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Scot Consultoria

Capão x inteiro


Terça-feira, 29 de março de 2011 - 11h22

Administrador de empresas pela PUC - SP, com especialização em mercados futuros, mercado físico da soja, milho, boi gordo e café, mercado spot e futuro do dólar. Editor-chefe da Carta Pecuária e pecuarista.


Hoje deixarei o meu lado de produtor rural falar mais alto e falarei sobre boi inteiro e castrado. Já estou até visualizando as respostas que irei obter com o texto de hoje: “Você é melhor quando deixa seu lado produtor caladinho, Rogério. Lembre-se disso nos seus próximos textos.” Ok, recado anotado. Seguindo em frente, que existe uma relação entre a arroba do boi e o atacado, todo mundo sabe. Agora, o que nem todos os produtores sabem é que os frigoríficos acompanham essa relação com uma enorme lente de aumento, explorando cada centavo de brecha que existe entre os dois preços. É um jogo difícil — comprar boi e ao mesmo tempo vender carne no atacado com lucro. Observe o gráfico abaixo e veja como essa relação é tempestuosa. Parabéns aos frigoríficos que possuem a expertise para navegar por águas tão conturbadas. A maioria das empresas no decorrer da história frigorífica afundou nesse oceano. Em outra esfera, não mostrada aqui no gráfico, temos outro complicador da história. Existem os bois inteiros e existem os bois castrados. Como explicar a diferenciação entre boi inteiro e boi castrado, se não porque o atacado está pagando mais pela carcaça do boi castrado que a carcaça do boi inteiro? Sim, hoje há uma diferenciação entre os dois tipos de “produtos”, por assim dizer. Os frigoríficos não podem ser culpados por isso, obviamente. Uma grande parte do mercado de dianteiro e consequentemente do boi inteiro foram de certa forma, fechado com os problemas no norte da África e no Oriente Médio. Simplesmente esses locais não são bons para se fazerem negócios no momento. Daí sobra carcaça de boi inteiro que, aos olhos de quem compra, e aqui não estou vertendo nenhum tipo de opinião, carcaça de boi inteiro, pelo menos dos bois agora da safra, são de qualidade inferior às carcaças de bois castrados. Daí a diferença de preços. Veja bem, nada contra a diferença nos preços entre as duas carcaças, inteiro e castrado. O que me interessa é a estratégia do negócio que o frigorífico se propõe a fazer a partir dessa diferença. Mas, meu Deus, quem tem boi castrado hoje em dia? Ah, sim, o Mato Grosso do Sul e Rondônia tem, sim senhor. Ah, mas não se preocupe com isso se você não for do Mato Grosso do Sul ou de Rondônia. Provavelmente esse tipo de pressão nem fez cócegas para você aí na sua região. Provavelmente você nem deve ter ouvido falar dessa diferenciação. Mas nesses dois estados, pelo que pude levantar, a história é outra. Por que estou levantando essa questão? Mas do que estou falando afinal? No Mato Grosso do Sul, para dar um exemplo, faz aproximadamente um mês que não se compra boi inteiro no mesmo preço do boi castrado. Há um desconto que varia entre quatro e cinco reais por arroba, para o boi inteiro sobre o valor do boi normal. Ah, sim, o “boi normal” aqui quero dizer que, nesses dois estados, é o boi castrado. Se o boi castrado vale 98 reais à vista, o inteiro vale entre 93 e 94 reais. Detalhe, não importa se o boi inteiro pesa 18 arrobas ou mais, se é engordado em pasto adubado ou não, se consome ração nas águas ou é engordado com sal mineral apenas. Não importa seu modelo de produção. Não adianta argumentar sobre isso. É inteiro? Simplesmente este animal não é aceito como um bom animal e pronto. Se quiser vendê-lo, são 4 a 5 reais a menos. Obviamente, estou falando dos frigoríficos grandes. Os pequenos ainda estão comprando sem desconto. É curioso como essas coisas ocorrem, por incrível que pareça em termos de transparência de negócios, promoção de bons relacionamentos entre fornecedores, melhora nas relações entre elos de cadeia, afinal o que temos atualmente são dois pesos e duas medidas. Percebe a ironia da coisa? O mercado consumidor quer uma carcaça de boi castrado e está disposto a pagar mais por essa mercadoria, porém nos estados que possuem esse tipo de animal pronto para entrega não se paga nenhum centavo a mais por isso. Ao contrário, punem os produtores que não possuem esse produto e não valorizam quem tem. É impressionante... Mas, peraí! O frigorífico deveria pagar a mais por isso, deveria pagar a mais pelo boi castrado, pelo simples fato que está recebendo a mais da outra ponta? É claro que não, ora. De forma alguma. Ele não é obrigado a fazer nada disso. Nem é a idéia aqui os forçar a fazer isso. Se você não está contente, que venda para outro frigorífico. Mas, por outro lado, e aqui é onde começa a crítica, também não se deveria, a meu ver, descontar o boi inteiro, pois a economia que ele faz aqui no Mato Grosso do Sul ou em Rondônia valendo-se desse deságio é ridiculamente pequena perto do seu negócio como um todo, até porque para a maioria desses grandes grupos, o seu braço de abate é só parte do negócio. A palavra-chave aqui é média, caro leitor. Antes tínhamos um preço único de carcaça, ou dois preços muito próximos um do outro, inteiro e castrado. Hoje tem ágio para o castrado e deságio para o inteiro. Na média, ficou na mesma. Se ficou na mesma, por que mudar os preços das arrobas de compra? E o buraco é mais embaixo ainda quando a gente vai para as compras efetivas de animais gordos. A diferença na carcaça do inteiro para o castrado é hoje de 10%. Supondo, eles estão conseguindo comprar 50% dos animais castrados, o abate no MS e RO equivalem à 20% do seu abate nacional, e também que compram 90% de machos nessas regiões, então estamos dizendo que a margem como um todo deles melhoraram míseros 0,90% por alguns meses. Vamos supor que isso perdure até a entressafra. São mais seis meses. Isso quer dizer que o alvoroço todo é para se melhorar em 0,40% as margens durante o ano? Hmm... É esse ponto que eu me questiono se a estratégia é coerente. Uma decisão dessa, tomada dessa maneira só serve para uma coisa. Indignar o produtor. Produtor de boi é tudo vaidoso. Desvalorizar o seu produto, no caso, o boi inteiro, depois de mais de três anos valorizando-o é como se estivesse falando mal do seu próprio filho. Do lado do pecuarista, claro, ele poderia engolir a vaidade e castrar o boi. Ele possui essa opção. Porém não dá para castrar um boi gordo sem incorrer em perdas significativas de peso do animal. Então, é de certa forma com humor negro o comprador de frigorífico “aconselhando” o produtor a castrar os animais. Mas a coisa ruim de tudo isso, onde fico triste é o seguinte. Não é o produtor nacional. Repare bem. Não é todo mundo. São somente os produtores do MS e de RO, que possuem exatamente os animais que o mercado quer. Ou seja, os estados que possuem os animais que valem mais caro hoje em dia são os que estão sendo mais prejudicados. Ou seja, MS e RO estão pagando o pato por produzirem, aos olhos do mercado, um boi melhor. Isso é que é valorizar a qualidade, hein? Pois é, para você ver como estão as coisas. Se estivesse realmente ruim, mas ruim mesmo a coisa como um todo, essa história de comprar boi inteiro, os caras iriam bater na mesa e enquadrar a pecuária nacional. Simples assim. “Tá” ruim o boi inteiro? Então é bordoada democraticamente distribuída em todo mundo! Não é o que está ocorrendo, a meu ver, até agora. Seria muito mais elegante, sensato e maduro manterem os preços como eram e embolsar a margem do atacado e ficar quieto. Ao abrirem o jogo, mostram seu pensamento. Não gostei muito desse pensamento. Dá até calafrios pensar nisso. Com um mercado caminhando para ficar mais concentrado ainda, com o frigorífico Mataboi paralisado nas atividades, a coisa toda soa como uma ante-sala macabra para o que poderia ocorrer em um futuro onde a oferta de bois gordos de fato aumentará. Antes achava que a concentração não iria mudar em nada o mercado. Honestamente ainda estou achando que a concentração de frigoríficos não alterará a dinâmica dos preços da arroba. Daí eu pergunto. Qual é a razão? Estou sem entender. Abro a palavra para os frigoríficos. Quero muito estar completamente errado nessa minha análise. Se quiserem falar alguma coisa para me corrigirem, o espaço está aberto.
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