• Sábado, 27 de abril de 2024
  • Receba nossos relatórios diários e gratuitos
Scot Consultoria

Qual Código Florestal o Brasil quer?


Segunda-feira, 2 de maio de 2011 - 15h24

Gerente geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE). Mestre em Direito Internacional pela UFSC, 2004.


Os principais argumentos ligados à reforma do Código Florestal mostram, de um lado, uma visão apaixonada e idílica sobre o mundo e, de outro, a importância da produção de alimentos e os impactos que o Código traz para os produtores em todo o país. A tese de que é desnecessário alterar o Código atual, a importância dada ao papel da ciência e à moratória do desmatamento são alguns dos temas em pauta. Infelizmente, a maioria desses argumentos baseia-se numa visão enviesada de que a reforma do Código Florestal deve beneficiar só um dos lados, o meio ambiente ou a produção agrícola. Qual governança do uso da terra o Brasil terá em 2020? A produção agrícola irá estagnar-se ou poderá expandir em harmonia com a conservação ambiental? Será possível reduzir o desmatamento e dar valor à floresta em pé? Os produtores deixarão de ser taxados de bandidos e poderão regularizar suas propriedades? Parcialidade - A movimentação de ambientalistas e movimentos sociais de pequenos agricultores contrários à alteração do Código é visivelmente parcial. A insegurança jurídica é o elemento mais marcante do Código atual e isso é fruto de dezenas de mudanças introduzidas no texto desde 1965. O fato de que a lei não é clara sobre a existência da Reserva Legal em todo o Cerrado, antes de 1989, quando políticas públicas incentivaram o desmatamento na região, é somente um dos exemplos que corroboram a importância da reforma. Se as regras fossem claras, os produtores buscariam se adequar, afinal, é exatamente o que querem. A proposta de uma moratória de cinco anos a qualquer desmatamento é outro ponto absurdo. Partir do princípio de que é preciso proibir o desmatamento legal para estruturar o uso da terra no Brasil significa, no mínimo: (I) reconhecer que o Estado brasileiro é incapaz de cumprir seu papel numa reforma que é essencial para o país; (II) penalizar os produtores que cumprem a lei e possuem Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reserva Legal íntegras e, por isso, podem desmatar legalmente; (III) afugentar investimentos e criação de empregos; (IV) manter o ambiente de insegurança jurídica. Desafio - Na prática, o maior desafio do novo Código é dar valor à floresta em pé. Enquanto as áreas com vegetação nativa tiverem valor infinitamente menor do que áreas consolidadas, que são utilizadas para produzir alimentos e energia, não haverá lei que iniba o desmatamento ilegal. É um absurdo que um hectare de floresta bem preservada custe entre R$100 e R$300 na Amazônia, enquanto áreas produtivas país a fora valham entre R$2.000 a R$20.000. É essa realidade que a reforma do Código precisa combater, pois somente assim será possível transformar florestas em ativos. O custo de oportunidade da terra precisa ser considerado, caso contrário, o Brasil continuará a ter uma governança precária do uso da terra. O mais intrigante é que florestas reúnem fauna e flora, água, carbono, populações locais, indígenas, frutos, madeiras, animais, essências, e inúmeros ativos que já são valorizados internacionalmente. Tarda para que esses recursos sejam sustentavelmente explorados, pois essa é a única forma de manter as florestas nativas, produzir alimentos e energia, gerar empregos, renda e dar uma vida digna a milhões de pessoas. A economia verde depende disso, e se o Brasil quiser realmente dar este salto, precisa fazer uma reforma do Código Florestal que reúna todos esses elementos. Alterações - Por fim, vale lembrar que o papel da ciência é comumente citado como elemento base para fundamentar as alterações do Código. Nesse sentido, o livro Código Florestal e a Ciência, contribuições para o diálogo, publicado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) salienta o lado das ciências biológicas, mas não pode ser entendido como a palavra final e absoluta de toda a comunidade científica. Do ponto de vista ecológico, pode-se argumentar que é preciso aumentar as APPs, restringir ainda mais a produção agrícola e restaurar milhões de hectares de áreas a título de Reserva Legal. No entanto, não só a ecologia, a geologia e a biologia devem ser contempladas pelo Código Florestal. A economia, a agronomia, o direito, dentre outras ciências humanas precisam fazer parte da lei, que não trata apenas do meio ambiente. Ciência - Por isso, os argumentos da ABC e da SBPC não podem ser acolhidos como as evidências científicas que faltavam para solucionar o debate sobre as mudanças no Código Florestal. Pela lógica puramente ambiental faz sentido aumentar os limites mínimos das APPs, congelar em 80% a Reserva Legal na Amazônia e diminuir a produção de alimentos. Mas sustentabilidade exige equilibrar os aspectos econômicos e sociais também. Seria o caso de sacrificar toda sociedade em prol de radicalismos? É uma questão de escolha entre modelos: o novo Código dará ênfase à conservação pura, o que exclui necessidades vitais do ser humano, e sua interação com o meio, ou buscará o equilíbrio entre proteção do meio ambiente e produção sustentável? É essencial lembrar que o Brasil possui 63% de vegetação nativa que ainda não foi devidamente valorizada. Preservar por preservar não é sustentável, pois não contempla o viés social e econômico, inerente ao conceito de sustentabilidade. O único país do mundo que pode expandir sua produção em sintonia com a conservação ambiental é o Brasil. Cabe aos produtores, aos ambientalistas, aos políticos, aos cientistas e a toda a sociedade construir uma nova lei moderna, efetiva, que equilibre produção e conservação. Se essa oportunidade for desperdiçada, todos perderão uma chance inédita na história do país.
<< Notícia Anterior Próxima Notícia >>
Buscar

Newsletter diária

Receba nossos relatórios diários e gratuitos


Loja