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Scot Consultoria

O efeito cobra e a lei do preço fixo


Quinta-feira, 13 de novembro de 2014 - 17h47

Problemas sociais - soluções liberais
Liberdade política e econômica. Democracia. Estado de direito. Estado mínimo. Máxima descentralização do poder.


Tratem todas as questões econômicas sob o ponto de vista do consumidor, porque os interesses do consumidor são os interesses da humanidade.  (Frédéric Bastiat)


O "efeito de cobra" é um termo originado na época do domínio colonial britânico na Índia, que bem demonstra aquilo que os economistas e cientistas sociais convencionaram chamar de "Lei das Consequências não Intencionais".


Conta a lenda que o governo britânico estava preocupado com o aumento do número de cobras venenosas em Delhi e ofereceu uma recompensa para cada cobra morta. Inicialmente, esta foi uma estratégia bem sucedida com um grande número de serpentes mortas em troca da recompensa. Com o passar do tempo, no entanto, empreendedores começaram a criar cobras para obter renda. Quando o governo descobriu a malandragem, o programa foi abandonado, fazendo com que os criadores de cobra fossem obrigados a desfazer-se delas. Como resultado, aumentou ainda mais a população selvagem de cobras na cidade.


Um incidente semelhante ocorreu em Hanói, no Vietnam, sob o domínio colonial francês, só que com ratos. O regime colonial criou um programa de recompensas que pagava um preço para cada rato morto. Para obter as recompensas, as pessoas teriam de fornecer o rabo do rato decepado. Depois de certo tempo, no entanto, funcionários coloniais começaram a notar a existência de muitos ratos vivos, embora sem caudas. É que os coletores de rato vietnamitas capturavam os ratos, cortavam-lhes as caudas e então os liberavam de volta aos esgotos para que pudessem procriar e produzir mais ratos, aumentando assim as suas receitas.


Lembrei do "Efeito Cobra" quando li um artigo hoje, no Globo, em que o presidente da Associação Nacional das Livrarias defende a edição de uma lei para proteger os livreiros tupiniquins da "concorrência predatória" dos grandes distribuidores, notadamente da Amazon, que acaba de se instalar no país.  Diz ele:


"Para um país que tem entre suas metas investir na leitura e melhorar seus sofríveis indicadores, deixar esse segmento fora desse cenário passa a ser extremamente comprometedor para o futuro do livro e da leitura no Brasil. Se queremos democratizar o acesso ao livro e à leitura, não podemos deixar que somente as grandes superfícies e magazines exerçam a condição de ofertar livros."


Contrariamente às lições da boa teoria econômica, o autor "acha" que, diminuindo a competição e fixando preços fora dos padrões normais de concorrência, poderemos não só reduzir os preços hoje praticados, como também aumentar o universo de leitores, uma vez que as livrarias teriam incentivo extra para manter uma oferta maior de títulos em suas prateleiras.


"A lei do preço fixo poderá ajudar a diminuir ainda mais o preço do livro no Brasil e fazer com que possamos alcançar índices de leitores tão desejados por todos. Basta que o mercado reveja seus acordos comerciais e não seja preciso praticar a vulgarização de preços."


Para quem não sabe, a "lei do preço fixo" é originária da França e tem como premissa não a fixação do preço do livro, mas de um desconto máximo que os editores poderiam dar aos distribuidores na venda de "Best-sellers", os principais produtos do mercado, responsáveis por boa parcela dos lucros, tanto de editores quanto de distribuidores.


É lógico que, impedidas de obter um desconto maior que o previsto em lei, as maiores distribuidoras serão obrigadas a aumentar seus preços, equiparando-os aos das livrarias menores.  Como prevê a lei da oferta e da demanda, é evidente que o aumento médio dos preços irá reduzir a demanda e o número de livros vendidos.  Ora, a redução da demanda por livros seria ruim para todo o mercado, não apenas para os grandes distribuidores, que, ademais, teriam reduzidos os incentivos para a inovação no mercado distribuidor.


Também não é difícil supor que aqueles indivíduos menos dispostos à compra de livros seriam os primeiros a mudar seus hábitos de consumo ao primeiro aumento dos preços, jogando por terra o principal argumento dos defensores da lei.


Como bem sabem os meus dezessete leitores, tenho grande admiração pelo trabalho de Frédèric Bastiat, intelectual e político francês que viveu na primeira metade do Século XIX. Seus insights econômicos são fabulosos, sempre escritos de forma simples e didática, voltada aos leigos. Sua parábola da "vidraça quebrada" é tão educativa que deveria ser leitura obrigatória na primeira aula de qualquer curso de introdução à economia. Há nela inúmeras lições econômicas que, infelizmente, malgrado um tanto óbvias, costumam ser desprezadas ou esquecidas pelos formuladores de políticas econômicas.  A principal delas é a Lei das Consequências não Intencionais.


Nas palavras do próprio mestre, esta lei nos diz que: "na esfera econômica, um ato, um hábito, uma instituição, uma lei, não geram somente um efeito, mas uma série de efeitos. Dentre esses, só o primeiro é imediato. Manifesta-se simultaneamente com a sua causa. É visível. Os outros só aparecem depois e não são visíveis. Podemo-nos dar por felizes se conseguirmos prevê-los... Entre um bom e um mau economista existe uma diferença: um se detém no efeito que se vê; o outro leva em conta tanto o efeito que se vê quanto aqueles que se devem prever."


Se Bastiat fosse leitura obrigatória talvez a quantidade de bobagens e propostas de leis e políticas oportunistas e sem sentido fosse bem menor. 


Por João Luiz Mauad 



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