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Scot Consultoria

A Síndrome de Walshe


Segunda-feira, 26 de julho de 2010 - 16h34

Diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC).


A Europa enfrenta ainda os reflexos da crise financeira de 2009. Na maior parte de seus países membros e em especial nos PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha), a situação das contas públicas é precária. Alguns países adotaram programas severos de ajuste fiscal, o que comprometerá o crescimento em curto prazo. Na quarta-feira, o FMI (Fundo Monetário Internacional) divulgou uma avaliação da economia da zona do euro. De acordo com as estimativas, o crescimento médio dos 16 países da união monetária será de 1% neste ano, 1,3% no próximo e 1,8% em 2012. A demanda interna continuará estagnada e a expansão econômica dependerá do aumento das exportações. Em abril passado, quando foi anunciado o relançamento das negociações União Européia-MERCOSUL, o Presidente da Comissão Européia, José Durão Barroso, declarou que: “A Europa está agarrando uma importante oportunidade. Ao olharmos para o fortalecimento da economia global após a desaceleração, um êxito (nas negociações) pode oferecer benefícios reais em termos de emprego e crescimento para ambos os lados”. De fato, o Mercosul tornou-se um parceiro cada vez mais importante para a União Européia. Nos quatro anos que precederam a crise, as exportações da UE para o MERCOSUL aumentaram em mais de 15% ao ano. Os investimentos foram de €165 bilhões, mais do que os investimentos europeus na Rússia, China e Índia somados. Não é segredo que especialmente o setor agropecuário dos países do MERCOSUL seria beneficiado com uma maior liberalização do comércio entre os dois continentes. Mas o benefício aí também é para os dois lados. Os europeus em crise aproveitariam-se de ter à mesa alimentos e carnes de excelente qualidade a um preço mais barato, e a Europa poderia reduzir seus subsídios à produção diminuindo seus graves problemas fiscais. A reação mais violenta às negociações e à possibilidade de uma maior entrada de produtos agrícolas do MERCOSUL e do Brasil na Europa vem, como não poderia deixar de ser, do setor mais atrasado e subsidiado da economia européia, e do país com o pior resultado fiscal: a Irlanda, que teve em 2009 um déficit de 14,3% do PIB, quase cinco vezes acima do limite estabelecido pela UE. No dia 9 de julho passado, o Ministro da Agricultura do Brasil, Wagner Rossi, acompanhado de representantes da indústria da carne brasileira, esteve em Bruxelas dialogando com membros da Comissão Européia com o objetivo de apresentar os avanços alcançados pelo Brasil frente às elevadas demandas da União Européia para a importação da carne bovina do Brasil. Entre os assuntos tratados estavam, por exemplo, a flexibilização da decisão 61/2008 sobre a lista Traces e a revisão das normas para o cumprimento da cota Hilton. Em nota à imprensa, Michael Doran, chairman do Comitê de Pecuária da Irish Farmers Association noticiou que Ministro teria “falhado em sua missão”. Declarou ainda que: “A Comissão da União Européia não pode permitir que o Ministro da Agricultura brasileiro venha ditar os padrões a consumidores e produtores europeus”. Também disse que os relatórios da FVO (Food and Veterinary Office) repetidamente provaram que as autoridades brasileiras falharam em assegurar as demandas européias para a carne exportada, e que por isso seria inaceitável que os brasileiros passassem a gerenciar a lista Traces de fazendas aprovadas para a exportação. Doran também diz que a UE não deve tolerar “dois pesos e duas medidas” (double Standards) nos critérios para a importação da carne brasileira. Os argumentos e acusações de Michael Doran são tão patéticos quanto desgastados, repetindo de maneira piorada as bravatas do antigo presidente da IFA, Padraig Walshe. É preciso dizer em primeiro lugar que o Ministro Rossi nunca “falhou” em sua missão, que era a de aprofundar relações iniciando um diálogo franco e aberto nas negociações comerciais entre o Brasil e a Europa. Entre 2009 e 2010, o Brasil foi visitado por nada menos que sete missões do FVO, que reconheceu em sua última visita um “sensível avanço do Brasil na área sanitária”. Comparativamente, os resultados de recentes missões do FVO em estados membros da UE têm mostrado a persistência de problemas sanitários em território comunitário, especialmente aqueles vinculados ao controle de enfermidades animais e o cumprimento de normas sanitárias e de higiene na produção de alimentos. Quanto aos “dois pesos e duas medidas”, quem sabe, Michael Doran poderia explicar porque a carne irlandesa, que teve 1.646 casos de vaca louca desde 1988 (quase 100 de 2006 até hoje) é mais segura do que a brasileira, onde nenhum caso da doença jamais foi registrado. Ou talvez o Comissário de Política e Saúde do Consumidor da Europa, John Dalli, poderia explicar porque está propondo a remoção das regulamentações referentes à BSE. Entre as mudanças previstas está, por exemplo, o requerimento que um rebanho inteiro seja abatido se um animal tiver a doença. Agora, considera-se que a destruição do animal infectado e o teste do restante do rebanho possam ser suficientes para proteger-se contra a doença. A UE também está considerando permitir que suínos, frangos e peixes sejam alimentados com farinhas derivadas de bovinos, apesar de ainda não considerar a remoção das restrições ao uso de alimentos derivados de bovinos para os próprios bovinos. Ou seja, um enorme retrocesso sanitário! Quanto à Febre Aftosa, o último foco brasileiro foi em 2005, na fronteira entre Brasil e Paraguai. Os estados de Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná (uma área equivalente às superfícies de França e Inglaterra somadas), foram embargados para a exportação à Europa, e resultaram em severas restrições à exportação brasileira, impostas no fim de 2007. Em 2007, o Reino Unido teve focos de febre aftosa, tendo a comercialização de sua carne sido surpreendentemente liberada no espaço de poucas semanas. Nas negociações da cota Hilton, a Europa ofereceu um contingente extra ao Brasil de 5.000 toneladas, dobrando a cota brasileira. Por outro lado, impôs novas regras para o cumprimento da cota, o que dificultou imensamente seu cumprimento. A UE não aceita, por exemplo, que os animais classificados para a cota Hilton no Brasil sejam terminados em confinamento, enquanto isso é aceito na cota Hilton norte-americana. Isso sim é um exemplo de “double standard”. Agora uma nova arma de propaganda antibrasileira se junta ao arsenal de desserviços prestados pela IFA. Subitamente, os fazendeiros irlandeses parecem ter se convertido em militantes ambientalistas prontos a defender as florestas tropicais e o clima do planeta. Segundo Michael Doran, a Europa não pode ignorar o massivo dano ambiental da destruição de florestas associada ao aumento das exportações de carne brasileira, contrariando a política da UE de proteção ao meio ambiente. Doran poderia dar uma olhada na manchete de 23 de julho do The Guardian: “Desmatamento na Amazônia em franco declínio”. De fato, pelo segundo ano seguido batemos um recorde de queda dos índices de desmatamento, resultado de melhoras na fiscalização do poder público brasileiro e de iniciativas privadas, como o controle que a indústria frigorífica vem realizando sobre a cadeia de fornecimento. Aliás, o Ministro Rossi também tratou com muita assertividade os avanços do Brasil na área ambiental, bem como tratou de melhor informar seus pares europeus sobre o assunto durante sua visita. Um dos exemplos dados pelo Ministro aos europeus foi a criação do Programa ABC, uma linha de crédito de 2 bilhões de reais exclusivamente para financiar práticas agropecuárias que sejam comprovadamente mitigadoras da emissão de gases de efeito estufa. O Brasil é o segundo país do mundo em cobertura florestal nativa, com 440 milhões de hectares de florestas, o que corresponde a 69,5% de sua cobertura florestal original. A Europa tem 0,3% de suas florestas originais preservadas. Não precisamos desmatar para produzir e nem exportar mais carne. O Brasil tem hoje a melhor tecnologia em agropecuária tropical do mundo, e em 30 anos nossa produção de carne aumentou 227%, para um aumento de área de apenas 4%, um salto de produtividade inigualado no mundo. A emissão de metano por kg de carne produzida foi reduzida em 29%, a maior redução entre os países produtores, enquanto na Europa o mesmo índice aumentou em vez de diminuir. A insistência dos pecuaristas irlandeses e ingleses em atacar a qualidade da carne bovina brasileira é um exemplo de que, apesar do mercado mundial mudar a cada dia, há, ainda, discursos tão antigos quanto surrados pelo tempo. Repito o que já afirmei em outras ocasiões: O discurso da IFA mostra o retardo temporal próprio daqueles menos preparados ou com menor excelência competitiva. Daqueles que defendem um setor já incapaz de crescer no mercado global, e de forma arrogante e imoral tentam justificar a adoção de políticas comprovadamente equivocadas. Sentados em cima de generosos subsídios que distorcem totalmente o mercado mundial, os pecuaristas daqueles dois países viram o tempo passar e não descobriram uma forma de produzir com qualidade e competitividade sem que os seus Governos esvaziassem boa parte do cofre comunitário para sustentá-los. Tais subsídios, muito utilizados em décadas passadas, ainda perduram na competitiva economia mundial, onde a livre concorrência é o caminho. Não esqueçamos o fato de que o “welfare state”, aquele onde o Estado (nação) se coloca na condição de agente promotor, protetor e defensor dos milhares de Walshes e Dorans espalhados pela Europa, está sendo revisto e deverá ser revisado. Ora, já temos sinais suficientes de que sustentar a agricultura européia ao custo de 48% de todo o orçamento anual europeu já não é mais possível nem tampouco mais aceitável pelos contribuintes locais que já sofrem sobremaneira com a atual crise. Portanto, antes de gastarem seu precioso tempo em se preocuparem com a cadeia produtiva da carne brasileira, os pecuaristas irlandeses e ingleses deveriam encontrar uma saída para melhorar a sanidade de seu rebanho e contribuir com alguma idéia que elimine os fartos subsídios que lhes são concedidos, pois este dinheiro já está fazendo falta a outros setores da sociedade européia, e que certamente deverá ser realocado na educação e na profissionalização daqueles setores em que a UE poderia se beneficiar e antecipar a sua saída da crise.
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