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Scot Consultoria

Investir em cria


Segunda-feira, 11 de janeiro de 2010 - 10h59

Administrador de empresas pela PUC - SP, com especialização em mercados futuros, mercado físico da soja, milho, boi gordo e café, mercado spot e futuro do dólar. Editor-chefe da Carta Pecuária e pecuarista.


Nós temos muita coisa a cobrir nesse primeiro texto do ano. Mas antes de começar, vamos primeiro a um pequeno parêntesis. 1) O consumo mundial de carne bovina poderá aumentar de 9 kg para 10 kg/habitante/ano até 2015. 2) Morrem 155.000 pessoas por dia no mundo. Triste, não é? Por outro lado, nascem 358.000. Ou seja, o mundo aumenta sua população em aproximadamente 203.000 pessoas por dia. É praticamente uma cidade do tamanho de Dourados que nasce por dia. Daqui a alguns anos essa imensidão de bebês comerá carne. 10 kg/habitante/ano, não é? Então mais precisamente 3.000.000 de cabeças por ano a mais deverão ser abatidas para satisfazer esse consumo quando essas pessoas atingirem a adolescência. Isso sem contar a população adulta atual e a evolução do aumento da renda nos países em desenvolvimento. Ou seja, a demanda por carne deverá aumentar, e os investimentos em aumento de produção para 2015 já deveriam estar sendo feitos desde 2005, pelo menos. Eu pergunto, será que estamos fazendo o investimento necessário a fim de cobrir essa nova demanda mundial? É claro que não estou falando aqui de abate, caro leitor. Estou falando pura e simplesmente de aumento da cria, de parição de bezerros. E ambos sabemos que produção de bezerros se dá com aumento da área disponível para as vacas; muito pouco se ganha ou fica inviável o aumento de produtividade nos pastos com adubação para a cria. Você pode acelerar o ganho de peso de um boi adulto via confinamento e pasto adubado, mas você não acelera a gestação e desmama de um bezerro. Eu pergunto. Você tem ouvido falar de mega-projetos de cria com mais de 100 mil, 200 mil cabeças ultimamente ou nos últimos anos? 500 mil? Ouvimos falar de projetos de confinamento desse tamanho, mas projetos de cria? Além disso, gado é considerado reserva de valor em tempos inflacionários. Não é o caso agora, mas eventualmente teremos que “digerir” essa massiva emissão de dinheiro que os governos estão fazendo, e o gado no pasto serve muito bem para isso, como a gente mesmo pôde observar no final da década de 80 e início da de 90 aqui no Brasil. Seguindo essa linha de raciocínio, meta-se em negócios que o mundo precisará no futuro. Precisará de comida, ô se precisará. Precisará de cobertura contra a inflação também. Hoje existem três coisas que te dão esse tipo de cobertura. Um é a pecuária pela demanda de alimento e consequentemente a terra para um seguro contra inflação. Outro é a construção civil para acompanhar o ganho extra de renda da população de um modo geral e para vender esses imóveis a essa população que enxerga neles proteção contra a inflação. Em terceiro lugar é o ouro (sim, possuir ouro, negociado na BM&F), que é o principal ativo a que o “mercado financeiro” recorre quanto o cheiro de problemas se espalha pelo ar. Esse é o resumo do que penso. É o que nós temos feito. Não que nós temos condições de saber se isso irá efetivamente se tornar lucrativo para frente. Hoje nos parece uma expectativa razoável. Bom, agora que já coloquei isso para fora, vamos começar 2010, então. Começamos o ano em baixa. Fechamos a primeira semana do ano com a arroba em SP valendo R$74,90. Nessa mesma época em 2009 a arroba valia R$84,16. Uma queda de 11%. Por outro lado, a carne vendida no varejo teve alta média de 6% no mesmo período, segundo o último relatório da Scot Consultoria. Curioso, não é? A carne vendida para o consumidor subiu, enquanto a arroba caiu. Isso se traduz em melhor margem de lucro para os outros setores, menos para a produção. “Ah, tá,Rogério, qual é a novidade nisso?” Nenhuma, caro leitor. É só para mostrar que isso ocorre de verdade. Ainda estamos em baixa. Vamos ao gráfico abaixo. Linhas em um gráfico são a forma mais básica e simples de enxergar se o mercado está subindo ou caindo. Sendo assim, tracei essas linhas no gráfico da arroba e você pode ver que nós ainda estamos na fase de baixa dos preços. Até essa tendência se reverter (o preço subir acima dessa última linha) não há muito o que fazer. 2009 = 1995? Tenho lido ultimamente nos jornais os resultados das vendas de vários setores em 2009. Muitos vieram em alta, subiram em relação a 2008, o que é ótimo. A venda de carros, por exemplo, é um desses que subiu. Mas o que me chamou a atenção mesmo é a comparação com 1995 que tem sido feita. Em alguns itens as reportagens dizem que houve recordes de venda, ou quase-recorde de vendas comparáveis ao ano de 1995, esse sim um ano de recorde de vendas. Para quem não se lembra 1995 foi o primeiro ano completo de implementação do plano real, e o poder aquisitivo da população aumentou explosivamente em parte pela sobre-valorização de nossa moeda perante ao dólar. Bom, essa parte técnica não importa. O que importa é o motor econômico brasileiro está forte e acelerando. Isso me fez instintivamente olhar para o gráfico de longo-prazo da arroba e fazer a seguinte questão: “Será que 2009 foi um ‘novo’ 1995?” Se sim, o que ocorreu após 1995? É o que vemos nesse gráfico abaixo e cidadão: que belo gráfico! É claro que não sabemos se isso ocorrerá novamente, mas os paralelos são interessantes. Por exemplo, estamos passando novamente por um período de melhora na renda da população e de aumento de emprego. O Real vem de um processo de fortalecimento perante ao dólar, o mesmo ocorreu em 1994. A arroba em 1995 caiu porque tinha ficado muito cara em dólares, o mesmo ocorreu agora. Taxa de reposição. Olhando para o nosso próprio umbigo agora, vemos que a taxa de reposição entre o boi gordo e o bezerro ainda está péssima. É impressionante ver um dos principais pilares da pecuária distorcido dessa maneira. Ok, entre 2008 e 2009 tudo bem, tivemos a crise e tal, mas agora em 2010 não há mais desculpas para essa situação permanecer dessa maneira. É insustentável. Se é insustentável, uma hora vai mudar. Observe o gráfico abaixo. É muito simples. Estamos passando pela pior reposição da história, ou melhor, em outras palavras, estamos passando pelo maior tempo contínuo de pior reposição da história. Isso é, de longe, a maior distorção hoje. A consequência disso é bezerro caro/arroba barata. E dá para sentir isso na prática, pois no bom e velho instinto do povo investir no que está bom no momento, o povo está partindo novamente para a cria, a fim de conseguir vender bezerros nesses preços. Não só o criador; até quem engorda comprou umas vaquinhas para tentar reduzir o custo de compra do bezerro ao produzir um pouco em casa. Notamos isso na venda de touros — recorde. Na venda de sêmen — recorde. Por aí vai. O abate de fêmeas está ainda se reduzindo muito em função disso. E continua a se reduzir, segundo os últimos números. Mas na contra-mão de quem está investindo em cria, o preço do bezerro está caindo, apesar de ainda bom para o criador e caro para o invernista. O preço desse pequeno animal vem em baixa desde 2008, assim como o boi magro. E a pressão de baixa continua. Na edição de dezembro da Revista DBO saiu um artigo sobre compra de boi magro na bolsa. Entrevistaram quem vos escreve, imagine... Bom, só para te dar um exemplo de compra de boi magro na bolsa, hoje para maio projeta uma arroba em SP à vista em R$72,50. Tirando R$5,00 de diferencial de base para o MS, temos uma arroba à vista aqui em R$67,50. Um boi magro comprado nesse preço daria R$850,00, ou seja, uns 50~70 reais abaixo do que estão pedindo hoje no mercado de reposição. Isso que dizer que hoje compensa —de novo— comprar boi magro na bolsa. Pessimismo do mercado. O curioso de mercados financeiros de um modo geral é que a pessoa fica pessimista e triste porque o preço cai. Ou seja, ela não tem nenhum senso interno de preço, não tem noção de seus próprios custos e se esquece de rever a história. Quanto mais o preço cai, mais ela fica pessimista. O mercado fica pessimista até o ponto da distorção, onde a baixa é alimentada por ela mesma — o cara vende porque o preço está caindo, sem querer saber as razões da baixa e sem se preocupar... e aí se perde totalmente a base de realidade na precificação do mercado. Uma arroba em R$72,50 para maio é praticamente o mesmo que ocorreu no pior preço de dezembro. Além disso, é abaixo dos R$78,00 que a arroba valeu em maio-09. De 2008 para 2009 a arroba também não subiu. Se ficar ao redor de R$72,50 teremos praticamente o mesmo cenário, a arroba não subindo dois anos seguidos na safra. No passado recente isso só ocorreu apenas uma única vez, caro leitor, e foi no piso do ciclo pecuário passado, entre 2004~2006. Ou seja, o mercado está julgando o comportamento da arroba como se estivéssemos no pior momento do ciclo pecuário. Obviamente isso não é verdade. Mas vamos parar por aqui. Semana que vem a gente continua essa conversa.
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