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Scot Consultoria

Eis um panorama da pecuária de corte


Terça-feira, 14 de fevereiro de 2012 - 16h04

Administrador de empresas pela PUC - SP, com especialização em mercados futuros, mercado físico da soja, milho, boi gordo e café, mercado spot e futuro do dólar. Editor-chefe da Carta Pecuária e pecuarista.


Com quem conversei ultimamente, o mercado está assim. Estou reproduzindo somente as ideias gerais das conversas. Não são necessariamente minha opinião. - “A procura por pasto para aluguel está enorme. Está assim há vários meses. Entre as razões, problemas com pastos secos e precisando aliviar a fazenda.” - “Muita gente levou fumo no confinamento ano passado. Não estão otimistas para esse ano. Dizem que vão ter que operar direitinho para dar resultado em 2012 com os preços que estão. Ou reduzir a quantidade de animais ou passar para um semi-confinamento no pasto.” - “Bolsa. Que bolsa? Com quem conversei, bolsa virou assunto morto. Não há o menor desejo em sequer olhar para o mercado futuro, opinião de quem conhece e operava.” - “Há bois gordos nos pastos. Muita gente segurando, dizem. Há um receio que daqui a pouco quem está segurando terá que desovar e “pedalar”, aproveitando a reposição atual, que está satisfatória.” - “Fêmeas. Mercado de engorda de fêmeas com enormes oportunidades. Muito melhor que o do boi gordo.” - “Custos de produção estão assustando. OK, aqui a base é pequena de gente. Algo entre R$80 e R$85 são os custos HOJE, me disseram. A arroba do boi gordo vale entre 86~90 reais fora de SP, então isso gera um líquido de resultado que varia entre um prejuízo de 1,5% ao ano e um lucro de 4,0% ao ano, livres de inflação. O pior são os custos projetados para 2012 — entre 90~95 reais. Aí a porca torce o rabo, dizem, pois o mercado futuro está negociando as bases fora de SP bem abaixo disso.” - “A queda do boi magro é boa, mas não vai mais salvar 2012. Mesmo assim, se o ciclo virar em 2013, os preços atuais de reposição estão caros para ano que vem, dizem.” Um cidadão chegou a dizer: “Se pudéssemos pular 2013 e 2014 e só voltar a operar em 2015, seria o ideal.” Enfim, caro leitor, eis um panorama da pecuária de corte, hoje. Isso é a pecuária comercial, sem paetês, sem fru-frus, sem vaidade, sem safadeza e com gente que trabalha de fato com o boi/vaca há vários anos, entre Mato Grosso, Goiás, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Tocantins. Não sei o que você acha, mas a sensação atual que pude perceber é uma sensação geral de desânimo e pessimismo. É um sentimento que nunca vi antes assim tão espalhado. A última vez que senti isso foi entre 1995~1996, ou seja, dezesseis anos atrás. Esse é um retrato fiel da coisa? Não sei. Mas tenho sentido isso também em nossas próprias fazendas. Isso se assemelha a uma crise na pecuária? Parece que sim. Observe o gráfico abaixo e repare na crise atual em comparação com as crises anteriores. Esse gráfico meio que diz a coisa — foram onze meses ruins entre 1995~1996, 18 meses entre 2005~2006, 11 meses entre 2009~2010. Agora estamos com 6 meses ruins entre 2011~2012. A história por detrás dessa coisa toda é a variação dos preços de venda e os custos de produção. Todas as crises da pecuária nessas quase duas décadas se deram por uma combinação de preços baixos de venda e/ou custos de produção elevados. Essa é uma situação que o pecuarista não consegue escapar. Ele não tem como melhorar seus preços de venda muito acima dos atuais. Está certo que existem sistemas de bonificação, prêmios, mas eles atingem uma pequeniníssima parcela da produção, caro leitor. Seria uma saída? Não, pois se aumentássemos a oferta de animais especiais, o prêmio pago por eles cairia. Mesmo que não caia, produzir um animal especial custa invariavelmente mais caro, o que pode, em alguns casos, não fechar a conta. Quando se tem uma crise e os preços caem, normalmente é por aumento na oferta. Normalmente o que define isso é a oferta de vaca. Por isso que criei a frase: “Quem manda no boi é a vaca.” Vários motivos levam a oferta aumentar. Pode ser por questões temporárias, como um clima muito ruim, um problema de aftosa. Por questões estruturais, de fluxo contínuo de gado aumentando, como uma virada no ciclo pecuário e um descarte de matrizes. Quando isso ocorre, seja temporária ou estrutural, há um aumento na oferta de carne no mercado, os preços para o consumidor caem e o consumo eventualmente aumenta e absorve esse excesso. Até agora nesses últimos meses confesso para você que vinha obcecado olhando com uma lupa o atacado para enxergar se teríamos o mesmo comportamento. Queria ver os preços para o consumidor caírem, caro leitor. Até agora, nada. Daí muita coisa se conectou na minha cabeça. O país está crescendo, a renda do trabalhador continua subindo, o desemprego caindo. Cenário ideal para aumento de consumo, certo? Ótimo para a pecuária! Peraí, mas então porque estamos em crise? A bomba — a ironia da crise atual é que, de forma diferente das outras, onde oferta e demanda faziam o seu serviço, isso não está funcionando para a crise atual. Ou melhor, não é crise de oferta e nem de demanda o problema atual. O problema atual é o deslocamento da margem. A margem migrou, ou é isso que está aparentando, da ponta de cá da cadeia para a ponta final da cadeia — para quem tem contato direto com o consumidor. Há tempos existe uma rixa entre produtores e frigoríficos. Acho que essa rixa desnecessária encobre o verdadeiro problema atual — existe um poder monstruoso de barganha na ponta final da cadeia, que eclipsa até mesmo os maiores frigoríficos. Os frigoríficos deverão melhorar suas margens em 2012, mas nada se compara ao que o supermercado ganha. Traduzindo isso para português. O consumidor final não faz idéia da crise na pecuária. Para ele a carne não caiu de preço. Para ele a carne vem subindo sistematicamente desde 2003, com um repique fortíssimo em 2008 e em 2010. Hoje, o preço relativo à renda do consumidor está tão alto quanto estava no pico de 2010, quando a arroba em São Paulo chegou a bater 115 reais à vista. Não sei qual a saída dessa situação. Dizem que identificar o problema é metade dele resolvido. Então, o exercício de hoje é uma contribuição para tentar identificar o problema. Minha opinião? Tenho uma dificuldade danada em aceitar tudo o que disse acima. Eu sei, eu sei, o que disse acima são os fatos, mas se o problema atual for mesmo o deslocamento da margem, é um problema inédito, e é isso que acho difícil de ver continuando. É claro que não estou dizendo essas coisas para a próxima semana, caro leitor. O mercado parece que quer virar para baixo no curto-prazo. Digo essas coisas para um horizonte mais amplo. Não sei se a coisa chegou no seu fundo do poço, a crise, quero dizer, mas para mim é difícil enxergar uma pecuária se mantendo em um equilíbrio tão precário quanto o atual. Nunca vi isso antes. Estou pessimista? Você achou o que escrevi como sendo pessimista? Não ache. Na realidade, é até reconfortante ver tanta gente pessimista no mercado como um todo. E não só entre pecuaristas, devo salientar. Na indústria de ração, frigoríficos, corretoras... todos estão assustados com a situação atual. Isso mostra que existe uma unanimidade baixista, e isso gera um potencial sinal de virada na maré no futuro, se identifiquei esse sentimento corretamente. Se identifiquei corretamente, na bolsa, principalmente, isso tudo abre um enorme flanco para posições direcionais. Gostaria de ouvir sua opinião sobre o mercado. Você está otimista? Pessimista? Esse debate está sentindo falta da sua voz.
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