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Scot Consultoria

Meu agradecimento aos criacionistas


Sexta-feira, 15 de julho de 2011 - 08h38

é biólogo, professor licenciado da USP e pesquisador em biologia molecular.


Fazia 25 anos que eu não passava um dia no Museu de História Natural em Nova York. Lá, as crianças correm entre elefantes, leões, esqueletos de enormes dinossauros e baleias em tamanho real pendurados em um oceano profundo. E os pais correm atrás. Era a hora de levar meu filho mais novo. No táxi, como sempre ocorre quando revisitamos um lugar muito querido, fiquei com medo de me decepcionar. Será que áudios, vídeos e jogos interativos teriam substituído as cenas bucólicas criadas no início do século 20? Será que ainda encontraria o grupo de hienas e abutres empalhados, devorando um zebra embalsamada, sobre um palco de areia manchada de sangue, montado na frente de um fundo infinito pintado com a paisagem de uma savana africana? Teriam sobrevivido à avalanche politicamente correta que cobriu o território norte-americano? Mas o museu não decepcionou. Está melhor, não por causa das novas tecnologias, mas porque montou um contra-ataque eficaz ao movimento criacionista. Há 25 anos, paleontólogos, geneticistas, ecologistas e estudiosos da evolução das espécies tinham uma vida tranquila. O darwinismo, após as décadas de polêmicas que sucederam à publicação dos primeiros livros de Darwin, parecia ter sido aceito. Focos de resistência ainda existiam entre os seguidores de algumas religiões, mas eram cada vez mais raros. A Suprema Corte dos EUA, com base na separação do Estado e da religião, havia banido o ensino do criacionismo nas escolas. Mas foi então que surgiu um movimento nos EUA que pregava o direito dos alunos de aprender que a evolução das espécies e o processo de seleção natural não passavam de uma entre as diversas explicações para a origem da biodiversidade existente na Terra. A estratégia visava a burlar a decisão da Suprema Corte. Como nos EUA cada comunidade pode decidir o que é ensinado nas suas escolas, os adeptos do "design inteligente" passaram a influenciar os conselhos de cada distrito escolar - não com o objetivo de abolir o ensino da evolução darwiniana, mas forçando os professores a ensinar que poderia haver outras explicações para o surgimento de animais e órgãos tão complexos. E, claro, uma dessas explicações seria o design inteligente, a ideia de que algo tão complexo como a vida só poderia ter sido criada por um ser superior. Convencimento. Os cientistas resolveram que não bastava lutar na Justiça e em cada distrito escolar. Era necessário usar o poder de convencimento da observação direta, da explicação e da educação e convencer a população de que o darwinismo era uma explicação melhor, baseada em dados e experimentos. O Museu de História Natural foi um dos líderes nessa contrainsurgência. Grande parte do material exposto foi reorganizado para demonstrar como os fósseis sugerem que as espécies mudam. A sequência dos ancestrais do cavalo, mostrando como cada um dos quatro dedos das patas foi atrofiando, sobrando o dedo médio com uma enorme unha que hoje chamamos de casco, não está mais em um corredor lateral: ganhou um espaço mais nobre e um rico material audiovisual. Um filme narrado por Merryl Streep serve de introdução à arvore evolutiva dos vertebrados, representada nos corredores das salas de esqueletos. Dezenas de pequenas modificações na forma como o material está exposto fazem com que o visitante examine um a um os argumentos usados por Darwin para formular a teoria da evolução. O material que antes parecia alojado nas diversas salas agora conta uma história, com a integração das mudanças morfológicas às do meio ambiente, as interações entre as espécies e sua fisiologia. O Museu de História Natural ficou melhor. E grande parte dessa melhora se deve à pressão exercida pelo movimento a favor do design inteligente. Ele forçou os cientista e museólogos a encontrar maneiras didáticas de contar como e por que Darwin e seus sucessores concluíram que a seleção natural é ainda a melhor explicação para o que ocorreu na Terra desde que a vida surgiu, há cerca de 3 bilhões de anos. Assim, só me resta expressar aqui meu agradecimento aos criacionistas. Publicado pelo jornal O Estado de São Paulo em 14 de julho de 2011.
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