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Scot Consultoria

Monopólio do Leite


Terça-feira, 14 de fevereiro de 2006 - 13h10


Acabou um dos últimos monopólios do país: o Leve Leite. Desde quando foi criado, há 12 anos, apenas um grande fornecedor nutria o programa da prefeitura de São Paulo. Agora, milhares de produtores rurais, organizados numa forte cooperativa, abastecem o leite das crianças carentes. Quem vencia as licitações públicas para compra de leite em pó era sempre o mesmo empresário, primeiro com a Nutril, depois com a Tangará Importadora e Exportadora. Ninguém duvidava do jogo de cartas marcadas. Mesmo assim, ano após ano, as criancinhas paulistanas tomavam seu leite sujo pela desconfiança da corrupção. No jargão do setor, a Tangará se caracteriza como uma "sem-fábrica", quer dizer, uma empresa de fachada, que comercializa leite em pó sem processar leite natural. Parece mágica. O truque se explica facilmente: a fábrica adquire sua matéria-prima de laticínios suspeitos e mistura leite em pó importado. Pronto, simples. No produto nacional, não paga imposto. No importado, compra por preço barato, visto a mercadoria ser de péssima qualidade. Assim, vendendo leite sem origem comprovada nem qualidade garantida, a artimanha enriquecia Salomão e seus súditos no poder. Nenhuma outra empresa séria concorria com seu preço vil. Ninguém tinha coragem de confrontar seu poderio político. Formou-se o monopólio do leite. Quando José Serra assumiu a prefeitura, alterou a regra da licitação para compra do leite. Dividiu a cidade em quatro lotes. Exigiu que o fornecedor distribuísse diretamente o leite nas escolas e entidades sociais. Abriu os envelopes e garantiu o resultado: três lotes foram adjudicados para a Itambé, maior e melhor empresa-cooperativa de lacticínios do país. A Tangará esperneou. Tentou buscar velhos comparsas, recorreu ao Tribunal. Perdeu. Concorrência é sempre bem-vinda. Verificou-se uma economia fantástica: no velho esquema, cada quilo de leite custava R$ 9,00 aos cofres públicos; com a nova licitação, o preço médio caiu para R$ 5,94. Incrível. Somando as várias aquisições até o final do ano, incluindo na conta o leite destinado à merenda escolar, a economia total alcança R$ 47,4 milhões. Parabéns. Foi o Prefeito Serra que acabou com o monopólio. Mas o grande herói dessa história, como soe acontecer, permanece oculto. Chama-se Jorge Rubez, presidente da Leite Brasil, entidade que representa a cadeia produtiva, aglutinando produtores, cooperativas e laticínios. É um lutador. A Leite Brasil denuncia o esquema torto do Leve Leite desde 1995, quando Paulo Maluf ocupava a prefeitura paulistana. Quando Pitta assumiu, em 1997, nada mudou. Era esperado. Jorge Rubez estrilou pela imprensa: o programa da prefeitura pagava mais caro que a gôndola do supermercado. Acabou processado por calúnia, arquivado por falta de provas. Aquietou-se. Ao Marta Suplicy vencer, em 2000, tudo parecia mudar. Seu compromisso político de rever o esquema corrupto do Leve Leite, todavia, não resistiu ao encanto da moeda ordinária. O PT comeu no mesmo coxo que alimentou Maluf e Pitta. Jorge Rubez seguiu em frente. Procurou a prefeitura e os vereadores do PT, participou de reuniões, mostrou o problema, denunciando que os produtores nacionais de leite estavam preteridos pelas importações. Desconfiava-se, até, que a mercadoria trazida do exterior era destinada à mistura de rações para animais. Em São Paulo servia às crianças da periferia. Rubez se sentiu personagem de Kafka. Os petistas fingiram de morto e o negaram, empurrando-o para se explicar junto ao Ministério Público. De acusador, terminou investigado. Temeroso, já meio cansado e desiludido, se retraiu. Mas não desanimou. Hoje o guerreiro está de alma lavada. Finalmente apareceu um calabrês decidido a enfrentar o monopólio do Leve Leite. Mas o paulista Jorge Rubez, ex-presidente do sindicato rural de Cruzeiro, no Vale do Paraíba, ainda não se agradou totalmente. Acontece que a grande vencedora da licitação tem origem mineira, não paulista. Rivalidade antiga. Itambé é nome de fantasia da Cooperativa Central dos Produtores Rurais de Minas Gerais. Sua origem remonta os idos de 1944, quando o governo estadual instalou a histórica Usina Central de Leite, fábrica que recebia 22 mil litros de leite/dia, e o distribuía em carroças na cidade de Belo Horizonte. Bons tempos! Quatro anos mais tarde, a iniciativa privada assumiu a usina. E em 1956 surgiu a Cooperativa Central, que cresceu e hoje aglutina 26 cooperativas de produção espalhadas pelo território mineiro. Representam 6500 produtores rurais, pequenos fornecedores de leite, que encontram na Itambé seu canal de comercialização. Um exemplo de eficiência e profissionalismo. São Paulo também constituiu, nesse período, sua Cooperativa Central de Lacticínios, marca Paulista. Mas a atividade leiteira de São Paulo decaiu na última década. A produção agora, cerca de 1,8 bilhão de litros/ano, representa pouco mais de 20% do consumo total. Em decorrência, os paulistas "importam" leite, principalmente de Minas Gerais, Goiás e Paraná. A despeito do bairrismo, moção pública da Leite Brasil elogia fartamente o Prefeito de São Paulo. Ele matou dois coelhos numa só cajadada: acabou com o superfaturamento do leite e valorizou o produtor nacional. Como sonhavam os velhos comunistas, fez-se a aliança entre os operários e camponeses. Sem imaginar, o citadino Serra virou ídolo da turma da roça.
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