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Scot Consultoria

A miopia da bioenergia da cana, como nunca antes vista na história deste país


Terça-feira, 10 de julho de 2012 - 16h50

É professor titular de planejamento e estratégia na FEA/USP Campus Ribeirão Preto e coordenador científico do Markestrat.


Já de antemão aviso ao leitor que este é um texto meio depressivo por ressaltar uma miopia impressionante. O objetivo é falar da Petrobrás e de sua influência no combalido setor de cana. Depressivo pois escrevo impactado pelas informações recebidas da nova diretoria da empresa, com uma visão bastante crítica da administração passada, escancarando mais um triste caso entre as organizações da sociedade brasileira.


Esta apresentação mereceu comentários de diversos analistas de renome e também editoriais de quase todos os jornais do Brasil. Destaco apenas alguns comentários. Segundo Celso Ming, "a Diretoria da Petrobrás apresentou a mais contundente denúncia das derrapadas administrativas registradas nos últimos oito anos da empresa... com falta de realismo na definição de metas de produção, leniência de acompanhamento dos cronogramas de investimentos, ocorrência de indisciplina... Lula encarou a Petrobrás como território de aparelhamento partidário e loteou sua diretoria entre os próceres de sua base política (OESP 27/06/12)".


O editorial do Estado de São Paulo em 27/06 pede para a presidente do Brasil e da Petrobrás "livrar o país de alguns dos piores costumes consagrados no governo anterior, como o aparelhamento da administração, o voluntarismo, o favorecimento a grupos econômicos e a mistificação populista".


Em mais um de seus ponderados textos, o jornalista Carlos Alberto Sardenberg coloca que "isto é resultado do modo de operação do Governo Lula... tudo a cargo de uma administração loteada entre os partidos políticos, que reduziu drasticamente a qualidade técnica da gestão e abriu espaços para malfeitos. Esse é o custo Lula" (OESP, 09/09/12).


Para resumir todas as mazelas de custos produtivos no Brasil, sejam logísticos, tributários, energéticos, enfim, criou-se há muitos anos, o termo "o custo Brasil". Todos entendem rapidamente. Sardenberg nos dá uma contribuição interessante para cair nas graças dos analistas: agora consegue-se resumir um novo custo, decorrente do que foi feito na gestão das organizações estatais (aparelhamento, loteamento, uso político, desvios de verbas, entre outros) em apenas duas palavras: "o custo Lula".


Também foi muito criticado o projeto feito com a estatal venezuelana PDVSA, a refinaria Abreu e Lima (PE), descrito pela nova presidente como "um exemplo a ser analisado para nunca se repetir".


Fruto então deste "custo Lula" e de outros fatores, o fato é que a Petrobras valia R$ 430 bilhões em 2007 e hoje vale R$ 237,3 bilhões. O valor da empresa caiu R$ 190 bilhões e seus investimentos estão muito aquém dos esperados. Paga a conta a sociedade brasileira.


A nova presidente da empresa já trocou quase toda a diretoria e nada mais nada menos que 23 gerentes executivos, que deverão também trocar muitos que foram colocados hierarquicamente abaixo. Dizem que o processo asséptico está só em seu início, num "resgate da meritocracia" na empresa. Imagino a tristeza dos excelentes funcionários e técnicos de carreira da Petrobrás, ao verem esta grande empresa neste holofote.


Finalmente, o Governo resolveu autorizar a Petrobrás a reajustar o preço da gasolina, algo necessário para que ela realize seu plano de investimentos de US$ 236,5 bilhões. Mas o reajuste, de 7,83% foi insuficiente. De acordo com renomados bancos de investimento os preços ainda estão defasados entre 8 a 10%. Mas como o governo eliminou a CIDE (contribuição de intervenção no domínio econômico), o preço da gasolina na bomba não sofreu qualquer alteração.


Ao eliminar totalmente a CIDE da gasolina e do diesel, cerca de R$ 7 bilhões em arrecadação destinados diretamente à infra-estrutura de transportes, já tão enfraquecida no Brasil, serão perdidos. Do total destes recursos, 29% era para o caixa dos estados, e já estavam comprometidos em projetos logísticos, que agora ou param ou serão adiados, contribuindo para a permanência do custo Brasil.


O leitor deve estar curioso em saber qual a relação disto tudo com o etanol? É uma relação direta, pois esta política equivocada de preços e tributos é uma das principais responsáveis pelo desabamento dos investimentos e do consumo do etanol. Em 2009 o etanol chegou a ter uma participação de mercado no Brasil de 54% nos automóveis (ciclo otto) e em 2012, com um mercado muito maior, caiu para incríveis 35% apenas, com graves danos econômicos e ambientais.


Segundo o Presidente da Petrobrás Bioenergia, como o conselho da empresa recomendou investir apenas onde exista retorno financeiro, é provável que os investimentos previstos em etanol, de quase US$ 2 bilhões até 2015, sejam postergados devido, justamente, à baixa rentabilidade. Ou seja, tem-se aqui um ciclo de pobreza, pois o uso político da Petrobrás diminui a rentabilidade do setor de cana, que afugenta os investimentos, inclusive os da própria Petrobrás, contribuindo para a grave crise que está instalada.


Há ainda na empresa uma equivocada visão, percebida na declaração de seu presidente (Valor, 05/07/12 - b14), que o tamanho do mercado de etanol até 2015 sofrerá um "encolhimento". Como pode o mercado estar encolhendo se são vendidos quase 3 milhões de novos carros flex por ano? Não é o tamanho do mercado que está encolhendo, é a produção. A empresa confunde o que é oferta e o que é demanda.


Não é possível recuperar este apagão dos últimos quatro anos, um apagão "como nunca antes visto na história deste país", mas é possível rapidamente tomar medidas, algumas ainda neste mês de julho, para que os investimentos voltem. Já foram insistentemente faladas, mas seguem novamente, quem sabe desta vez encontram eco:


a) aumentar a mistura de anidro na gasolina para 25%, o que consumiria mais de 1 bilhão de litros de etanol, influindo positivamente nos preços do açúcar e nas rentabilidades do setor;


b) zerar a cobrança de PIS e Cofins no etanol, reduzindo 12 centavos no custo do litro;


c) trabalhar para que Estados reduzam a incidência de ICMS no etanol (em alguns casos, responsável por mais de 55 centavos do preço final);


d) permitir um ligeiro aumento do preço da gasolina na bomba, sem impacto inflacionário (10 a 20 centavos por litro);


e) encontrar institucionalmente maneiras para agilização dos apoios do BNDES (Prorenova, e outros), via Cooperativas ou outros mecanismos. Hoje existe enorme dificuldade em conseguir acesso aos recursos disponibilizados;


f) Reduzir ou eliminar os impostos sobre equipamentos (bens de capital) dos greenfields ou de expansões, uma vez que estes projetos têm impostos acumulados de quase 25%.


g) Leilões específicos para a bioeletricidade da cana, com tributação diferenciada, que reflita seu aspecto renovável e limpo.


A volta dos investimentos trará grande benefício à sociedade brasileira, que em poucos anos voltará a ter no etanol o principal combustível e terá petróleo e gasolina para exportar, gerando pelo menos uns US$ 10 bilhões na balança comercial.


Com estas medidas, o Governo brasileiro promoverá o crescimento do PIB via investimentos e não via consumo, que hoje representa a maioria das medidas de estímulo tomadas. Investimentos estes que vão gerar produção, impostos, empregos e interiorização de desenvolvimento.


Me desculpem, eu disse que seria um texto meio depressivo, pois confesso que não consigo entender tanta miopia. Ou será que o míope sou eu?



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