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Scot Consultoria

Metas voluntárias, ato político ou não?


Terça-feira, 8 de dezembro de 2009 - 08h45

Engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).


Depois de muita discussão interna, o governo federal anunciou o pacote de reduções de emissões de gases de efeito estufa que será levado para Copenhague, na COP-15. Vale a pena desembrulhar esse pacote e especular, no bom sentido, o que pode haver dentro dele. Afinal, as posições que serão apresentadas, como voluntárias, são apenas para marcar presença na reunião ou são o ponto de partida de uma estratégia de política com foco em reduzir as emissões de gases de efeito estufa do Brasil? O pacote anunciado sugere uma redução entre 36,1% e 38,9% das emissões projetadas em 2020, em comparação com um cenário tendencial, caso nenhuma ação de mitigação seja adotada até essa data. O Brasil está, sobretudo, comprometendo-se a reduzir emissões futuras, embora as metas possam implicar alguma redução nas emissões correntes. É difícil dizer quanto, na medida em que não existe um número atualizado das emissões brasileiras, já que o inventário oficial mais recente faz uso de dados de 1994. Se as emissões totais correntes forem ao redor de 2 bilhões de toneladas de CO2 equivalente, a meta anunciada significa entre 14% e 17% de redução. No entanto, abrindo por setor emissor, certamente as metas associadas ao uso da terra implicam reduções nos níveis correntes e, para os demais setores, trarão impactos apenas na mitigação das emissões futuras. As atividades emissoras estão concentradas nas ações para reduzir o desmatamento e nas atividades produtivas dos setores agropecuário, energético e siderúrgico. O setor energético vai pagar entre 17% e 19,7% da conta da redução das emissões e as demais atividades, as quais estão inter-relacionadas, pagarão os restantes 83% a 80,3% da conta. Toda essa explicação é apenas para mostrar que o governo foi bastante conservador no seu "compromisso voluntário". Embora o público ambientalista, como era de esperar, esteja reclamando da baixa ambição do compromisso, não era razoável esperar nada diferente de qualquer governo que opera com realismo político e assume compromissos externos que não impõem custos adicionais ao público doméstico, além dos já aceitos internamente. Foi essa a atitude do governo brasileiro e assim têm agido americanos, indianos e chineses na sua resistência a assumir compromissos no contexto da COP-15. Essa perspectiva nos leva à conclusão, meio óbvia, de que o anúncio das metas voluntárias foi um ato político orientado apenas para "fazer bonito" na reunião de Copenhague. Embora tendamos a concordar com essa conclusão - afinal, o governo brasileiro, tirando vantagem de algumas coisas boas a seu favor (desmatamento decrescente, por exemplo), não perderia a oportunidade de alavancar sua liderança mundial -, a questão de como cumprir essas metas é ponto que precisa ser amplamente debatido e explorado. O anúncio das metas voluntárias - sem perder de foco a baixa ambição já mencionada - deve ser analisado sob três enfoques. Um é seu significado para a reunião de Copenhague. O segundo é seu significado para a sociedade brasileira, caso o governo estabeleça um conjunto de políticas para atingir essas metas. O terceiro é discutir se os compromissos anunciados são balanceados em termos de esforço a ser feito pelos setores emissores. Uma das grandes preocupações - pelo menos era uma preocupação que agora está deixando de ser à medida que o impasse vai se tornando o resultado possível de Copenhague - é que o Brasil se diferencie da Índia e da China sem perder a barganha negociadora que a posição de país em desenvolvimento, sem a obrigação de assumir compromissos compulsórios, lhe confere. Anunciar metas voluntárias, mesmo que no escopo de mecanismos da própria COP, e mesmo que a meta já tenha sido negociada internamente, implicaria uma perda de barganha negociadora porque seria um movimento unilateral desacompanhado das metas dos países desenvolvidos. Estes países, assim, embolsariam os compromissos brasileiros e, obrigatoriamente, passariam a exigir mais do país sem que o Brasil tivesse conseguido nada em troca. A tese faz sentido, mas não vale para este governo, já que bate de frente com a estratégia de reforçar para o mundo a liderança brasileira nos temas de mudança do clima. Deverá o governo transformar em políticas públicas as metas voluntárias? Provavelmente sim, se existirem fontes de financiamento. A razão principal é que as metas estão associadas a objetivos que independem das negociações sobre mudanças climáticas. Reduzir o desmatamento associado à recuperação de pastagens, aumentar a participação do plantio direto na produção de grãos, aumentar o uso de biocombustíveis e bioeletricidade no setor energético e plantar mais florestas comerciais para produção de carvão vegetal são do interesse da sociedade brasileira. Na cabeça do governo, a negociação de mudanças climáticas, caso seja bem-sucedida, é importante na divisão do pagamento da conta das ações de redução. E se não houver financiamento externo, que é o que parece que vai acontecer? Que o governo encontre meios de financiar internamente. Financiar internamente as ações de mitigação nos leva ao terceiro enfoque. Claramente as metas anunciadas foram estabelecidas usando um critério de menor custo para os consumidores. Com exceção do desmatamento - que é "café com leite" porque não se pode responsabilizar apenas um setor por sua ocorrência -, praticamente nenhum dos setores altamente emissores foi incluído. Essa lógica faz sentido no contexto de uma negociação multilateral que implica adoção de compromissos externos. No entanto, se não houver financiamento externo, e se a hipótese de abandonar os compromissos não estiver contemplada, os setores excluídos terão de entrar para ajudar a pagar a conta. Será que este ou o próximo governo podem comprometer-se com isso? Diríamos, hoje, que não.
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