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Scot Consultoria

Pedro de Felício comenta sobre a qualidade da carne bovina brasileira


Quarta-feira, 26 de dezembro de 2012 - 10h49

Pedro Eduardo de Felício é medico veterinário, mestre em genética animal, Ph.D. em produtos de origem animal e professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos da UNICAMP.



Scot Consultoria: Até que ponto vale a pena para o produtor investir em qualidade da carne, se o mercado, de maneira geral, não paga pela diferenciação? A demanda maior por qualidade terá que vir do varejo?


Pedro de Felício: Eu penso que o investimento deveria ser direcionado para o aumento da produtividade, porque um dos indicadores que deve melhorar ao longo do tempo é a redução na idade de abate, o que é muito positivo para a qualidade. Se a redução na idade de abate puder vir acompanhada do aumento de peso e melhor acabamento de carcaça, aí nos aproximaremos bastante do que geralmente se considera como uma carcaça de boa qualidade, pesada e bem acabada, de um animal jovem.


Creio que isso deva ser buscado pelo pecuarista independentemente de pagamento diferenciado. E será a indústria que irá direcionar esse produto para os segmentos de mercado mais exigentes. Com o tempo a remuneração pela qualidade virá pelo aumento da demanda. O foco é na qualidade da carcaça, a qualidade da carne exige um nível de detalhamento muito maior.


Scot Consultoria: O senhor acredita que o consumidor brasileiro está preparado para pagar mais por carne bovina de qualidade superior? Por quê?


Pedro de Felício: Alguns profissionais estão prestando atenção no comportamento do consumidor, e já existe algum consenso, deixando claro que não são dados de pesquisa de mercado, de que os consumidores das classes A e B e uma fração da classe C estejam experimentando diversos produtos que antes não faziam parte dos hábitos de consumo.


Isto acontece com os alimentos em geral e, em particular, com a carne bovina. O azeite de oliva é um exemplo disso. O consumo deste produto, que tem forte apelo à saúde, no Brasil aumentou 70% em relação à década anterior e, em consequência, o país é hoje o terceiro maior importador mundial do produto, segundo dados do Conselho Internacional do Azeite de Oliva. Penso que pode acontecer uma situação análoga com a carne bovina de qualidade melhorada do ponto de vista de qualidade organoléptica. A demanda tende a aumentar.


Scot Consultoria: A criação de marcas de carne premium no Brasil é cada vez maior. Qual o ganho no valor recebido pelo produtor neste tipo de produção, em relação ao fornecimento de carnes tradicional?


Pedro de Felício: Tenho visto alguns números divulgados pela Associação Brasileira de Angus, em setembro deste ano, que revelam bonificações entre 10 e 16% sobre o valor da arroba para os pecuaristas que fornecem gado com 50% ou mais de genética da raça Angus. Imagino que estes percentuais possam ser estendidos para outras raças britânicas e seus cruzamentos com Zebu. Claro que a genética é condição necessária, mas não é o único critério da certificação. A castração dos machos e a cobertura de gordura são parâmetros importantes.


Scot Consultoria: Em relação a cruzamento e melhoramento genético, o que tem sido feito/discutido para aumentar a maciez da carne, um atributo muito valorizado no quesito qualidade?


Pedro de Felício: As pesquisas do United States Meat Animal Research Center (USMARC), o famoso Clay Center, apontam para o valor da genética, independente da raça ser britânica ou continental, na melhoria da maciez da carne. Porém, há trabalhos do USMARC publicados que demonstram alguma vantagem para as raças britânicas Angus e Hereford.


A cadeia da carne bovina brasileira deveria buscar entre 3 a 5% de gordura intramuscular no contrafilé para uma boa aceitabilidade da carne, considerando-se que outras importantes variáveis estejam sob controle, mas o que temos hoje, no gado zebu, é algo em torno de 2,5% para machos castrados e 1,7% para machos inteiros.


Scot Consultoria
Como os frigoríficos podem se adequar às exigências dos mercados nacionais e internacionais, investindo na aplicação de novos padrões de produção, industrialização e comercialização de maneira a tornar seus produtos mais competitivos?


Pedro de Felício: Os principais frigoríficos brasileiros conhecem bem seus clientes e participam das principais feiras de alimentos do mundo, ouvindo potenciais compradores externos. Se existe uma consideração que eu possa fazer é que, para exportar mais e melhor, as empresas poderiam ser mais atuantes na questão sanitária. As empresas deveriam exigir mais empenho das autoridades sanitárias do governo federal.


Quanto ao mercado doméstico, seria muito desejável a implantação de uma classificação oficial de carcaças que não estabeleça diferenciais de preço, mas que permita que eles ocorram pelas leis de mercado. Também surgiriam diferenciais por conta de programas de incentivo, a exemplo do que já existe e que estamos chamando de marcas de carne. Mas eu vejo nestas marcas uma situação elitista, que implica em elevados custos de certificação e benefícios para poucos, enquanto que a classificação oficial de carcaças seria bem mais democrática, levando o serviço a mais indústrias e pecuaristas.


A qualidade das carcaças de bovinos no Brasil lamentavelmente é muito ruim, como pode ser comprovado com dados de empresas que fizeram levantamentos nos últimos 10 anos. Que ninguém se irrite com o que estou dizendo. Basta se atentarem para a proporção em que aparecem os machos inteiros, entre 24 e 30 meses, com acabamento escasso, nos frigoríficos.


O Brasil regrediu muito em qualidade de carcaça. O problema não é produzir carne de machos inteiros, mas sim de machos mais erados, entre 24 e 30 meses. Podem dizer que para exportar para alguns clientes este padrão é aceitável. E notem que não me aprofundei na questão da carne escura decorrente de estresse pré-abate, que pode atingir 10% das carcaças dos machos inteiros, mas que ainda hoje não é computada pela maioria dos frigoríficos ou é fator de desconto na remuneração paga ao pecuarista, como ocorre nos Estados Unidos.



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