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Carta Gestor - O dia em que fui escalado para o Barcelona com coaching de Temple Grandin


Segunda-feira, 13 de agosto de 2018 - 06h00


A vida nos reservas muitas e boas surpresas, e dessa vez foi como me sentir escalado para o time do Barcelona, aquele das estrelas do futebol. Em uma tarde de julho em São Paulo (SP), só tinha fera ao meu lado. O motivo de cerca de quarenta pessoas que fazem a diferença no agronegócio estarem reunidas era para que participassem de um debate com Temple Grandin. A norte-americana, autista, é referência mundial em bem-estar animal e depois da experiência daquele dia, faço um paralelo com comportamentos importantes que precisamos ter em nosso negócio. Afinal, o que é bom não pode ser guardado só com a gente.

Primeiro, ao ver a firmeza Temple fica evidente que ela é um exemplo de alguém que defende um sonho e uma missão por toda a vida. É um exemplo do que é ser um profissional com propósito. No agro, com certeza, é o maior dos exemplos. Ela começou impactando ao seu redor, depois em sua região, no seu país e no mundo, tanto que sua história virou uma superprodução de cinema. Pessoas assim, seja com 30 ou 70 anos, não desistem do que acreditam e realizam. E, assim, conduzem todos ao seu redor, sem perceber.

É assim que precisamos gerir as equipes das nossas fazendas. Transformando nosso negócio em um objetivo de todos. Temos que definir nosso propósito e acreditar nele. Contagiar do campeiro ao gerente. Investir. Quem tem um propósito faz a vida valer a pena. Contagia. Atrai. Renova. Foi assim que voltei para casa no fim daquele dia, renovado. É preciso que sejamos a mesma fonte para os que trabalham conosco.

Outra característica marcante é a objetividade de Temple frente a qualquer questão. Em suma, é preciso respeitar o animal e pensar tecnicamente. Simples assim. E, para isso ela defende o uso de indicadores. Medir, medir, medir para que saibamos onde estamos, como estamos e onde vamos chegar. Em seu exemplo, ela foi contratada por uma grande empresa para avaliar o bem-estar animal nas plantas frigoríficas e mediu os índices de vocalização, número de vezes que o choque era usado, número de acidentes, etc.. Ou seja, questões práticas que mostravam como era ruim o bem-estar dos animais. A partir disso, as coisas mudaram. Esse é o caminho, afinal, pior que uma notícia ruim é aquela notícia ruim que demorou para chegar, ou seja, que não identificamos os nossos problemas nas mais diversas áreas.

Ela deu o exemplo de um frigorífico, mas o mesmo vale para as práticas na fazenda. Favorecer o bem-estar dos animais traz lucro para o negócio. Nessa questão, um dos pontos mais focados para o melhoramento em bovinos de corte é o temperamento. A atenção dada a ele é válida, afinal, o animal mais manso está mais no cocho, ganha mais peso, produz mais. Há uma correlação positiva com o ganho médio diário (GMD) que é um dos principais números que devem ser monitorados na pecuária, afinal, junto com a lotação, ele é responsável pela maior produção de @/ha/ano.

Se o temperamento é uma característica, há muitas outras ligadas a redução de acidentes, menor número de contusões, equipe mais tranquila, melhor habilidade materna e por aí vai. Precisamos dar atenção a isso.  Medir e melhorar.

Sem rodeios

Outra coisa que Temple Grandin me ensinou foi a importância de ver o mundo de forma pragmática. Quando responde às perguntas, ela vai ao ponto. Sem rodeios. Um exemplo foi o caso da carne de laboratório. Como o pecuarista poucas vezes enfrentou, de fato, a concorrência, quando vê as notícias sobre o tema na mídia ele fica de cabelo em pé. Já presenciei conversas bem apavoradas sobre o tema. E, qual é a visão dela sobre a carne de laboratório? “Venda seu peixe. Cuide do seu negócio” e sugeriu que o setor fortaleça seu mercado, busque novas vertentes e crie nichos. Ele deve parar de olhar unicamente para as questões externas, ou seja, o que não pode controlar. Como defendemos, é mais fácil potencializar o que podemos mudar internamente do que ficar a mercê das flutuações externas. Isso vale para as mínimas questões administrativas da fazenda até as importantes ações em cadeia.

Esse pragmatismo também alerta para que usemos as técnicas já conhecidas. É preciso estar atento ao novo, mas esse não é o único ponto. Antes disso, é preciso aplicar com excelência as tecnologias já existentes e solidificar o que há de bom. E isso requer a lembrança do líder para as vezes, tocar o samba de um a nota só. Quer uma comparação simples, sabe o “bip” do carro quando a gente não coloca o cinto de segurança? Sim, mesmo quando a distância é de apenas um quarteirão é preciso usar o cinto. Se não houver o alarme, a gente vai esquecendo e podemos nos acidentar.

Assim, devemos ser para as práticas que importam na fazenda. Pegando o exemplo do bem-estar animal, propósito de Temple, é preciso conduzir o animal sem paulada, em lotes menores; vaciná-los contidos um a um, manejar mais devagar. A gente sabe isso, não é? Mas é preciso sempre lembrar, sempre.

Por fim, no debate, a questionei se há como identificar, na contratação, alguma característica nas pessoas sobre como será seu relacionamento com os animais. Na visão dela, com certeza há pessoas que tem mais habilidade para trabalhar com animais do que outras, porém, o principal ponto é a gestão. Ela diz que há lugares que as pessoas melhoraram pela mudança do líder, motivação, proximidade e explicações. O contrário também é verdadeiro. Por isso, o sucesso está nas mãos, principalmente, de uma boa gestão e liderança.

Ao voltar para casa, a certeza é ainda maior de que são os propósitos que movem o mundo. Para isso é preciso caminhar sem rodeios e investindo em uma boa condição da equipe. Não há necessidade de inventar a roda, mas fazer com que ela possa rodar, internamente, da melhor maneira possível. O sucesso é consequência.


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