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Scot Consultoria

Uma proposta diferente para erradicar a pobreza rural: transformar os afetados pelo subdesenvolvimento em construtores do desenvolvimento


Segunda-feira, 10 de agosto de 2009 - 17h48

É engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.


Dos governos é muito pouco, ou quase nada, o que se pode esperar; geralmente as suas estruturas e os seus procedimentos têm tantos vícios, inflexibilidades, ineficiências e distorções que é preferível buscar uma estratégia na qual os cidadãos tornem-se menos dependentes das "ajudas" governamentais. Na América Latina, os projetos paternalistas de erradicação da pobreza rural foram e continuam sendo uma sucessão de fracassos. Entre outras razões, porque partem da premissa equivocada de que a principal causa da pobreza dos agricultores é a insuficiência dos seus recursos materiais e financeiros, e que conseqüentemente o Estado deve proporcionar-lhes mais terra, mais animais, mais maquinário, mais subsídios, mais créditos, etc.; e depois que os projetos fracassam - e quase sempre fracassam -, deve refinanciar várias vezes as suas dívidas e, finalmente, perdoá-las. Felizmente, existe outro diagnóstico e outra solução Pessoalmente, não estou de acordo com esse diagnóstico tão conservador nem com essas soluções tão ineficazes, pois entendo que o principal problema dos pobres rurais é o não saber fazer; e não tanto o não possuir recursos para fazê-lo. A vivência que tive com muitos desses projetos paternalistas em 19 países latino-americanos me ensinou algo muito diferente do que está escrito nos textos acadêmicos. Entre outras coisas, o seguinte: - Um alto percentual de agricultores, mesmo sendo pobres, dispõe dos recursos mínimos necessários para começar o seu desenvolvimento (terra própria ou de terceiros, alguns animais próprios ou em parceria e, especialmente, uma abundante mão-de-obra ). Ao contrário do que se costuma afirmar, a quantidade de recursos potencialmente produtivos dos quais esses agricultores dispõem até ultrapassa a sua capacidade de utilizá-los com eficiência e na plenitude das suas potencialidades. Confirmam essa asseveração à baixíssima produtividade da mão-de-obra familiar e aos igualmente baixíssimos rendimentos que esses agricultores obtêm da terra e dos animais que manejam. - O que mais faz falta aos pobres rurais é o saber e o saber fazer (conhecimentos, habilidades, aptidões, atitudes, valores, etc.) para que tenham a capacidade de incrementar a produtividade e o rendimento da mão-de-obra familiar, da terra e dos animais de que já dispõem. O meio rural está cheio de exemplos que confirmam ser possível obter melhorias e incrementos muito significativos, simplesmente transmitindo aos agricultores conhecimentos adequados, isto é, sem necessidade de proporcionar-lhes mais recursos materiais e financeiros. O que é que mais necessitam os pobres: créditos generosos ou conhecimentos úteis? Essas constatações significam que os projetos paternalistas estão superestimando a falta do fator escasso (financiamento) e subestimando a falta do fator abundante (o conhecimento que "dorme" nos organismos de pesquisa por falta de bons serviços de extensão rural). Igualmente, significam que, em países cujos governos estão visivelmente “desfinanciados”, estamos cometendo o contra-senso de oferecer aos agricultores recursos adicionais em vez de ensinar-lhes a utilizar mais racionalmente os que eles já possuem. E é devido a essas inversões nas prioridades que estamos levando os pobres rurais ao banco antes de levá-los a uma escola que lhes ensine conhecimentos úteis e a um serviço de extensão rural que lhes ensine a aplicá-los corretamente. E aí se origina a seguinte conseqüência: como não possuem o saber e o saber fazer, os pobres rurais, em vez de atuar como agentes do seu próprio desenvolvimento, involuntariamente atuam como causadores do subdesenvolvimento. Este é o problema de fundo e, conseqüentemente, uma educação emancipadora devera ser o ponto de partida para uma grande e definitiva solução. Uma proposta que tem futuro: transformar o fator potencial em um fator real de desenvolvimento Os projetos de desenvolvimento rural somente terão êxito depois que proporcionarem aos afetados pelo subdesenvolvimento, em primeiríssimo lugar, o saber e o saber fazer para que possam atuar como construtores do desenvolvimento (pessoal, familiar, comunitário, municipal, etc.). No meio rural, o recurso mais abundante e potencialmente mais eficaz para gerar riqueza e prosperidade são as próprias famílias rurais. No entanto, de pouco serve contar com famílias cheias de potencialidades latentes. É necessário que os projetos tenham o objetivo e a capacidade (reitero, intencionalmente, o objetivo e a capacidade) de transformar esse abundante fator potencial em um eficiente fator real de desenvolvimento. Isso requer que recebam uma educação funcional que lhes ensine como produzir e administrar com maior eficiência e rentabilidade, mesmo que não tenham acesso a recursos materiais e financeiros adicionais aos que eles já possuem, porque dificilmente os receberão dos seus governos. Proporcionando-lhes uma educação orientada ao "empreendedorismo" e ao autodesenvolvimento, estes pobres, que atualmente fazem parte do problema, passarão a fazer parte da solução. Com isso teremos uma menor quantidade de famílias rurais reivindicando infrutiferamente recursos ao Ministério da Fazenda e uma maior quantidade delas gerando tais recursos dentro das suas propriedades, ao praticarem uma agricultura mais eficiente, mais produtiva e mais rentável. "Funcionários públicos" não-estatais substituindo funcionários públicos estatais Depois que os governos adotarem uma estratégia educativo-emancipadora, os próprios pobres rurais poderão atuar como se fossem "funcionários públicos" não-estatais, substituindo em boa medida os funcionários públicos convencionais. Devidamente capacitados, esses pobres estarão aptos a corrigir as suas próprias ineficiências e a solucionar, eles mesmos, muitos dos problemas que ocorrem nas suas propriedades, nos seus lares, nas suas comunidades e nos mercados rurais. Por sua vez, os governos pouparão os seus escassos recursos porque esses "novos funcionários públicos" não exigirão salários, diárias, veículos, décimo-terceiro salário, férias nem aposentadorias... e finalmente não farão greves, não reivindicarão "direitos adquiridos" nem praticarão os tão odiosos e cada vez mais freqüentes atos de corrupção. Porque os próprios agricultores corrigirão aquelas ineficiências e solucionarão aqueles problemas que os governos inoperantes, perdulários e ineficientes, durante anos e décadas, não foram capazes de fazer por eles. Já não devemos e não podemos perder tempo com utopias nem ilusões, pois as soluções paternalistas estão definitivamente esgotadas. Devido à crônica insuficiência de recursos públicos, idêntica estratégia de educar para emancipar terá que ser adotada em relação aos habitantes urbanos. Existe um crescente desequilíbrio entre o que reivindicam os cidadãos e a decrescente capacidade dos governos em satisfazer as suas petições. Isto exige que o nosso sistema de educação tenha como um importante objetivo formar cidadãos que substituam, até onde seja possível, atitudes e procedimentos de dependência por atitudes e procedimentos de emancipação. Esta tendência, na qual os próprios afetados pelos problemas os estão solucionado, já está se manifestando na criação de espaços de trabalho (auto-emprego), na previdência social, nos serviços de saúde, na proteção policial, etc. Os governos pobres não devem atuar como se fossem ricos O desequilíbrio mencionado no parágrafo anterior não é privilégio dos empobrecidos governos dos países latino-americanos, pois já está sendo reconhecido até nos países mais ricos do mundo, cujos governos estão sendo obrigados a reduzir drasticamente as ajudas paternalistas. Ajudas essas que, durante muito tempo, concederam aos seus cidadãos porque os seus orçamentos, por mais euros e dólares que possuam, simplesmente já não suportam conceder ajudas tão generosas e, especialmente, tão reiteradas. Se os governos dos países ricos o estão fazendo, com muito mais razão terão que fazê-lo os governos dos empobrecidos e endividados países latino-americanos. Nossos governos, inexoravelmente, terão que priorizar o "empoderamento" dos cidadãos e convocá-los para que eles mesmos, em forma individual e grupal - além de solucionar alguns dos seus problemas - gerem renda adicional com a qual possam pagar as empresas privadas para que lhes proporcionem os serviços que os governos, definitivamente, não estão em condições de oferecer-lhes.
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