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Scot Consultoria

Agricultura - agenda reativa?


Sexta-feira, 18 de setembro de 2009 - 09h37

Engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).


Em entrevista ao Estadão no mês passado, um conhecido cientista político afirmou que, entre outros setores, "o capitalismo agrário foi para dentro do governo", ou seja, não faz oposição ao governo Lula. Melhor dito: não tem agenda própria. É uma afirmação que a mim incita discussão e merece análise mais detalhada, não somente do seu significado, mas também das suas implicações, caso ela esteja correta. Afinal, o "capitalismo agrário" brasileiro dança apenas a música do governo? A resposta a essa pergunta passa pela análise da agenda do setor. O que temos de questionar é o seguinte: a agenda do setor é apenas reativa e defensiva ou o setor tem uma agenda ofensiva que coloca pressão sobre o governo? Nessa perspectiva, sou obrigado a dizer que a agenda atual da agricultura brasileira é reativa. A expressão "capitalismo agrário" não é a mais adequada, mas serve ao proposto de definir a chamada agricultura comercial. Embora a agenda da agricultura comercial, em alguns dos seus itens, seja também a agenda do setor agroindustrial, o que interessa neste artigo é entender a agenda das organizações que representam os produtores rurais. Quando analisamos os itens que fazem parte da agenda do setor agrícola, concluímos que os temas atualmente mais centrais nasceram de reações a medidas tomadas pelo governo que são percebidas na área como prejudiciais aos produtores, seja incrementando custos, seja pondo em risco a propriedade da terra ou criando restrições adicionais à atividade produtiva. A agenda ofensiva do setor agrícola - ligada à abertura de mercados no exterior, luta contra subsídios em países desenvolvidos, ações com o objetivo de desenvolver políticas para aumentar a competitividade do setor produtivo, ou até mesmo o uso das questões ambientais a favor do setor - não parece estar presente hoje em dia no discurso das lideranças agrícolas. A consequência disso é que o setor corre o risco de ficar refém do governo, porque, em vez de estar trabalhando para persuadi-lo a fazer políticas que garantam a competitividade futura do produtor rural, acaba sendo puxado pelo governo na direção que ele quer. Os itens da agenda do setor agrícola que mais saltam aos olhos são a reforma do Código Florestal - que tem relação direta com o problema do desmatamento -, as questões agrárias - neste momento traduzidas pela discussão sobre os índices de produtividade para fins de desapropriação - e as questões de política agrícola. Todas elas são fruto de ação e reação: ação do governo e reação do setor produtivo. Nenhuma delas nasce a partir de uma estratégia de longo prazo orientada para aumentar a competitividade e a sustentabilidade dos produtos agropecuários brasileiros. Nunca foi segredo que o Código Florestal é um problema para o setor agrícola, sobretudo porque ele transfere parte da responsabilidade de preservação para o setor produtivo, o que é correto, mas sem compensações associadas a esse "serviço ambiental" (quando prestado de forma correta, obviamente). Esse assunto vinha sendo levado "em banho-maria" até o governo decidir fazer valer a lei incriminando quem não está em conformidade com o código. Agora, reativamente, o setor agrícola corre atrás do prejuízo para mostrar os problemas do Código Florestal e, assim, promover sua reforma. As teses defendidas pelo setor agrícola para a reforma do código, na sua maioria, fazem sentido. Só que, sendo uma reação, pouco se ganha em termos de credibilidade e de engajamento de setores da sociedade não ligados ao setor agrícola que poderiam ser partidários das preocupações dos produtores rurais. O segundo tema são as questões fundiárias e ligadas à reforma agrária. Depois de quase nove anos deste governo, já se sabe que um setor não consegue levar tudo o que quer. Quem criou essa condição foi o próprio governo, com sua estratégia de dar pelo menos uma cenoura a cada constituinte, mesmo que a cenoura de um possa vir em prejuízo de outro. Ou seja, este governo faz uma concessão de um lado, mas sempre exige um pagamento de outro. A barganha está posta. O que vale mais: a reforma do Código Florestal para não criminalizar os produtores rurais ou a revisão dos índices de produtividade para desapropriação para reforma agrária? O governo criou duas situações que impõem sanções e riscos adicionais ao setor produtivo e com isso fez do setor agrícola seu refém. É um acordo com o capeta. É bom saber que nunca se leva vantagem sobre o capeta. O terceiro tema central da agenda é a política agrícola. Mais uma vez o movimento do setor agrícola segue para crescente dependência do governo, quando devia estar se movendo no sentido contrário. Está ecoando novamente, no Brasil, o discurso de uma política agrícola mais presente - que, a meu ver, deveria ser chamada de mais intervencionista -, com o governo operando na garantia dos preços aos produtores. Esse movimento é reflexo de um acúmulo de endividamento que se vem agravando desde o início do Plano Real, dos problemas de competitividade da produção de grãos decorrente dos elevados custos de logística no País e da percepção dos produtores de que novas restrições estão chegando para ficar, sobretudo as de cunho ambiental. A saída, como reação, é fortalecer políticas que já se têm à mão e que dependem apenas do "lado amigo" do governo e não requerem grandes e complexas negociações. No entanto, como os problemas associados ao endividamento e aos altos custos de logística são reais, a saída via maior dependência do governo não é boa. É hora de o setor agrícola modernizar sua agenda, trabalhando nos temas do futuro e criando dependência do governo em relação ao setor, e não o contrário, como vemos hoje. O tema de meio ambiente poderia ser uma bandeira. É melhor internalizá-lo na agenda antes que o setor seja atropelado por ele.
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