Dr. Enrico Lippi Ortolani é medico veterinário, consultor veterinário do Programa Globo Rural e diretor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP.
Scot Consultoria: Até que ponto é seguro utilizar a ureia na alimentação de bovinos? Quais os prejuízos à produção que a intoxicação por amônia, resultado do metabolismo da ureia, traz ao produtor de corte e de leite?
Dr. Enrico Ortolani: Inicialmente, gostaria de manifestar minha alegria em comunicar-me com os pecuaristas e técnicos, público da Scot Consultoria.
A ureia pode ser utilizada na alimentação de bovinos, desde que sejam seguidas as recomendações técnicas para seu uso. A maioria dos acidentes de intoxicação pela amônia (a ureia em si não é tóxica, mas sim o excesso de amônia gerada pelo uso inadequado deste suplemento) em bovinos que atendi ou que me foram relatados surgiu do mau uso de ureia, principalmente devido à não observação do tempo de adaptação adequado a este suplemento ou por dose excessiva na alimentação.
Em relação à adaptação do gado à ureia, recomendo que seja feita dentro de 15 dias. Após a determinação da dose-meta ideal a ser utilizada na dieta, 30 % desta deve ser oferecida a partir do primeiro dia, acrescida de mais 35 % no dia sétimo dia e, a partir do décimo quinto dia, deve-se oferecer a dose integral.
A intoxicação pela amônia ocorre muito rapidamente e pode matar um bovino adulto em até 50 minutos após a ingestão do produto. Fêmeas adultas vazias que recebem dietas com alta quantidade de ureia podem ter infertilidade e retorno de cio após 35 a 40 dias da cobertura ou inseminação, pois a amônia provoca a morte dos embriões. Além de infertilidade tais doses de ureia podem provocar menor ganho de peso, pois para desintoxicar a amônia em excesso o organismo gasta energia no processo.
Scot Consultoria: Quais as principais deficiências nutricionais encontradas em bovinos de corte criados a pasto? E nos de leite? Pensando nisso, qual o maior equívoco do produtor no momento de escolher a suplementação de seus animais?
Dr. Enrico Ortolani: A principal carência encontrada é a de proteína, pois durante o período seco os capins perdem a qualidade nutricional e reduzem a quantidade de proteína nas folhas. Assim, durante o período de estiagem, é necessário suplementar o gado com proteína vegetal (farelo de soja, farelo de algodão, entre outros) ou com ureia, com vantagem de que para este último a suplementação é cerca de seis vezes mais barata que com proteína vegetal. Porém, a forma mais barata de suplementar proteína para o gado é por meio da consorciação dos capins com leguminosas (soja perene, amendoim forrageiro, entre outros) que são muito ricas em proteína. Infelizmente, a formação das pastagens consorciadas e a manutenção das leguminosas nestas não são tão simples e parte dos pecuaristas não adota tais práticas.
Aproximadamente 50 % de nossos rebanhos não recebem adequadamente suplementação mineral. Os principais erros constatados na prática são o simples não oferecimento de suplementos (apenas de sal comum ou sal grosso, que é bem mais barato), ou a não oferta deste no período chuvoso ou o uso de um suplemento não adequado para a categoria do gado. Cita-se como exemplo deste último erro, o uso de suplemento mineral de boi gordo (que contém 40g de fósforo por quilo de suplemento), que é bem mais barato, para vacas que amamentam ou garrotes e novilhas em crescimento (que necessitam pelo menos 80g de fósforo por quilo). A falta de fósforo pode provocar menor consumo de alimentos pela vaca, o que pode levar a uma menor produção de leite e inferior ganho de peso pelo bezerro lactente.
Scot Consultoria: Em relação ao confinamento, quais os principais riscos metabólicos da suplementação proteica?
Dr. Enrico Ortolani: Excesso de proteína bruta (acima de 16 %) ou de ureia (1,34% da matéria seca). Além de encarecer a ração podem provocar menor ganho de peso, como já explicado anteriormente.
Scot Consultoria: Quais as principais doenças nutricionais encontradas nos rebanhos de bovinos de corte? E nos rebanhos leiteiros? Assim, qual a estratégia mais utilizada a campo para se reduzir o aparecimento de doenças nutricionais nos rebanhos bovinos?
Dr. Enrico Ortolani: Além dos quadros carenciais citados acima, indicaria em gado de corte confinado a acidose ruminal. Essa enfermidade pode ser provocada por excesso de ingestão de alimentos ricos em energia, tais como o milho, sorgo, farelo de trigo, melaço, dentre outros, ou pela falta de adaptação dos animais às dietas com alto teor de grão (superior a 50% da matéria seca). Segundo nossos estudos, bovinos que nunca ingeriram dietas muito ricas em grãos devem receber estes alimentos aos poucos, atingindo-se a meta final ao término de 15 dias e não em oito dias como a maioria dos confinamentos adota.
A acidose ruminal, além de matar animais que apresentem quadros graves, pode facilitar o surgimento de problemas de casco, em especial laminite, e provocar ruminites (inflamação e perda de papilas ruminais) e abscessos hepáticos, que são as principais causas dos chamados "bois-ladrões" nos confinamentos, ou seja, animais que comem muito e ganham pouco peso, demorando mais para atingir o peso de abate.
Em gado de leite indicaria a hipocalcemia da vaca parturiente (denominada erroneamente de febre do leite, pois o doente não apresenta febre) que ocorre nas primeiras 48 horas após o parto em vacas com dois ou mais partos. Quanto o maior o número de partos maior a chance de ocorrência da doença. Essa enfermidade aumenta grandemente o surgimento de outras doenças, como a cetose, mamite, metrite e deslocamento do abomaso.
Em rebanhos com frequência de hipocalcemia superior a 1% nas vacas devem ser inclusos nos últimos 20 dias do pré-parto sais aniônicos na dieta, para a prevenção do problema. Vacas velhas, com mais de cinco partos, devem ser descartadas do rebanho, pois, além de diminuir a produção de leite, desenvolvem a hipocalcemia e são presas fáceis de outras enfermidades. Infelizmente, encontram-se ainda muitas vacas velhas nos rebanhos brasileiros, as quais são mantidas por motivos sentimentais ou porque no passado produziram muito leite.
Scot Consultoria: O senhor acredita que as doenças relacionadas à nutrição animal, na comparação com as demais, são negligenciadas pelo produtor?
Dr. Enrico Ortolani: Algumas delas o são, em especial a cetose e a carência de proteína e de suplementos minerais.
Scot Consultoria: Quais as principais causas e consequências da cetose nas vacas leiteiras? Qual a dimensão das perdas em produção de leite que esta doença traz?
Dr. Enrico Ortolani: A cetose é a doença mais negligenciada da pecuária leiteira nacional e por passar despercebida, e por desconhecerem as formas diagnósticas ou simplesmente ignorarem sua presença, muitos médicos veterinário não fazem o diagnóstico do problema. Estudos em propriedades leiteiras de alto padrão em nosso meio (com média acima de 20 litros), indicaram que até 25% das vacas apresentam a doença nos primeiros 25 dias de lactação.
A doença ocorre em vacas a partir da segunda lactação que, durante o período de pré-parto, ficaram muito pesadas ou naquelas que, nos primeiros dias de lactação, receberam quantidades inadequadas de energia e/ou de proteína. Estes estudos indicaram ainda que as vacas doentes reduzem, em média, 300 a 400 litros de leite até o final da lactação, se comparadas às vacas sadias.
Os sintomas passam muitas vezes despercebidos, pois se constituem de menor produção de leite (em média 30% durante a enfermidade, com duração de 12 a 16 dias), menor consumo de alimentos (em média 20%), comuns em outros problemas ou muitas vezes imperceptíveis. Vacas com cetose têm mais chance de terem problemas infecciosos, tais como mamite, metrite e pneumonias.
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