para a equipe da Scot Consultoria sobre a atual conjuntura devido à pandemia do coronavírus, potencial de desenvolvimento desse quadro e expectativas em curto e longo prazos.

André possui graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Uberlândia (1984), mestrado em Imunologia das Leishmanioses pela Universidade de São Paulo (1993), graduação em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (2001), especialização em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Católica Dom Bosco de Campo Grande (2006) e doutorado em Doenças Tropicais e Saúde Internacional pelo Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (IMTUSP) (2013). Foi coordenador do curso de Medicina Veterinária da UFMS (2000). É professor associado nível 3 da disciplina de Imunologia na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul desde 1991. Tem experiência na área de Imunologia Básica e Aplicada. Atuação como advogado pro bono em causas ligadas a cidadania, meio ambiente e proteção aos animais. Ex-coordenador da Comissão de Leishmanioses do CRMV/MS, ex-membro da Comissão de Meio Ambiente da OAB/BS; ex-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos dos Animais (CDDA) da OAB/MS. Sócio Fundador do Brasileish - Grupo de Estudos em Leishmaniose Animal.

Scot Consultoria: Sobre a evolução do número de infectados, na sua opinião, em qual ponto na curva de crescimento nos estamos atualmente e qual o real potencial do desenvolvimento desse quadro?

André Luis Soares da Fonseca: Nós estamos bem no início da fase exponencial. O comportamento da infecção nesse momento e o fato de sermos um país tropical, é diferente, as características são diferentes, então as chances de a curva sofrer alterações existem.

Na Itália, por exemplo, as pessoas estão em um local com temperatura de 7ºC, todos fechados, sem sistema de circulação, aqui é exatamente o contrário, janela aberta e tempo seco se iniciando, a curva não pode ser exatamente no mesmo aspecto, mas na minha opinião estamos bem no início da fase exponencial.

Scot Consultoria: O senhor acredita que deve haver quanto tempo ainda até o alcance do máximo dessa curva?

André Luis Soares da Fonseca: Acredito que, historicamente, visto o que aconteceu com a China, cerca de três meses, três meses e meio. Se fizermos uma analogia, a China começou em meados de dezembro e foi forte até agora em março, seria como se o Brasil estivesse iniciando o “janeiro” da China.

Scot Consultoria: Quais são as atualizações sobre estudos de vacinas ou qualquer outra forma de prevenção e tratamento para essa pandemia?

André Luis Soares da Fonseca: A vacina contra coronavírus já existe, mas para outros coronas. Tem vacina para coronavírus canino, para bronquite aviária, que é um coronavírus aviário, e é uma vacina nasal via borrifador. O problema é que a epidemia está acontecendo de uma forma muito rápida, então antes de desenvolvermos a vacina, a epidemia já aconteceu.

O que preocupa mais, na minha opinião, são essas medidas drásticas de contenção, essa medida de isolamento absoluto, como teve na China. É justificável lá porque foi algo novo, então “vamos fechar tudo e ver o que está acontecendo”, mas hoje nós já temos uma informação epidemiológica, um número alto de casos, então já existem dados estatísticos importantes, na minha opinião, devemos focar na população de risco.

Tudo que está sendo feito é útil, mas acaba gerando um problema social muito intenso. Não tem uma solução boa, uma solução ideal, toda solução terá perdas. Hoje, sabendo quais os grupos de risco, deveria ocorrer um isolamento desses grupos, sabendo que são idosos, cardiopatas, diabéticos e asmáticos. Esses grupos tinham que ter a circulação proibida, ver um deles na rua e levar para casa, dar uma multa para esse indivíduo, eu acho que devia ser o mais correto a se fazer para essa população.

Na Itália, por exemplo, que abaixo de 30 anos, praticamente não tem nenhum caso mais grave, então é importante, imunologicamente falando, que aqueles que podem se contaminar, peguem a doença, o que acontece com isso: esse indivíduo vai desenvolver a doença de forma assintomática, mais leve, mas com isso ele vai criar imunidade, e a partir desse momento, ele deixa de ser a população de risco, mas até que ele desenvolva essa imunidade, é importante que ele fique isolado. Isso a gente chama na imunologia de premonição, uma proteção para quem sofreria mais, e o pessoal restante, ‘’deixar’’ se contaminar, com isso, criamos uma população resistente, que vão parar de transmitir. Dessa forma, quando entrarem em contato, posteriormente essa resistência, com o idoso, acaba o risco de transmissão.

Dá trabalho, dá muito, mas o mais importante é isolar, principalmente, a população de risco.

Scot Consultoria: Saiu uma matéria desse isolamento que o senhor disse, diz assim, tem o ponto positivo e negativo, a longo prazo tendo em vista o funcionamento da sociedade, qual sua opinião?

André Luis Soares da Fonseca: Eu acompanho, esse é o problema, vamos supor a condição perfeita: isolamos todo mundo, todos dentro de casa, sociedade parou, isso durante três meses, o que vai acontecer? Quem poderia pegar a doença e não pegou, continua suscetível, mais para frente, se tivermos uma outra epidemia, ele vai ser contaminado, porque não criou imunidade, porque ele não está imunizado.

Se você perde a possibilidade de imunizar no tempo adequado, ele vai estar suscetível, isso que está acontecendo agora, pode se repetir daqui 10 anos por exemplo.

Scot Consultoria: Outra coisa, estamos tendo recentemente, relatos de gripe aviária na Europa e na Ásia, é algo que pode ganhar mais relevância, tanto na produção avícola quanto para a saúde humana?

André Luis Soares da Fonseca: O problema da influenza é que ele é zoonótico, então ele passa, você tem as cepas, as espécies especificas, mas ele tem alto poder de mutação. Tem a questão de convivência de animais, um animal convivendo com o outro, uma mutação aleatória em determinado local pode ter sucesso e isso vai acontecer daqui para frente de uma maneira generalizada, essa é a nossa primeira pandemia e nós temos que aprender com ela.

Então historicamente essa é a primeira pandemia por suas características, por exemplo, o ebola aconteceu num pais africano, pobre, que ninguém viaja, então causou um problema grave no local, não chegou a se espalhar para outros lugares, o estrago foi interno, mas pra fora não, agora essa, teve início na China, todas as previsões de pandemia tem início na China, por uma questão numérica, 1/5 da população do mundo está ali, é um país mais propício a surgir epidemias, isso é ruim por ser uma doença, mas por um aspecto é bom, porque nós vamos aprender com ela, porque outras epidemias virão.

Scot Consultoria: Sobre a peste suína, qual sua visão sobre ela na china e na Ásia, é possível que haja uma re-emergência na China e na Ásia?

André Luis Soares da Fonseca: Na peste suína, você tem essa eliminação sistemática dos animais, ela vive aparecendo , justamente por causa de mutações, vai acontecer uma mutação e ela vai voltar a aparecer, temos que ficar atentos, porque esses fenômenos vão acontecer, é um dado estatístico, quanto maior a população de uma espécie, maior o risco de aparecimento de doenças.

Quanto mais você confina indivíduos da mesma espécie, por exemplo, um galpão de aves, onde há 50 mil aves, se aparecer uma cepa mutante, você tem 50 mil aves contaminadas diferentemente se você tiver 5 galpões de 10 mil, a disseminação vai mudar, será muito menor, isso é a nossa realidade, aconteceu agora e vai voltar a acontecer. Hoje temos que ter esse conceito de saúde única, ele vem agora para reforçar. Antigamente éramos países isolados, hoje o mundo é outro, uma doença daqui passa pra Europa rapidamente.

Uma história muito interessante é ligada ao HIV, no começo da doença em 1990, final de 80, apareceram alguns estudos da Nacional Geografic de Londres, sobre o comportamento de doenças da África no século 18, naquela época eles mandavam cientistas pra África pra poder mapear as aldeias de índios africanos, a cada 20-30 anos, nisso eles contavam que as aldeias desapareciam, não tinha histórico de guerras e batalhas entre elas, elas eram fechadas, eram comunidades fechadas. Aí veio o católico jesuíta pra cristianizar aquelas populações e as comunidades, que eram isoladas entre si, começaram a se comunicar, eram isoladas por milhares de anos e um começou a casar com a filha do outro, começaram a ter miscigenações, e assim dispararam as doenças, porque é o que acontece com a peste suína, é o que acontece com determinadas populações de aparecer essas doenças, se a população é fechada, ela é dizimada, simplesmente desaparece, os que sobrevivem, são resistentes, é a mesma questão do colonizador que veio pro Brasil, começou a dizimar os índios daqui.

O que eu estou falando com isso, o histórico da aids hoje, é que a aids não apareceu na década de 70, ela apareceu no século 19, só que com populações fechadas, alguns eram resistentes e sobreviveram, e a maioria morreu, mas quando alguém HIV positivo começa a misturar, começa a disseminar, e isso só apareceu em 70, pela maior disseminação da população no mundo, tem histórico de navegadores noruegueses que iam pra África, e tinham relação com africanas e que morriam de aids, mas a viagem levava três meses pra ele chegar, nisso, ele morria na viagem, não chegava a doença, hoje em 8h você está do outro lado do mundo,

O aspecto de saúde hoje é muito mais complicado, a gente tem barreira entre os países, mas o vírus não tem passaporte.

Scot Consultoria: O que o senhor acha que tem algo a mais para se ressaltar, para que a população fique atenta.

André Luis Soares da Fonseca: Temos as normas do governo, concordando ou não, temos que seguir, estamos aprendendo agora, é a primeira epidemia, é fazer o que tem que ser feito, na minha opinião tinha que reforçar o isolamento do grupo de risco, se, tem um avô que precisa comprar pão, alguém vai lá e compra, deixa o pão na porta da casa dele, para nem entrar em contato com ele, flexibilizar algumas medidas que são pra população que não é de risco, porque é importante imunologicamente, e radicalizar o isolamento nas populações de risco.

O que aconteceu na Itália na minha avaliação, no primeiro momento, houve a presença da doença, que ninguém detectou, no momento que já havia se espalhado, mandaram fazer o isolamento, quando isolou você juntou doente e não doente, você piorou a situação. Retardou demais o momento da identificação, por causa desse isolamento global, na minha opinião, fecha o grupo de risco, isola, agora imagina se você tem crianças e moram com os avós, ou você tem um população de velhos perto da sua casa, quando começou a doença, o que o pessoal falou? Vamos fechar todo mundo, a criança que é assintomática, ela já está com o vírus, e ela vai conviver com o avô dela que é susceptível. Os três países do mundo que tem mais idosos hoje? Itália, Portugal e Japão, o erro foi isolar os grupos juntos, contaminados juntos com não contaminados

Scot Consultoria: Temos visto muito fechamento das lojas, comércio etc. O senhor acha que chegaremos a um momento de faltar alimento para as pessoas?

André Luis Soares da Fonseca: Então, a previsão é de três meses, é complicado mesmo, até porque em casa você come mais do que quando está trabalhando, muitas medidas valem para ricos, que vão a academia, quem podem não-trabalhar ou fazer de casa, não é uma crítica a isso, mas o informal não tem essa possibilidade e precisa encontrar formas de resolver seus problemas, temos que repensar essas atitudes, não adianta matar o vírus, matando o paciente, tem que pensar bem pra tentar mitigar, controlar.

A epidemia está aí, todos falam do flattening (achatamento da curva), é só diminuir o número de casos por dia, para o sistema poder atender. A previsão é de 25 mil casos no Brasil, vamos tê-los, mas não em um mês, mas em 6 meses, então não é uma pandemia, é um surto pandêmico, teremos o  surto e depois ele vai desaparecer, mas se isolando inadequadamente as populações, você corre o risco de ter isso de novo mais pra frente.

Scot Consultoria: E na economia do país, qual o senhor acha que vai ser o impacto de tudo isso?

André Luis Soares da Fonseca: Eu acho que já está acontecendo. Imagina você parar de trabalhar no mês, acho que vai ser muito maior do que estamos cogitando, no Brasil temos muito da economia informal, e esses não podem parar.

Scot Consultoria: Temos recebido muitas fotos de mercados faltando mercadoria, é preocupante, qual a sua opinião sobre essa atitude da população?

André Luis Soares da Fonseca: Fica preocupante, mas minha opinião é que essa medida é inadequada, é exagerada é desproporcional. Temos que pensar melhor, ‘’o que estamos fazendo?’’. É um cópia e cola do que está acontecendo no mundo, temos que fazer e depois avaliar o que está acontecendo, porque fazer esse controle que acho exagerado, e levar um prejuízo econômico imenso, tem que ponderar, não que a vida não seja importante, não estou falando pra não priorizar a vida, estou falando se a metodologia é suficiente.

Estão todos afobados, preocupados e fazendo isso para se desvencilhar da responsabilidade, isso dilui a responsabilidade, então a culpa não é minha, é recomendação da OMS, do governo, etc. A OMS é muito forçada pelas bases, a manter a postura, é um alvo político, está todo mundo cutucando ela pra falar algo que não pode dizer, esse é o problema.


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