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Scot Consultoria

O “boom” no mercado de carnes especiais

Entrevista com o engenheiro agrônomo, proprietário da marca de carne bovina BBQ Secrets, Roberto Barcellos

Segunda-feira, 21 de janeiro de 2019 - 06h00
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Engenheiro agrônomo, formado pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Atua com produção animal e desenvolvimento de marcas de carne há 20 anos e é sócio proprietário da marca de carne bovina BBQ Secrets.

Foto: Scot Consultoria


A demanda pelas carnes especiais está crescendo. Nos últimos anos o consumidor está se tornando cada vez mais exigente e apreciador de produtos de maior qualidade, pagando mais para quem conseguir atingir suas expectativas. Sendo assim, esse nicho de mercado vem ganhando espaço e o produtor que conseguir atender esse crescente mercado pode estar com a “faca e o queijo na mão”.

Para entender mais sobre o mercado das carnes “gourmet”, conversamos um pouco com o Roberto Barcellos, engenheiro agrônomo formado pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, que atua com produção animal e desenvolvimento de marcas de carne há 20 anos e é proprietário da marca de carne bovina BBQ Secrets.

Scot Consultoria: Roberto, conte-nos um pouco como foi o início desse mercado de carnes especiais no Brasil e como o senhor vê a evolução desse nicho de mercado?

Roberto Barcellos: Eu atuo nesse seguimento há 20 anos e fui meio que “obrigado” a entrar nisso porque minha formação é agrônomo, mas eu me direcionei totalmente para a zootecnia desde o início da faculdade e quando eu me formei, fui trabalhar para algumas empresas que não se contentavam só em produzir, elas queriam produzir um produto melhor, elas tinham um perfil agroindustrial e resolveram verticalizar a produção que já faziam com outras atividades agrícolas, como o suco de laranja, etc..

Então eu fui “obrigado” na época, como supervisor de pecuária, a buscar informação dentro da indústria, sobre o que nós estávamos produzindo, qual era o padrão e se esse padrão estava atendendo ao mercado. Foram anos de muito aprendizado para conseguir ajustar a fazenda para aquilo que o mercado queria.

E aquilo que o mercado queria, nada mais era do que o que o Brasil importava da Argentina e Uruguai, e então chegamos em um modelo de produção para produzir animais britânicos, jovens, bem acabados, em confinamento, etc..

Apesar de nós termos tido sucesso nesse produto, isso estou falando a 20 anos atrás, nós tínhamos certas restrições, pois na época houve o boom das parrillas, que era o novo modelo de churrascaria que havia sido importado da Argentina, e muitos argentinos vieram para o Brasil para tocar esse projeto.

E quando nós falávamos que a carne era brasileira, eles não queriam, eles falavam que só trabalhavam com carne argentina e não acreditavam que nosso produto poderia ser tão bom quanto o deles.

Mas, em função de uma crise de Febre Aftosa que ocorreu na Argentina na época, a carne deles deixou de vir para o Brasil, e coincidiu de nós termos esse produto e foi a grande porta de entrada. E o que aconteceu? Os argentinos começaram a comprar esse produto para as parrillas e eles achavam a nossa carne muito macia, mas faltava um pouco de sabor quando comparada com as carnes argentinas e uruguaias. Então, nós fomos fazendo alguns ajustes na produção, começamos a abater o animal um pouco mais velho, exploramos mais as opções nutricionais, grau de sangue e assim por diante, tornando melhor os animais e finalmente chegamos no produto desejado.

Quando nós chegamos no produto, isso eu estou falando há 15 anos, o mercado começou a demandar esse produto, porém numa velocidade pequena. As pessoas não estavam dispostas, naquela época, a pagar muito mais por uma carne de melhor qualidade. Como o projeto era pequeno, nós abatíamos 200 a 300 animais por mês, o sucesso foi grande, mas percebemos que não tinha muita demanda para esse produto.

Depois, eu tive a oportunidade de passar pela indústria frigorífica, fiquei cinco anos no frigorífico, onde eu tive muito aprendizado, fui contratado pelo Marfrig para implantar o programa da carne Angus, fiquei de 2005 a 2010 lá e foi então que eu comecei a perceber que a demanda por esse produto começou a aumentar. Na época o Mc Donald’s lançou o programa de lanches com certificado Angus, o mercado já estava mais disposto e um pouco mais amadurecido.

Mas foi a 3-4 anos atrás que realmente houve um boom de demanda sobre esse tipo de carne e, para mim, ficou muito claro isso quando eu estava viajando no Uruguai e, quando cheguei no Brasil, estava tendo a primeira churrascada, que é um evento que você compra o ingresso e tem cerveja, churrasco, música ao vivo e tudo mais. Aquilo me chamou muita atenção porque foi naquele momento que eu vi que pessoas que não tinham nada a ver com a pecuária de corte estavam ali curtindo uma boa carne, vários tipos de preparo, uma música ao vivo e cerveja boa. E de lá para cá, parece que começou a ter uma explosão mesmo de consumo e a cada fim de semana as pessoas estão fazendo churrasco, que até então, eu enxergava como uma refeição. E a partir daquele momento, eu vi que grupos começaram a se organizar no Instagram, Facebook, e começaram a demandar cursos, palestras, etc.. E, hoje, três anos depois, nós estamos com uma demanda maior que a oferta.

Eu acabei de escrever um artigo, exatamente nessa linha de pensamento. Pela primeira vez nós temos uma demanda muito consistente, mas de pessoas que são muito exigentes e que estão dispostas a pagar por um produto melhor, mas elas querem de fato que esse produto entregue esse diferencial de preço que elas estão pagando.

E isso está movimentando toda a cadeia produtiva para trás. Há 20 anos, quando eu comecei a trabalhar nesse ramo, as inciativas eram dos pecuaristas ou da indústria de promover um produto novo, mas era barrado no consumidor que não estava disposto a pagar mais pelo produto. E agora, o jogo inverteu e é o consumidor que está levantando a bandeira e está dizendo “pode produzir, eu sou consumidor, eu quero e eu preciso”, o que está movimentando, desde a cria, recria, e a engorda e, infelizmente a aceleração do consumo é maior do que a velocidade de aumento da produção e o boi que nós estamos abatendo hoje é resultado de um trabalho que se iniciou na fazenda três anos atrás.

Nós temos essa limitação, o aumento da demanda é muito maior que a velocidade de aumento da produção. Apesar de a demanda ser crescente, o que eu fizer hoje na minha fazenda de cria, eu vou abater esse animal daqui três anos e daqui três anos, a demanda já aumentou. Então próximos 10 a 15 anos nós iremos trabalhar muito forte, com uma demanda maior que a oferta.

Scot Consultoria: Já estamos vendo um crescimento por parte da indústria de bonificações para carcaça, o que o senhor acredita que falta para termos um programa de padronização e classificação de carcaças mais eficiente no Brasil?

Roberto Barcellos: Esse é um assunto delicado porque a avaliação de carcaça hoje é subjetiva e quem faz a classificação é o próprio frigorífico e é ele quem vai remunerar as carcaças melhores. Então entra em um conflito de interesses, como ele vai certificar um produto melhor para pagar mais?

Então eu sinto uma predisposição negativa em relação a classificação de carcaça que acontece em muitos frigoríficos e que não deveria acontecer. Inclusive nos Estados Unidos, você paga uma taxa para o seu animal participar de um programa de premiação, e a sua carcaça vai ser classificada pelo USDA e pela base de classificação deles que é feito o pagamento do prêmio. Nós estamos um pouco distantes disso, mas seria um regulador importante para tirar a subjetividade da equação e tirar o conflito de interesses da avaliação.

Mas infelizmente, o que os frigoríficos estão dispostos a pagar por um produto melhor, está desestimulando os produtores a produzirem maior volume de animal melhor, porque a diferença entre esse produto e o produto commodity é muito estreita, em torno de 5% a 6%. Então, às vezes, compensa você ser um bom produtor de commodity que você vai ter uma rentabilidade maior do que se você fosse um bom produtor de qualidade.

Aí que eu vejo que o errado nessa operação são as relações comerciais, porque o frigorífico está tratando as carnes especiais da mesma forma como ele trata as carnes commodities, oferta e procura. Ou seja, sobrou boi, a arroba abaixa, faltou boi, a arroba sobe, só que nas marcas de carne isso não acontece, porque nós temos uma demanda crescente e uma oferta limitada e, se o frigorífico não fizer contratos com os produtores de fornecimento com regularidade e padrão, ele não vai ter essa matéria prima, o que compromete todo o processo.

E o que irá acontecer? Não sei se o produtor vai verticalizar a produção e desenvolver uma marca ou o varejo vai encomendar produção direto do produtor, mas alguma coisa irá acontecer porque nesse formato atual de cadeia produtiva, em que quem determina as regras é a oferta e a procura, não irá funcionar para a carne de qualidade.

Scot Consultoria: Roberto, quanto da carne produzida no Brasil pode ser considerada "premium"?

Roberto Barcellos: Do volume dos abates brasileiros, dos 40 milhões de cabeças, eu classificaria, no máximo 2% como sendo carne de qualidade, até porque qualidade é uma característica subjetiva, o que uma pessoa pode considerar qualidade pode não ser para o outro.

Mas, baseado naquilo que nós importamos de qualidade, principalmente dos Estados Unidos, Argentina e Uruguai, que as carnes têm que ter um nível de maciez, um sabor e obrigatoriamente, tem que passar pelo marmoreio, nós temos uma restrição muito forte, o volume de abates é muito baixo e, baseado nesse modelo importado de qualidade, eu classificaria em 2%. Então realmente é limitado.

Scot Consultoria: Dentro dos nichos de carnes especiais, como está o consumo de Wagyu no Brasil? O senhor acredita que o consumidor está preparado para esse mercado que chega a tratar as carnes como iguarias?

Roberto Barcellos: Tem espaço para crescer, até por que o consumidor está em uma fase, que eu até brinco, que é a fase do “consumo ostentação”, como todo produto premium, o preço, às vezes, é a tomada de decisão em função da vaidade e ostentação. As pessoas não se contentam mais em ir em um bom restaurante e comer uma boa carne, elas precisam tirar a foto e publicar. Essa questão de status, de vaidade e ostentação, traz algumas distorções, não só na carne, mas no consumo de forma geral, de carro, de relógio, roupas, vinhos e assim por diante, e o Wagyu está entrando um pouco nessa onda, porque nós, como consumidores, não temos a habilidade de percepção, porque nós não fomos treinados para isso, nós conseguimos identificar a maciez, o sabor, mas estamos pagando caro por bifes com marmoreio e esse mesmo bife com um marmoreio um pouco menor, traria a mesma palatabilidade, mas nós estamos comprando pelo visual.

O Marfrig lançou um programa, a alguns anos atrás, de fomentar o Wagyu em vacas meio-sangue

Angus e, o que nós ficamos sabendo é que foram mais de 20 mil vacas inseminadas, e esses animais nasceram, foram recriados e vieram para o mercado. Então, o Marfrig, colocou no mercado um volume grande de carcaças de Wagyu, tentou fazer um trabalho de agregação de valor, e de fato conseguiu, mas ficou intermediário entre o Angus e o Wagyu puro e deu uma popularizada na marca Wagyu e no produto, que de fato é um produto bom, não estou dizendo que não. Só que o
Marfrig resolveu encerrar esse projeto e ele deixou refém muitos clientes que ele fornecia essa matéria-prima, e então esses clientes se viram sem esse produto e foi aí que os produtores de Wagyu puro começaram a se estabelecer de uma forma melhor, fazendo um trabalho melhor. Mas por exemplo, eu já abati Wagyu puro com ausência de marmoreio.

A nossa genética de Wagyu, não é, sem generalizar, tão consistente como o Wagyu de fora do Brasil, principalmente em países com maior tradição da raça. Nós temos produtos muito bons aqui, no mesmo nível dos produtos fora do Brasil, mas o que eu tenho visto é que tem muito produto sendo chamado de Wagyu e que não entrega o que deveria e não é compatível com o preço que está sendo cobrado. E um bom produto Angus, eu já vi isso diversas vezes, pode ser melhor que um produto médio de Wagyu. Só que um produto bom Angus é vendido de R$60,00 a R$70,00 e o produto médio Wagyu é vendido de R$150,00 a R$180,00, então o que eu enxergo é, como nós estamos em uma fase de aumento de demanda, ainda é possível cometer esse tipo de erro, mas se o mercado já estivesse mais estabelecido, mais amadurecido, esses produtores que entregam produtos mais ou menos teriam maiores problemas.

Então, qual o problema do Wagyu? É caro de produzir e você corre o risco de não ter uma agregação de valor de acordo com o seu custo de produção, ou você vai conseguir isso em 20, 30 ou 50% dos seus animais e esse animal bom vai ter que pagar a conta do animal ruim.

Nós estamos diante de preços de carne acima de R$200,00 que hoje ainda está funcionando em função do consumo ostentação, mas para mim fica em cheque a todo momento. A partir do momento que o consumidor comer um bom Angus e comer um Wagyu médio, sendo que este é o dobro do preço, ele vai abrir mão desse Wagyu e vai a favor desse bom produto, podendo ele ser Angus, Hereford, Bonsmara, entre outros, porque eu não falo muito mais em raça, eu tenho uma linha de carne hoje que chama BBQ Secrets e nela eu utilizo diversas raças para produzir essa matéria-prima, eu não certifico, para mim certificação não é agregação de valor e sim um gancho para atender uma fase de oportunidade do mercado.


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