• Quarta-feira, 8 de outubro de 2025
Assine nossa newsletter
Scot Consultoria

COP30 no Brasil: sucesso!

Apesar de todas as nuvens negras no horizonte, vou fazer uma previsão bem arriscada: a COP30, do Brasil, de Belém, será um sucesso.


Foto: COP Audiovisual (Flicker CC)

Foto: COP Audiovisual (Flicker CC)

Para a maioria das pessoas, as Conferências das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima , as COPs¹, parecem inúteis. Elas são as conferências anuais para as mudanças climáticas que reúnem quase todos os países do mundo para negociar uma resposta a este desafio. Ao término de cada uma delas, especialmente as mais recentes, as matérias que saem na imprensa são sempre em tom de frustração. Apesar disso, mesmo que pequeno, a cada uma delas, um avanço acaba sendo feito.

O melhor indicador para o sucesso do esforço da somatória das 29 COPs anteriores seria uma redução das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE), mas até aqui seguimos aumentando as emissões.

Isso dá a errada interpretação de que nada tem sido feito, o que está longe de ser verdade. Por exemplo, em 1995, a porção da energia elétrica gerada a partir de fontes renováveis (hidrelétricas, eólica, solar, bionergia, etc.) no mundo representava 19,0%, e mais de três vezes isso, 62,0% vinham de combustíveis fósseis, mas, em 2024, esses valores são, respectivamente, 32,0% e 59,0%. Isso fica mais relevante se levarmos em consideração que a demanda mundial de energia neste período aumentou em quase 2,5 vezes. Há ganhos na maioria dos setores, pelo menos em termos de aumento de eficiência. Isso explica porque uma projeção linear da taxa de emissão do início dos anos 2000 resultaria em uma emissão total 30,0% maior do que a atual.

Como, ao mesmo tempo, as notícias são de que o aquecimento global está aumentando acima das estimativas, inclusive com o ano de 2024 sendo o mais quente de todos, superando o limite proposto pelo “Protocolo de Paris”, há uma sensação de jogo jogado e perdido. Esse valor limite é de 1,5oC acima da temperatura média antes da 2ª Revolução Industrial, em 1850. Valores acima dessa média histórica são considerados “anomalia climática”. Aqui, também há considerações atenuantes a fazer: o fato de um ano isoladamente ultrapassar o limite não significa que ele foi, de fato, ultrapassado, pois há chance dos anos subsequentes serem menos quentes. Parece que já o caso de 2025 que, conforme o relatório mensal da Berkeley Earth, da Universidade de Berkeley, nos EUA, a anomalia climática no mês de agosto foi de 1,42oC, havendo apenas 1,8% de chance de 2025 repetir valores acima de 1,5oC.

Importante, então, destacar que: (1) é errada a noção de que há completo imobilismo e (2) que o jogo está perdido. Um terceiro ponto, ainda mais importante de frisar, é a forma pela qual encaramos o problema. Pela maneira como o assunto é discutido, sempre com os limites-alvo (abaixo de 1,5oC ou, no máximo, de 2,0oC), fica a impressão de ser algo com a opção de sucesso total, ao ficar abaixo desses valores, e o fim da humanidade se deixarmos passar dos 2,0oC. Portanto, esse terceiro ponto seria: (3) cada centéssimo a menos no aumento da temperatura representa menor prejuízo e menos sofrimento para todos. Assim, tudo o que for feito para reduzir as emissões de GEE ajudará a termos um futuro melhor. Na trajetória atual, se seguirmos na mesma toada, estaremos com de 3 a 4oC de anomalia climática no final do século XXI. Pelas amostras que já tivemos de eventos extremos ao redor do mundo, antes de passar dos 1,5oC, podemos ter uma ideia do quanto valerá a pena nos esforçarmos para entortar essa trajetória para baixo.

A COP, como o fórum em que quase a totalidade dos países se junta para tratar desse desafio, segue sendo uma esperança de construnção conjunta de ações que, sem comprometer a qualidade de vida das populações hoje, logrem na redução das emissões de GEE.

A COP30, a COP do Brasil, se aproxima cercada por um clima de jogo perdido antes do jogo jogado. A aposta arriscada de colocar em uma cidade sem a melhor estrutura para receber um evento desta dimensão foi agravado pelo comportamento abusivo do setor de hospedagem no estabelecimento dos preços: um verdadeiro tiro no pé, tanto pela redução de pessoas vindo a Belém agora, como pelo tempo que essa memória ficará vívida, inibindo futuras considerações da cidade como sede de futuros mega-eventos.

O pior cenário é a COP ser esvaziada e, apesar de haver mais de 80,0% das delegações confirmadas, o número com hospedagem resolvida seria pouco mais da metade disso.

Apesar de todas as nuvens negras no horizonte, vou fazer uma previsão bem arriscada: a COP30, do Brasil, de Belém, será um sucesso!

Daqui para frente, vou tentar justificar o meu otimismo, a começar detalhando os seis pilares estabelecidos pela presidência da COP30, ocupada por um brasileiro de competência reconhecida na diplomacia e que parece ter gozado de unanimidade de aprovação em sua escolha. Para cada pilar, um comentários sobre onde se encontra parte do meu otimismo:

1. Transição energética, industrial e de transportes:

Focada em reduzir o uso dos combustíveis fósseis, em aumentar a eficiência energética e promover a transição para tecnologias de baixa emissão, com o objetivo de triplicar a capacidade de energias renováveis.

Comentário: A grande parte das emissões de CO2 é a dependência desses setores nos combustíveis fósseis e, portanto, avanços neste ponto são fundamentais na mudança da trajetória das emissões de GEE. O setor industrial e o de transporte têm evoluído, graças ao barateamento das opções de energia renovável e ao aumento de eficiência. O Brasil é, ao mesmo tempo, um grande produtor de petróleo (8º do mundo) e um exemplo no uso de energia limpa e/ou renovável em sua matriz energética, portanto, ele se coloca tanto como parte do esforço de redução da opção barata e suja, como um exemplo do caminho a seguir para a redução da dependência economicamente viável .”

2. Gestão de florestas, oceanos e biodiversidade:

Contempla proteger ecossistemas, recuperar, preservar e restaurar ambientes naturais, como os oceanos e áreas costeiras e investimentos para barrar o desmatamento.

Comentário: A COP30 está sendo realizada imersa na maior floresta tropical do mundo, a Amazônia, que o Brasil compartilha com oito países ² , mas que tem 64,0% de sua área dentro de nossas fronteiras, representando 59,0% do nosso território. Ela é mais do que um grande ativo por todas as implicações físicas, biológicas, ambientais etc., pois tem uma dimensão icônica que pode, sim, ser um diferencial na COP, no mínimo como fonte de inspiração. Ajuda muito também, já haver uma proposta concreta na mesa, concebida pelo Brasil: o Tropical Forests Forever Facility (TFFF), um fundo baseado em desempenho, recompensando países por manterem suas florestas em pé, em vez de financiar projetos ou apenas compensar pelo desmatamento evitado. A proposta é mobilizar até US$125 bilhões até 2030, com aportes iniciais de países e grandes investidores, que se transformam em um capital com rendimentos. Além disso, o fundo propõe pagamentos diretos de US$4 por hectare por ano, com pelo menos 20,0% destinados a povos indígenas e comunidades locais. Apesar do pagamento direto parecer pouco, esse nível de financiamento, segundo o governo brasileiro, seria de três a quatro vezes os orçamentos dos ministérios do meio ambiente em países com florestas importantes e bem maiores do que o mercado voluntário de carbono paga atualmente. Sei que há várias camadas aqui desconsideradas, mas um negócio razoável é melhor do que nenhum, e ele sempre poderá ser aperfeiçoado.”

3. Transformação da agricultura e sistemas alimentares:

Investimentos na recuperação de áreas degradadas, promoção da agricultura sustentável e o desenvolvimento de sistemas alimentares mais resilientes e acessíveis.

Comentário: O Brasil está muito bem posicionado nesse pilar. Somos uma potência agrícola que mantém mais de 66,0% de área nativa preservada e com o desmatamento em queda. Além disso, temos inúmeras tecnologias de produção sustentável, tanto no campo, como os sistemas integrados, quanto outras ainda a serem adotadas e/ou escaladas pelos agropecuaristas e demais membros dos  sistemas alimentares . Temos, ainda, inovações sendo constantemente disponibilizadas pelo sistema de pesquisa brasileiro e rapidamente adotadas por um sistema de produção dinâmico, e com um grau de subsídio governamental mínimo. Um erro que o governo brasileiro não pode cometer é relativizar essa posição, em vez de, diplomaticamente, reafirmá-la. Nosso sistema agroalimentar pode ser um ativo para as metas da COP30, se os incentivos certos forem dados e se a questão do desmatamento ilegal for para a coluna do combate ao crime.”

4. Resiliência para cidades, infraestrutura e água:

Visa a construção de cidades resilientes, infraestruturas adaptadas e o acesso à água potável e ao saneamento.

Comentário: A população urbana representa a maioria, com mais de 55,0% da população mundial, de acordo com a ONU. Até 2050, estima-se que entre 68,0% a 70,0% da população global será urbana, portanto, investir na resiliência delas aos efeitos das mudanças climáticas é fundamental. A questão da água e saneamento vai na mesma linha. A experiência brasileira, de enorme urbanização da população nas últimas décadas, que ainda traz desafios enormes ao país, faz um local para discussões férteis sobre esse assunto.”

5. Promoção do desenvolvimento humano e social:

Abrange eixos como saúde, justiça climática, equidade e a participação de comunidades locais, povos indígenas e grupos vulneráveis.

Comentário: Essa é uma parte em que há muito mérito da presidência brasileira nesta COP, pois a preocupação social e o desenvolvimento humano têm sido colocados com destaque por ela desde o começo. O Brasil é um dos países com maiores contrastes sociais do mundo e, não só as mudanças climáticas afetam desproporcionalmente os mais vulneráveis, como as novas formas de desenvolvimento podem ser desenhadas para, ao mesmo tempo, endereçar a redução do impacto climático e a redução das diferenças sociais.”

6. Mobilização de facilitadores e aceleradores:

Relacionado aos meios de implementação, como o aumento do financiamento climático para países em desenvolvimento, a aceleração do acesso às tecnologias limpas e à capacitação para a transição.

Comentário: Este ponto pode complementar o anterior, exatamente com exemplos de financiamentos que promovam ganhos ambientais simultaneamente, com maior renda às populações, como no caso de economia circular, em que um passivo ambiental passa a ser fonte de renda para uma comunidade (como o exemplo de uma cooperativa de reciclagem). Aqui, o “ Roteiro de Baku a Belém” poderá ser um divisor de águas. O “Roteiro de Baku a Belém” é uma iniciativa conjunta das presidências da COP29 e da COP30, visando mobilizar pelo menos US$1,3 trilhão anualmente até 2035 para apoiar a ação climática nos países em desenvolvimento. Esse valor é US$1,0 trilhão a mais do que os países desenvolvidos prometeram na COP29, portanto, apesar de altamente improvável de ser abraçado em sua totalidade, é considerado um produto-chave para a COP30. Ainda que o valor ao final fique aquém, por ser um valor tecnicamente bem fundamentado, com razões históricas para o pagamento pelas nações desenvolvidas e na perspectiva dos valores previstos de prejuízos e dos riscos de desestabilização mundial pelos efeitos potenciais das mudanças climáticas serem potencialmente bem piores, vale a pressão para um aumento no repasse dos valores.”

É preciso reconhecer que a COP30 ocorre em circunstâncias bem desfavoráveis: um mundo com graves conflitos armados, aumento de gastos militares em vários países, redução da cooperação internacional e à sombra de uma guerra tarifária, que deve reduzir o crescimento econômico de todos. Além disso, o segundo maior emissor atual e maior emissor histórico (quando contam as emissões acumuladas ao longo do tempo), os EUA, saíram do “Acordo de Paris” e devem esvaziar o evento. Houve declarações recentes de membros do governo americano sobre a possibilidade de ainda participarem, mas é improvável. Isso se soma aos desafios da cidade-sede e, definitivamente, o prognóstico de mais uma COP frustrante parece o mais certo.

O que nos resta, então, é procurar mais motivos para acreditar que pode ser diferente e até o que seja visto como problema, acabe ajudando. Por conta dos problemas de hospedagem, é possível que as delegações de negociadores que participem da Zona Azul (espaço oficial) sejam mais enxutas, e isso ajude a deixar as negociações mais focadas. Da mesma forma, uma menor participação de empresas, ONGs e o público em geral na Zona Verde, onde podem participar de exposições, workshops e eventos paralelos, tem o lado negativo de “ouvir” menos a sociedade, mas, ao mesmo tempo, reduz o “ruído”, deixando o “sinal”, que realmente importa, mais à vista. Outra grande perda, os EUA como parceiro da luta contra as mudanças climáticas, pode fazer com que outros atores procurem compensar essa falta como forma de ocupar esse espaço e, assim, ganharem maior protagonismo no cenário global.

Mas, francamente, a maior parte do meu otimismo vem de algo mais intuitivo, de quase seis décadas de ser brasileiro, sempre achando que passaremos vexame ao realizar grandiosos eventos mundiais, com notícias ruins até os últimos instantes antes de começar, como obras atrasadas, impossíveis de serem terminadas no prazo, mas que terminam, ou previsões de falta disso ou daquilo, que acabam sobrando. Foi assim na Rio 92, na Copa de 2014 e nas Olimpíadas em 2016, todos com uma retrospectiva mundial positiva.

Há, nesses casos de sucesso contra todas as expectativas, um fator forte que não damos o devido valor, o espírito brasileiro: alegre, acolhedor, espontâneo e rico em calor humano. Acredito que isso faça uma diferença muito maior do que seja racionalmente admitir. Mantenho a fé que, debaixo de cada tecnocrata vindo de todos os cantos do mundo para as negociações, treinado para a frieza da racionalidade, habita um ser humano em que bate um coração e que quer ser parte de um momento iluminado da nossa espécie, de cuidado com a nossa casa num momento tão crucial.

Essa minha crença ganha corpo porque a presidência brasileira da COP a formatou como uma plataforma para a cooperação global e uma mobilização coletiva, reunindo governos, sociedade civil e setor privado para, juntos, acharem caminhos para enfrentar o desafio das mudanças climáticas. Nessa mesma linha, é inteligente ter colocado a opção de “empoderamento” dos entes subnacionais, com a proposta de que governos locais e regionais tenham acesso direto ao financiamento climático. Isso fomenta ações em vários níveis que, isoladamente ou em coordenação, podem resultar num somatório de resultados surpreendentes, especialmente porque poderão trazer maior diversidade de ações e estratégias mais adequadas a cada realidade local.

Espero que, ao final da COP30, possamos, mais uma vez, nos orgulharmos de sermos brasileiros e, ainda mais importante do que isso, que tenhamos conseguido avanços relevantes e ajudado as futuras gerações a terem menos com o que se preocupar. Todavia, considerando o tamanho do desafio, mesmo que tenhamos avançado pouco, se, pelo menos tivermos direcionado nossos esforços para o lado certo da força, que reconheçamos esse pequeno sucesso como sucesso, deixando de lado o complexo de “vira-lata”.

¹COP é um acrônimo para “Conference of the Parties”.
² Peru, Colômbia, Venezuela, Bolívia, Equador, Guiana, Suriname e Guiana Francesa (França).

Sergio Raposo de Medeiros

Engenheiro agrônomo, formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado pela mesma universidade. É pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste e especialista em nutrição animal com enfoque nos seguintes temas: exigência e eficiência na produção animal, qualidade de produtos animais e soluções tecnológicas para produção sustentável.

<< Notícia Anterior
Buscar

Newsletter diária

Receba nossos relatórios diários e gratuitos


Loja