• Domingo, 28 de abril de 2024
  • Receba nossos relatórios diários e gratuitos
Scot Consultoria

Ciclo Pecuário


Terça-feira, 14 de fevereiro de 2006 - 13h10

Administrador de empresas pela PUC - SP, com especialização em mercados futuros, mercado físico da soja, milho, boi gordo e café, mercado spot e futuro do dólar. Editor-chefe da Carta Pecuária e pecuarista.


- Olá Rogério, como vai? - Vou bem, e você? - Tudo ótimo. Viu, não leve a mal. Sei que todo mundo que te encontra pergunta isso, mas gostaria de conversar com você sobre o mercado de boi, pode ser? - Claro! O que você gostaria de saber? - Bom... Um pouco de tudo já está bom pra começar. - Vixe! - Hehehe... - Olha, vamos assim, você vai me passando suas dúvidas e na medida em que posso ajudar, te respondo. Certo? - Certo! É o seguinte então... Escuto tanta gente falando de ciclo pecuário. O que exatamente é esse ciclo e como ele começa? - Pergunta muito importante essa sua. Primeiro temos que ter a percepção que a atividade pecuária, como qualquer outro mercado e também a nossa própria vida, passa por momentos bons e momentos ruins. Essa alternância entre os bons e os maus momentos dá-se o nome de ciclo. No caso da pecuária, chamamos esse movimento de ciclo pecuário. - Tá certo. Entendi que temos bons momentos e maus momentos na pecuária. Mas porque se fala tanto em ciclo pecuário hoje em dia? - Olhe, sempre estamos passando por algum ciclo na pecuária, seja ele bom ou ruim na cria, na recria ou engorda. Na realidade sabemos identificar o ciclo com certeza depois que ele passa, quando olhamos para trás e vemos que realmente aquele período estava muito ruim, ou bom, se for o caso. Daí é que chamamos esse passado como ciclo de baixa ou de alta. - Mas como identificar o ciclo? - Existem três fundamentos que nos ajudam a identificar o ciclo pecuário, que o pessoal complica demais ao explicar e, às vezes, torna o entendimento confuso. - É verdade. É por isso que estou te perguntando, pois até hoje não entendi como se passa isso. - Pois então. Como disse o ciclo pecuário tem três fundamentos que o caracterizam. Tenha em mente que esses fundamentos definem as fases do ciclo. - Hum... Continue que estou entendendo! - A primeira fase é o expressivo abate de fêmeas. Esse abate indiscriminado de fêmeas de descarte ou matrizes sadias é uma primeira pista que o ciclo está se invertendo. - Por quê? - Lembre-se que o ciclo não começa do nada. Ele se inicia no ventre e no rastro da terceira fase do ciclo anterior. Espere um pouco que você vai entender melhor. - Ok. - Quando se instala um abate expressivo de fêmeas, no decorrer do tempo diminui a produção de bezerros, certo? - Certo. Existem menos vacas a parir bezerros. - Isso. Então se a produção de bezerros cai, diminui a quantidade de animais disponíveis para a reposição, concorda? - Sim, mas não sei se entendi direito. E os outros animais que já estão no mercado, como os bois magros? - Esses animais vão para o abate no seu devido tempo, mas eles são mais velhos do que os bezerros que estão sendo colocados no mercado agora. Pense assim: cada safra de bezerros ano após ano é como se fosse uma onda no mar. Cada onda tem a sua altura correspondente à quantidade de animais paridos naquele ano. O que estou querendo dizer é que a onda seguinte – do próximo ano – será menor do que onda atual, pois menos vacas estarão parindo naquele ano. - Ah! Entendi! Você quer dizer que na próxima safra a oferta de bezerros será menor que a de hoje, e os animais que existem hoje não farão muita diferença porque eles até lá já foram abatidos. - Exatamente meu caro! Com o abate de fêmeas alto, as ondas seguintes nesse mar serão cada vez menores, e isso faz com que a oferta de bezerros diminua com o passar dos anos. A oferta dos bezerros é a segunda fase do ciclo pecuário. - Sei... Até agora tivemos o início do ciclo, ou primeira fase, com o abate de fêmeas acima do normal. Com o passar do tempo essa segunda fase se inicia, pois essas fêmeas abatidas não produzirão nenhuma nova cria, assim diminuindo o estoque disponível de bezerros e garrotes para o mercado. - Essas duas fases são identificáveis. Para identificar a fase um basta conversar com qualquer frigorífico e perguntar sobre o abate de fêmeas. Se quiser uma fonte mais precisa, entre no site do IGBE e busque o gráfico do abate de fêmeas. A fase dois não é tão simples assim, pois não existe uma fonte oficial sobre a produção de bezerros. Temos alguns relatórios de empresas de consultoria pecuária, que são de grande valia, mas o que eu gosto mesmo de observar são os preços dos bezerros e garrotes. - Como assim o preço? - Quando começa a faltar bezerro e garrote no mercado, os seus preços começam a ficar mais firmes. Não estou dizendo que começam a subir. Ainda não é o momento disso. Eles começam a cair menos do que o valor da arroba. Isso sim é um sinal de que existe algo diferente no ar. - Putz, que complicação! Então você quer dizer que além de eu ter que acompanhar o abate de fêmeas, tenho que acompanhar os preços do bezerro e do garrote? - Sim, se os seus preços estão mais firmes do que o da arroba, isso, pelo menos, nos mostra uma pista que algo está acontecendo no mercado de reposição para ficarmos de olho. - Tá certo, mas e daí? - Daí que estamos caminhando para a terceira fase. Lembra-se que falei que a produção de bezerros pode ser comparada como uma onda? - Lembro. - Pois então, na medida em que essa onda avança no tempo esses animais vão envelhecendo e entrando na fase adulta, eles são encaminhados para o abate. - É claro, eles foram "erando" e engordando, né? - É, mas agora gostaria de muita atenção para você entender. É aqui que se fecha o ciclo. - Certo. - Da mesma forma que a oferta de bezerros, que depois viram garrotes, que viram bois magros e depois bois gordos, essa onda irá desembocar em algum lugar, e esse lugar são os frigoríficos. É ali que a onda bate na praia. - Hum... - Os frigoríficos são como uma poderosa bomba de sucção, ou seja, uma bomba que puxa água do mar. Eles sugam a água e a vendem para as pessoas. Essas "pessoas" são duas: os daqui mesmo, mais conhecidos como mercado interno, e os gringos, mais conhecidos como mercado externo. Quando coloco as pessoas em primeiro lugar, quero dizer com isso que, de uma forma ou de outra toda essa água (carne) acabará na barriga de alguém. - Continue. - O que acontece quando essas bombas estão trabalhando em pleno vapor ou próximas a isso, e por algum motivo diminui a água? - Não sei, mas isso tem a ver com a terceira fase do ciclo pecuário, não tem? - Isso mesmo. Quando se diminui a oferta de água fatalmente o seu preço sobe, pois as bombas que sugam toda essa água não têm como serem desligadas com facilidade e a demanda não diminui. - Rogério, olha me desculpe, mas estou ficando meio perdido... - Entendo. Deixe-me colocar de outra forma. Quando a primeira safra com menor quantidade de bezerros chega aos frigoríficos quatro anos aproximadamente depois de terem nascido, o preço da arroba tende a ficar mais firme e subir. É que a oferta de bois gordos diminuiu, e os frigoríficos não têm como escapar dos contratos de fornecimento já acordados se não querem quebrar sua palavra. - Ah, deixa ver se eu entendi. Ao diminuir a oferta de bois eles ficam em uma situação difícil já que os pecuaristas como um todo tem uma menor quantidade de bois disponíveis para o abate. Com isso, a arroba sobe de preço, pois é a lei da oferta x demanda. - Exatamente meu caro! Isso gera a terceira fase do ciclo pecuário. É a fase que a arroba sobe e se mantém alta. - Putz então essa é a hora de se investir na pecuária então! O abate está alto de fêmeas, validando a primeira fase. Os preços dos bezerros e garrotes caíram menos do que a arroba, validando a segunda fase... Agora é só esperar a terceira fase! - Em teoria, sim. Mas, como tudo na vida, não é tão simples assim. Escute. Preste bem atenção no que vou falar. Mesmo a terceira fase, a de ótimos preços para a arroba, passa. - Hã? - Essa é a dura verdade de se trabalhar com commodities. O período de alta nos preços é a fase melhor do ciclo, mas a fase que menos as pessoas aproveitam para ganhar dinheiro. - Pôxa, Rogério! Quando estou começando a entender da coisa, quando estava achando que iria ficar rico, você me dá essa rasteira? Ah, fala sério! Como é que pode se pegar uma terceira fase de alta nos preços e não ganhar dinheiro com isso? - É aqui que entra novamente o que comentei no início de nossa conversa. Você tinha me perguntado como é que pode existir o expressivo abate de fêmeas, você está lembrado? - Sim. Estou lembrado. - Pois então. Esse ciclo que acabamos de mostrar é chamado ciclo de alta da pecuária. A minha opinião é que estamos ainda no meio dele. Depois que esse ciclo passar entraremos no ciclo de baixa da pecuária. Tenha em mente isso. - Está certo, vou me lembrar. Ciclo de alta da pecuária e ciclo de baixa na pecuária. Ok. - Quando no final da segunda fase e durante a terceira fase do ciclo de alta, os preços do bezerro e do garrote que, ao invés de continuarem a cair, começam a subir. No final do ciclo de alta o preço do bezerro e do garrote ficará proibitivo de tão caro. - É mesmo? - Sim, pois a arroba estará cara e a mentalidade dominante no mercado será a de que faltam bois para abate. Conseqüentemente, boa parte dos pecuaristas estará que nem louco comprando o que tiver disponível no mercado, pagando preços altos, para assegurar a venda dos bois nesses preços altos da arroba. - Eles deveriam é ter comprado ainda quando os preços estavam baratos, não é? - É verdade, e aqui é que entra a história das fêmeas. Quando os preços dos bezerros estiverem subindo e em alta, o abate de fêmeas começará a se reduzir. No início uma redução normal, depois o abate se reduz drasticamente. Todo criador vai querer reter as suas matrizes para produzir novamente bezerros! - Que mudança em relação a hoje, né? - Exatamente. Com isso, no final da terceira fase do ciclo de alta está embutido o início da primeira fase do ciclo de baixa. Com a nova retenção de matrizes a oferta de bezerros se regulariza no seu devido tempo. Isso implica que, depois, no futuro, esse excesso de animais ultrapassa o necessário para os frigoríficos se abastecerem, daí caracterizando o ciclo de baixa. Para resumir, é o seguinte. O ciclo de baixa é exatamente o contrário do ciclo de alta. No ciclo de alta a ordem das fases são 1- aumento do abate de fêmeas; 2- falta de bezerros e garrotes e preços mais firmes; 3- aumento do preço da arroba do boi gordo e aumento do preço do bezerro e garrote. No ciclo de baixa temos 1- diminuição do abate de fêmeas; 2- aumento da produção e oferta de bezerros e estabilização dos preços e 3- diminuição do valor da arroba e insatisfação com a atividade. - Que interessante, hein? Você falou em insatisfação. Mas como você enquadra o período que estamos vivendo hoje em dia? - Quero acreditar que estamos entre o final da primeira fase e o início da segunda fase do ciclo de alta. Mas aí tem uma boa dose de suposição, pois não tenho certeza disso. Apesar de que os preços estarem relativamente baixos hoje em dia, isso não pode ser dito com verdade se pegarmos os últimos cinco anos. Essa correção é natural e necessária, a meu ver, para afastar da atividade os aventureiros ou, como chamamos no mercado financeiro, os pára-quedistas. O dólar fez muito estrago no preço da arroba, tanto para cima em 1999 e 2002 quanto para baixo agora em 2005. Você viu a explosão dos preços da arroba no início de outubro, antes do caso de aftosa. Agora eu me pergunto: e se não tivesse ocorrido nenhum caso de aftosa, onde estaria o preço hoje? - Boa pergunta. Realmente a alta no final de setembro e início de outubro foi impressionante! - É por isso que, a meu ver, estamos já por um início de restrição de bezerros e garrotes. Em 2002 iniciou-se o expressivo abate de fêmeas que continua até hoje. Em 2004 e em 2005 já está sendo sentido o preço do bezerro e garrote caindo menos que a arroba. É por isso que estou com a tendência de crer que estamos entre a primeira e segunda fase do ciclo de alta. Veremos nos próximos anos com mais clareza. Quanto mais essa alta da arroba for represada, mais ela será violenta. - É mesmo? Quando você acha que a arroba subirá? - Há! E eu sei?! Não faço a mínima idéia! Até imagino que ela acontecerá em uma entressafra da vida, mas daqui a quantos anos ou se será nesse ano, isso eu não posso dizer e seria idiota se afirmasse algo assim. - Putz! Então é hora de comprar bezerros e garrotes, estocar eles no pasto para vender melhor lá na frente! - Não sei. Não dou opinião pessoal de investimentos. Se fizesse isso, essa análise seria cobrada ao invés de ser gratuita. Essa sua idéia é uma opção, dentre as várias vertentes de investimentos na pecuária para os próximos anos. Cabe a você analisar se vale a pena. Mas, fora disso, infelizmente serão poucos os que aproveitaram da alta. - Como assim? - Porque é inerente ao homem se desligar da realidade em momentos de euforia, tanto positiva quanto negativa. Nos anos de alta da arroba ele investirá em maior capacidade – comprará equipamentos para confinamento, comprará terras, adubará pastos... Sendo que o correto era fazer exatamente o oposto. Investir nos períodos de baixa para colher os frutos na alta. Com ele plantando na alta, colherá os frutos na baixa, e tomará prejuízo. Em minha opinião e não é mais nada do que isso, quando ocorrer a terceira fase do ciclo de alta da pecuária é o momento de vender os bois gordos, realizar os lucros e repor somente o mínimo necessário para tocar a fazenda. O restante do dinheiro deixa rendendo juros no banco para serem investidos na atividade somente no pior momento do ciclo de baixa, onde os equipamentos estarão baratos e as terras serão mais baratas. - Ah, Rogério, isso é difícil demais de ser feito. Diria até impossível. - Eu diria que não. Precisa ter muita clareza do que se quer, saber o que está fazendo e ter paciência para agüentar críticas iguais a essa sua. Te digo por experiência própria, não é fácil investir quando todo mundo está com medo e também não é fácil diminuir a atividade quando todo mundo está investindo. - Bom, obrigado pela explicação. Espero termos novamente outros papos desse. - Gostei também. Espero ter contribuído um pouco para amenizar suas dúvidas. - Amenizou uns 5% só... É por isso que espero conversar mais. - Falou. Fico no aguardo.
<< Notícia Anterior Próxima Notícia >>
Buscar

Newsletter diária

Receba nossos relatórios diários e gratuitos


Loja