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Anjos e Demônios


por Alma

Segunda-feira, 31 de maio de 2010 - 17h18

Fernando Sampaio é engenheiro agrônomo formado pela ESALQ/USP, especialista em mercado de carnes pela ESA Angers. Pensador em tempo integral, cronista nas horas vagas. Seu dia foi cheio? Está cansado de ver preços e números? Leia a coluna do Alma e relaxe. Coluna do Alma, para você não se esquecer das outras coisas da vida.


Por Thomas Friedman, no NY Times Confesso que tão logo vi a foto, no dia 17 de maio, do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, ao lado de seu parceiro brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, e do primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, de braços levantados — depois da assinatura do suposto acordo para pôr fim à crise gerada pelo programa nuclear do Irã — tudo o que pude pensar foi: “Há coisa mais feia do que assistir a democratas vendendo baratinho outros democratas a um negador do Holocausto, assassino e ladrão de voto só para cutucar os EUA e mostrar que eles também podem atuar na cena global? Não! Mais feio impossível! Por muitos anos, os países não-alinhados e em desenvolvimento culparam os EUA por, cinicamente, perseguir seus próprios interesses, sem se preocupar com os direitos humanos”, observa Karim Sadjadpour, do Carnegie Endowment. “Como a Turquia e o Brasil aspiram a fazer parte do cenário global, eles vão enfrentar as mesmas críticas que antes faziam. A visita de Lula e Erdogan ao Irã aconteceu poucos dias depois de o país ter executado cinco prisioneiros políticos, torturados em interrogatórios. Eles abraçaram calorosamente Ahmadinejad como a um irmão, mas não disseram uma só palavra sobre direitos humanos. É expressão da suposição errada de que os palestinos são os únicos que buscam justiça no Oriente Médio e de que, se você evoca a causa deles pode, então, fazer as vontades de Ahmadinejad. Turquia e Brasil são duas democracias nascentes que tiveram de superar suas próprias histórias de governos militares. É vergonhoso para seus líderes abraçar e fortalecer o presidente iraniano, que usa o Exército e a polícia para esmagar e matar democratas iranianos — pessoas que buscam a mesma liberdade de expressão e de escolha política de que desfrutam turcos e brasileiros. "Lula é um político gigantesco, mas, moralmente, é uma profunda decepção”, disse Moisés Naim, editor da revista Foreign Policy e ex-ministro do Comércio da Venezuela. Lula, observou Naim, “apoiou o enfraquecimento da democracia na América Latina”. Ele freqüentemente venera o homem forte da Venezuela, Hugo Chávez, e Fidel Castro, o ditador de Cuba, e, atualmente, Ahmadinejad, mas denuncia a Colômbia — um dos grandes exemplos de sucesso da democracia — porque o país permite que aviões americanos usem suas bases militares para combater o narcotráfico. “Lula tem sido bom para o Brasil, mas terrível para seus vizinhos democráticos”, disse Naím. Lula, que surgiu para a fama como um progressista líder trabalhista, virou as costas para os líderes trabalhistas violentamente reprimidos no Irã. Certo! Tivessem o Brasil e a Turquia realmente convencido o Irã a, comprovadamente, pôr um fim a seu suspeito programa de armas nucleares, os Estados Unidos teriam dado seu apoio. Mas isso não aconteceu. O Irã tem hoje algo em torno de 2.197 quilos de urânio pouco enriquecido. Segundo o acordo de 17 de maio, o país supostamente concordou em enviar 1.200 quilos de seu estoque para a Turquia para trocar por um tipo de combustível nuclear necessário para uso medicinal — o combustível não pode ser empregado para fazer uma bomba. Mas isso ainda deixaria o Irã com aproximadamente uma tonelada de urânio estocado, que o país se recusa a pôr sob inspeção internacional e que pode continuar a ser processado para elevar o nível de enriquecimento e fazer a bomba. Então, o que esse acordo realmente faz é aquilo que o Irã já queria fazer: enfraquecer a coalizão global que pressiona o país a abrir suas instalações nucleares à inspeção da ONU e, de quebra, legitima Ahmadinejad no aniversário do esmagamento do movimento pela democracia no Irã, que reivindicava a recontagem dos votos nas eleições de junho de 2009. Do meu ponto de vista, a “Revolução Verde” no Irã é o mais importante, e espontâneo, movimento democrático a surgir no Oriente Médio em décadas. Ele foi reprimido, mas continua, e, no fim das contas, seu sucesso — e não qualquer acordo nuclear com o clero iraniano — é a única base sustentável para a segurança e a estabilidade. Nós temos gastado pouquíssimo tempo e energia alimentando esse princípio de democracia e tempo e energia demais buscando um acordo nuclear. É como me disse Abbas Milani, um especialista em Irã da Universidade de Stanford: “A única solução de longo prazo para o impasse é um regime mais democrático, responsável e transparente em Teerã. A grande vitória do regime clerical do Irã foi fazer com que a questão nuclear fosse praticamente o único foco de suas relações com o Estados Unidos e com o Ocidente. O Ocidente deveria desde sempre ter perseguido uma política de duas vias: negociações sérias nos assuntos relativos ao programa nuclear e não menos sérias naqueles relativos aos direitos humanos e à democracia no Irã. Eu preferiria que o Irã jamais conseguisse a bomba. O mundo seria mais seguro sem novas armas nucleares, especialmente no Oriente Médio. Mas o Irã vai se tornar uma potência nuclear, e faz uma baita diferença se um Irã democrático tem o dedo no gatilho ou a atual ditadura clerical e assassina. Qualquer pessoa que trabalhe para retardar a bomba e para fortalecer a democracia no Irã está do lado dos anjos. Qualquer um que fortaleça esse regime tirânico e dê cobertura para sua delinqüência nuclear terá de prestar contas, um dia, ao povo iraniano.
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