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Scot Consultoria

Dá pra comer mais?


Segunda-feira, 5 de outubro de 2009 - 16h13

Administrador de empresas pela PUC - SP, com especialização em mercados futuros, mercado físico da soja, milho, boi gordo e café, mercado spot e futuro do dólar. Editor-chefe da Carta Pecuária e pecuarista.


Vamos supor que as pessoas comem, em média, 1kg de comida por dia, entre o café-da-manhã, almoço, jantar e lanchinhos durante o dia. Durante um ano a pessoa comeria aproximadamente 365kg de comida. Essa demanda total de comida não é elástica, caro leitor, simplesmente porque os estômagos das pessoas não crescem. Quero dizer, coletivamente não crescem. Individualmente pode ser. O ponto é saber que a carne bovina compete com outros alimentos durante o ano, e para que o consumo de um cresça, o outro tem que diminuir. Ou seja, se o consumo de carne é de 35kg por ano, e quisermos aumentá-lo para 55kg por ano, a pessoa tem que diminuir o consumo de outro alimento para “abrir espaço” para os 20kg a mais de carne. É exatamente nesse ponto central que o marketing trabalha. A idéia de cada setor é tentar “roubar” espaço dos outros. Poxa, então o mercado é finito? Em algumas regiões algumas cadeias de fast-food já sentiram isso, pois não conseguem crescer mais do que já estão em quantidade de produtos. O que fazer então para aumentar as vendas? Ora, muito simples. Se a barreira é 365kg de comida por ano, porque não quebrarmos essa barreira? Vamos passar a produzir comida que não alimenta, ou seja, a pessoa come e não se sente satisfeita. Ou seja, vamos induzir a pessoa a comer 400kg, 500kg de comida por ano, mas esses quilos a mais não vão alimentar. Mas, hei, a gente fatura mais vendendo. Não é essa a idéia? Imagine? Vender batatinhas fritas que não engordam e não alimentam. Você pode comer à vontade. Vender sanduíches que não engordam, vender pizzas que não tem nenhum tipo de gordura, proteína ou sais minerais que possam ser absorvidos pelo corpo. É como se tivéssemos uma espécie de uréia protegida para o ser humano, porém a proteção dela é inquebrável, mesmo para os ácidos e enzimas do aparelho digestivo. Acredite, caro leitor. Isso já está ocorrendo, por mais mesquinho que seja e não concordar com esse tipo de abordagem. É uma das consequências de se deixar o pensamento industrial se infiltrar em coisas que não deveriam ser tentadas. É lamentável. Tem dois livros que são de leitura obrigatória para qualquer um que se interesse por pecuária e se preocupa para onde estamos indo, coletivamente, no setor. Um é “País Fast Food”, de Eric Schlosser (leia o livro, não assista ao filme). O outro é “O Dilema do Onívoro”, de Michael Pollan. Bom, vamos ao mercado. Mais uma semana se passa e as escalas de abate não andam para frente. Pelo contrário, andam para trás. Observe o gráfico 01. O pico ocorreu em setembro e de lá para cá a oferta de gado nitidamente perdeu força. Isso ocorreu também em outras três oportunidades no gráfico 02. Lá atrás as escalas reduziram-se para níveis ao redor de quatro dias úteis. Nessas ocasiões, se você lembra bem, ocorreram altas no mercado. Essa é a quarta ocorrência deste ano neste sentido. A dúvida é a seguinte. Nas outras ocasiões a arroba subiu acima de R$80,00. Sim, era safra e os bois tinham condições de permanecerem nos pastos, estocados. Essa redução das escalas agora terá o mesmo efeito? Agora a partir de outubro já estamos praticamente saindo do período seco e frio Brasil afora, criando novamente condições para se estocar os bois nos pastos. Pode ser que sim, pode ser que estejamos criando novamente condições para estocar bois nos pastos esperando melhores preços. Existe teto para esses preços? Ora, sim, é só olhar para o gráfico 02 novamente. Incluindo desde dezembro, o pico poderia ser até R$86,00, porém nos picos mais recentes o mercado está sugerindo algo ao redor de R$82,00. É nisso que o mercado futuro está apostando, como podemos observar no gráfico 03. As expectativas dos preços para os próximos meses colocam a arroba ao redor desses níveis. Isso significa que os preços atuais da arroba estão bons? Hum, difícil dizer. O meu feeling diz que “não”, porém meu lado racional diz que “sim”. Estou dividido, caro leitor. Historicamente que está ocorrendo agora com a arroba também foi o que ocorreu nessa mesma etapa do ciclo pecuário passado. Lá atrás a arroba também oscilou ao redor da inflação de forma muito parecida com o que estamos tendo agora. Deixe-me colocar o gráfico 04 abaixo para você conseguir visualizar melhor o que estou querendo dizer com isso. Logo depois coloco o gráfico 05, que é o mesmo gráfico da inflação, porém acrescentando na conta os custos de produção da atividade. Se você observar esse gráfico, notará que o mercado está escrevendo uma história parecida hoje quando olhamos para o passado. Estamos passando pela fase de estabilização do ciclo, caro leitor. Olhando para esse gráfico, o meu lado racional fica contente de estar podendo vender a arroba praticamente nos mesmos preços — descontada à inflação — que vendi entre 1999 e 2003. Isso é bom, isso traz previsibilidade de lucros e facilita a tomada de decisão. É por isso que não acho ruim os níveis da bolsa de hoje. Porém, ah, sempre tem um porém, os custos atuais da arroba estão bem maiores que estavam lá atrás. Se você fizer esse mesmo gráfico acima novamente e incluir nele os custos de produção, obterá o gráfico 05 ao lado. O que esse gráfico me mostra é a razão de que ao mesmo tempo não fico contente com os preços atuais da arroba. Somando os custos de produção e a inflação, os preços atuais estão bem abaixo do que ocorreu na mesma fase do ciclo pecuário anterior. A arroba teria que subir mais do que está projetado pelo mercado futuro para corrigir esse problema. Isso poderia ocorrer? Não sei responder. Como disse no início, meu feeling é uma arroba mais alta do que está sendo projetada, mas a análise fria do mercado diz que os preços atuais já estão bons. O que fazer? Dá para conciliar as duas visões? É melhor um pássaro na mão do que dois voando. Voltou a ficar interessante começar as vendas novamente no mercado físico, mas para o caso de que a arroba volte a subir com mais força, é prudente deixar uma soca de gado para se vender mais para frente.
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