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Scot Consultoria

Ditadura Tecnológica


Terça-feira, 14 de março de 2006 - 13h37


Um gatilho armado poderá detonar verdadeira explosão no campo. A arma se encontra nas mãos do governo. No front da reforma agrária, o MST pressiona para alterar os índices de produtividade da terra. Qual o motivo dessa encrenca? Acontece que o Incra não está conseguindo avançar no processo de desapropriação. Por quê? Simplesmente porque, nas vistorias, não encontra mais terras improdutivas. A agricultura nacional conseguiu vencer seu passado latifundiário, tornando-se eficiente. Uma vitória sobre o atraso. Resulta que, quase meio século depois, os preceitos do Estatuto da Terra foram superados. O êxodo rural levou as pessoas para a cidade, e o capitalismo modernizou a produção. Acabou a era da enxada. Começou o ciclo da biotecnologia. Nesse processo, não se eliminou a pobreza rural. Criou-se a urbana. Tampouco se poderá afirmar que desigualdades históricas, como a concentração fundiária, foram eliminadas. Uma coisa, porém, não se pode negar: a produção agropecuária se elevou substancialmente. Por incrível que pareça, hoje, o grande problema na Nação reside na demanda, e não na oferta de alimentos e matérias-primas agrícolas. Quer dizer, a capacidade de produção no campo é maior que a possibilidade dos mercados, interno e externo, absorverem os produtos. Decorre daí crises de preços, comprometendo a renda e o emprego no campo. Basta ir à roça e conversar com o agricultor, especialmente o pequeno. Ele lhe dirá que produzir, ele consegue, mas vender é que está difícil. No mais das vezes, os preços do mercado não compensam os custos. No final das contas, o trabalho despendido parece vão. Quem mora na cidade se lembra daquela época boa quando da terra se extraia a riqueza da sociedade. Tempo bom. Era produzir e lucrar. Famílias progrediam. Esse mundo acabou. Agora, alta tecnologia com mercados seletivos, o sucesso está difícil. Exige gestão profissionalizada, certificação de qualidade, integração produtiva, cooperativismo. Surge, nesse contexto, a polêmica sobre o cálculo da terra produtiva. Quer o MST, numa só canetada, elevar os índices de produtividade. Com isso, fazendas hoje impedidas poderiam ser desapropriadas para atender a volúpia agrarista. Como funciona esse cálculo? Através de um índice, chamado GEE-Grau de Eficiência da Exploração, que deriva da comparação entre os níveis de produtividade física do imóvel com valores estabelecidos pelo poder público. O GEE de uma fazenda deve ultrapassar 100%, ou seja, suplantar o parâmetro oficial. Trata-se de um critério primário, uma conta matemática. Se o GEE de uma propriedade for, por exemplo, de 99%, ela será desapropriada pelo Incra. Como se percebe, é um número cego, seco, calculado na prancheta, com bases em notas fiscais de venda de produção, ou de atestados de vacinação de rebanhos. Pior, vale apenas o último ano agrícola. É verdade que os atuais índices estão velhos. Atualizá-los, porém, vai piorar o problema, porque existe um equívoco de origem. Útil no passado, o GEE tornou-se obsoleto face à complexidade do mundo rural. Está na hora de aposentá-lo. É fácil explicar o porquê. A terra, reza a Constituição, precisa cumprir sua função social e ser produtiva. Tudo certo. O dilema do agricultor, todavia, é elevar sua produção e ver o mercado lhe arrebentar a cabeça. Sem demanda garantida, quanto maior a safra, menor a renda. Como sair dessa? Vejam o mercado da mandioca. Milhares de pequenos agricultores, muitos dos quais assentados de reforma agrária, entraram no ramo da fécula. Entupiram o mercado de tubérculo, o preço caiu. O raciocínio é básico: sem planejamento de mercado soçobra a economia rural. Atentem para o paradoxo da fartura. Nos últimos 10 anos, cerca de 25 milhões de hectares foram destinados para projetos de reforma agrária. Se apenas 25% dessa fabulosa área começasse a produzir pra valer, os mercados desabariam. Levariam ao fracasso os 600 mil assentados e, de roldão, os 5,5 milhões de produtores rurais. Todos quebrariam. A definição sobre o cálculo da terra produtiva não comporta mais simplismo. Elevar os índices deteriora a equação da renda no campo, aumentando o dilema do agricultor. Se eleva a produção, entra no prejuízo do banco. Se reduz, cai na garra do MST. Sai dessa! Uma proposta inovadora será apresentada na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, modificando a metodologia de cálculo sobre a terra produtiva. Ao invés de um único índice, como o atual GEE, deverá contar uma avaliação mais completa. O laudo técnico sobre a produtividade dependerá de quatro funções: a qualidade do solo, o clima, a tecnologia e o mercado. A produtividade por área de uma fazenda, tanto na área animal quanto vegetal, depende da fertilidade do solo e do regime de chuvas da região. Exigir um mesmo patamar de produção significa ditadura tecnológica. Ora, quem obriga o uso intensivo de fertilizantes químicos aos defensores das tecnologias brandas? E a produção orgânica, pode? Essa visão medíocre, que atribui índices fixos de produtividade sem considerar os recursos naturais e a economia rural, facilitou a desapropriação de imóveis rurais em áreas inférteis, como na serra da Bodoquena, em MT. Transformados em assentamentos, tornaram-se uma tragédia ambiental e social. Como se percebe, mais uma vez o raciocínio polarizado machuca a inteligência no campo. Manter ou elevar os índices de produtividade não resolve nada. Serve apenas à ideologia barata.
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