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Lei da Mata Atlântica e Pantanal


Quinta-feira, 7 de dezembro de 2023 - 11h00

Advogado (OAB/MS 16.518, OAB/SC 57.644) e Professor em Direito Agrário, Ambiental e Imobiliário. Comentarista de Direito Agrário para o Canal Rural. Organizador e coautor de livros em direito agrário, ambiental e aplicado ao agronegócio. É membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA) e membro das comissões de Direito Ambiental e Direito Agrário da OAB/SC. Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Doutorando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestre em Desenvolvimento Local (2019) e Graduado em Direito (2008) pela Universidade Católica Dom Bosco.


Fonte: Ministério do Meio Ambiente


A Lei da Mata Atlântica, como é conhecida a Lei Federal nº 11.428/2006, determina regras específicas sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do bioma Mata Atlântica como, por exemplo, o corte, supressão e exploração de vegetação, diferenciando regras para os estágios primário e secundário de regeneração. 


Ocorre que, a localização do bioma Mata Atlântica, segundo a legislação de 2006, está causando vários problemas em locais onde efetivamente não existe mais vegetação com esta característica, como algumas regiões do pantanal, bioma distante do oceano atlântico, que deu origem a este tipo de classificação vegetal. 


Há uma divergência de mapas com relação ao bioma Mata Atlântica, com diferenças bastantes significativas, um deles, elaborado pelo IBGE, considerado pela legislação de 2006 e outro atualizado pelo IBGE em 2019, utilizado pelo Ministério do Meio Ambiente. 


Tal divergência se dá, principalmente, em razão da atualização tecnológica e metodologias de sensoriamento remoto como, por exemplo, o satélite CEBERS 4-A, inexistente há alguns anos, o que causa alterações significativas no quantitativo de Mata Atlântica em muitos municípios. No mapa atual, por exemplo, sua escala é de 1:250.000 e o mapa anterior de biomas era de aproximadamente 1:5.000.000. 


A escala é uma atribuição cartográfica importantíssima, por se tratar da relação matemática entre as dimensões do objeto real e a fonte, podendo ocasionar deslocamentos de áreas e outras análises específicas sem maior precisão, tal como os limites geográficos. Veja nas figuras 1 e 2.


Figura 1.
Mapa da Lei da Mata Atlântica, que mostra a delimitação do bioma, em 2006.

Fonte: Google Earth


A imagem acima considera o mapa da legislação de 2006 que, no artigo 2º, orienta “Para os efeitos desta Lei, consideram-se integrantes do Bioma Mata Atlântica as seguintes formações florestais nativas e ecossistemas associados, com as respectivas delimitações estabelecidas em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, conforme regulamento”, e segue descrevendo. 


É possível perceber neste mapa, uma das grandes polêmicas do Centro-Oeste, que é a incidência de Mata Atlântica em áreas de Pantanal, com o apontamento de vários polígonos de delimitação de proteção da legislação inseridos de maneira espalhada pelo bioma pantaneiro. 


Já na segunda figura, vemos o mapa atualizado pelo Ministério do Meio Ambiente em 2019. Estes fragmentos não se fazem mais presentes no bioma pantaneiro, em que se faz integralmente presente a vegetação típica do bioma Pantanal, além de enormes áreas excluídas nos estados de São Paulo, Bahia, Paraíba e Rio Grande do Norte, em razão da inexistência desta vegetação nos locais apontados. 


Sendo assim, houve atualização no mapeamento do bioma, mas não houve atualização no mapa de aplicação da legislação, o que não parece muito coerente. 


Figura 2.
Mapa da Lei da Mata Atlântica, que mostra a delimitação do bioma, em 2019.

Fonte: Google Earth 


A fiscalização frequentemente se utiliza deste mapeamento para aplicar penalidades, multas e embargos nestas áreas quando se percebe início de regeneração e se executa qualquer atividade de limpeza ou utilização da área com atividades produtivas, na maioria das vezes, sem vistoria no local, utilizando apenas imagens de satélite e o polígono do mapeamento da lei. 


Conforme já tratado em textos anteriores, a fiscalização por satélite é cada vez mais utilizada, sendo que nestes casos, por muitas vezes, pode haver equívocos por não conseguir comprovar com precisão o “corte raso”, a “supressão” ou, muito menos, o estágio de regeneração inicial, médio ou avançado, motivo pelo qual já orientamos que deve ser exigida a vistoria em campo neste sentido, evitando penalidades exageradas com multas, embargos e paralisações de atividades, onde a multa sem este cuidado pode até mesmo ser anulada na justiça. 


Retomando a questão jurídica da proteção da Mata Atlântica, segundo a Lei de 2006, o parágrafo único do artigo 1º registra que “Somente os remanescentes de vegetação nativa no estágio primário e nos estágios secundário inicial, médio e avançado de regeneração na área de abrangência definida [...] terão seu uso e conservação regulados por esta Lei”.


Portanto, Mata Atlântica em estágio secundário, após supressão, queimada ou qualquer outro evento que tenha retirado tal vegetação, onde se iniciar processo de regeneração será objeto de proteção, o que diz respeito a uma grande quantidade de áreas já suprimidas em que se faz a limpeza. 


Já o Decreto Federal nº 6.660/2008 que regulamenta a Lei da Mata Atlântica orienta neste mesmo sentido, com relação aos remanescentes de vegetação nativa primária e vegetação nativa secundária nos estágios inicial, médio e avançado de regeneração, porém, deixa claro que não deve haver interferência da legislação em “áreas já ocupadas com agricultura, cidades, pastagens e florestas plantadas ou outras áreas desprovidas de vegetação nativa”. 


E então, para dar maior clareza a esta situação, quem define os critérios para considerar o que é vegetação primária e secundária nos estágios inicial, médio e avançado, são resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA, com uma resolução de número 388/2007, que convalidou outras várias resoluções aplicadas especificamente para cada estado, no caso do Mato Grosso do Sul, a Resolução CONAMA nº 30/1994. 


Segundo o CONAMA, considera-se vegetação primária aquela de máxima expressão local, com grande diversidade biológica, sendo os efeitos antrópicos mínimos, a ponto de não afetar significativamente suas características originais de estrutura e de espécies; considera-se vegetação secundária em regeneração aquela resultante dos processos naturais de sucessão, após supressão total ou parcial da vegetação primária, por ações antrópicas ou causas naturais. 


Já a definição dos estágios inicial, médio e avançado, considera características como amplitude diamétrica, altura, área basal, distribuição diamétrica, amplitude, DAP, espécies, além da variação de região geográfica dependendo de condições de relevo, clima e solo locais; histórico do uso da terra; vegetação circunjacente; e configuração da formação analisada. 


É evidente a importância da análise correta da área em campo, a realização de perícias, a análise histórica da área, como também a correta classificação destas áreas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) que deverá ser analisado e aprovado pelo órgão ambiental competente, resolvendo estas controvérsias. 


Judicialmente, são raríssimos os casos que discutiram questões relacionadas ao mapa do IBGE 2006 e 2019 em relação à Mata Atlântica, porém, em um destes casos, foi decidido que a alegação genérica de que o Mapa de Vegetação do Brasil, feito pelo IBGE, conteria verdade presumida, e não verdade real, não invalida o critério da legislação com relação à utilização do mapa de 2006.


O mesmo caso, decidiu também que não é possível substituir critério de delimitação geográfica de área ambiental previsto em lei por outro sem previsão normativa mesmo sob fundamento de que seria insuficiente ou errado, firmando o entendimento de que a aplicação do Mapa de Vegetação do IBGE, como critério jurídico para demarcação geográfica da área de proteção ambiental da Mata Atlântica, foi reconhecida em outros precedentes regionais e pelo Superior Tribunal de Justiça. 


Interessante comentar que neste precedente do Superior Tribunal de Justiça, foi expedido ofício ao IBGE, que respondeu o que se incluía na classificação de Mata Atlântica e que o reconhecimento da destruição total ou parcial da vegetação, seja primária ou secundária, dependia da situação, estando os critérios definidos na legislação. 


Por fim, importante orientar com relação à corte, supressão e exploração da Mata Atlântica, em que só é permitido com autorização em caso de utilidade pública e interesse social, em todos os casos devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto, além da necessidade de compensação ambiental equivalente à extensão da área desmatada, com mesmas características ecológicas, na mesma bacia hidrográfica. 


Só é possível exploração com coleta de subprodutos florestais tais como frutos, folhas ou sementes, desde que não coloquem em risco as espécies da fauna e flora, observando-se as limitações legais específicas, possibilitando, principalmente, a exploração sem propósito comercial por populações tradicionais ou de pequenos produtores rurais, que não precisam de autorização. 


Importante comentar também que, autuações (multas) e crimes ambientais por desmate de Mata Atlântica de época anterior à Lei da Mata Atlântica, não devem prevalecer e podem ser anuladas judicialmente, permanecendo apenas a obrigação de recuperar a área de Mata Atlântica desmatada sem licença, que é imprescritível.



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