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Scot Consultoria

Desabafo de um cidadão da classe média


Quarta-feira, 9 de fevereiro de 2005 - 14h00

Economista, especialista em engenharia econômica, mestre em comunicação com a dissertação “jornalismo econômico” e doutorando em economia.


  • Meu nome poderia ser João Roberto, ou Paulo Augusto, até mesmo Marco Antônio, afinal quando eu nasci a “moda” era colocar nomes compostos. Depois é que vieram os Thiagos (com “Th”, mesmo), as Lívias, Carolinas e tantos outros. Mas vou me identificar como Cidadão. Isso mesmo, cidadão da classe média, prefiro assim.
  • Nasci em bairro de classe média baixa (esses que não passam fome, tendo somente o suficiente para sobreviver). Infância sem muito conforto, mas o suficiente para saber que deveria freqüentar uma boa escola se quisesse mudar de vida. Boa escola que vinha do próprio estado (e como eram boas!). Jogava futebol praticamente todos os dias, pasmem, na rua. Era época de bola de gude (no bairro chamávamos de “burca”), de “salva” e tantas outras brincadeiras.
  • O meu relacionamento com meus pais era respeitoso. Sempre respondendo: sim Senhor ou não Senhora. Isso permitia uma definição clara do papel de cada um. Ah se chamasse de você! Televisão, havia somente uma no bairro. Todos se reuniam para ver a seleção brasileira, os reis do “ringue”, cidade contra cidade e tantos outros programas familiares.
  • A luta pela sobrevivência era constante. Para ajudar em casa aos 10 anos já engraxava sapatos e vendia sorvete na rua. Aos 14 anos o primeiro registro de trabalho (naquela época adolescente podia trabalhar e foi muito bom ter começado cedo).
  • Cresci e avancei nos estudos. Fui em frente na carreira, e o fato de ter começado cedo, permitiu ascensão profissional e isso garantiu um melhor padrão de vida (até mesmo ajudar os pais, já não tão novos). Já me sentia na classe média, média (quanta melhora hein?).
  • Passei a entender a real dimensão do dinheiro e questionar o posicionamento do Estado. Retirava boa parte da renda mensal em impostos e pouca coisa devolvia em termos de serviços.
  • Passando o tempo chegou a hora do casamento. Que revolução. Gastos conjuntos. O dinheiro já começa a rarear. Vem os filhos, outra revolução. O dinheiro não chegava até o final do mês (segundo o IBGE 85% das famílias não conseguem que chegar até o final do mês). Decidido a dar o melhor para os filhos resolvi fazer a minha parte, afinal queria e quero efetivamente fazer parte do “lado bom” da sociedade.
  • Como o ensino público não era mais a mesma coisa (lamentavelmente) optei por colocar as crianças em escola particular. Passaram a ter uma excelente formação: inglês, espanhol, informática, xadrez, natação, música, capoeira, GRD (agora é só GR), enfim, tudo que permita a socialização, o desenvolvimento do potencial existente neles.
  • Além disso, considerando que o serviço público de saúde não é confiável, optei por um plano de saúde particular (que preço elevado!). Isso quer dizer que sou um a menos a ter que exigir do estado saúde adequada.
  • Vejam, isso tudo continuando e até ampliando o gasto em impostos (a carga tributária era de 28% do PIB em 1994 e agora chega aos 35%!).
  • Sabe de uma coisa: ESTOU CANSADO!
  • Questiono se fiz a opção certa. Parece que precisamos implorar para o governo rever a correção das deduções do imposto renda (10% é pouco para uma defasagem de 60%). Parece que eles não dão valor a esse esforço de pessoas que vivem com suor do trabalho, tendo jornadas longas (às vezes 12 horas por dia).
  • Gastam milhões de reais para ressocializar infratores e não são capazes de aliviar a carga tributária dos alimentos, baratear um plano de saúde, manter contratos como o da aposentadoria e descarregam todas as falhas de arrecadação, na pobre classe média, se é que ela ainda existe! Não são capazes de compreender a angústia dos pais que querem acertar.
  • Parece que esses governantes não freqüentam as festas de final de ano de seus filhos. Não vão as formaturas. Nunca presenciaram apresentações lindas e emocinantes que nos permitem dizer: estou fazendo bem a minha parte.
  • Parecem viver em um mundo em que só poder basta por si só. Esquecem inclusive promessas de campanha e vivem em função das eleições.
  • Eu sei que eles argumentam: “temos metas de inflação”; é preciso ter “superávit primário”; temos que começar a “gerar renda e emprego”; não se faz “omelete sem quebrar os ovos”, mas também sei que o cidadão honesto, cumpridor de seu papel na sociedade, que vive na essência o sentido de “família”, quer maior alívio para continuar fazendo sabe o que? Educando. Isso mesmo, educando!
  • Não estou pedindo muita coisa: quero poder ter um salário justo com impostos justos; quero acessar bons alimentos com carga tributária menor; quero o fim do domínio do poder econômico que impõe a prática desleal de cartel (esses postos de combustíveis!); quero que olhem mais o mundo real e menos o mundo monetário da economia. Quero que reconheçam esse esforço para acertar e que isso seja valorizado. Não porque fiz mais do devia, mas por ter evitado que algo desse errado.
  • Não quero nada de graça. Quero continuar trabalhando, mas quero o que é justo, o que é meu. Se o estado não me oferece o que preciso para ser bom cidadão, quero que compense meu esforço. Quero sabe o que? Qualidade de vida. Quero poder deixar meus filhos brincarem na rua e não viverem assustados com tanta violência.
  • Sou da classe média com orgulho, porque essa classe tem uma coisa de diferente: o pouco que conquistou foi com o suor do rosto e com muito trabalho, portanto, sabem valorizar cada centavo ganho.
  • Sou um cidadão que pode desabafar e ocupar esse espaço e que quer acima de tudo compreensão e ainda poder bater no peito com orgulho: faço minha parte, ou melhor, mais do que minha parte! Participo efetivamente das coisas de meu tempo e faço de tudo para acertar.
  • Desculpe o desabafo, mas a continuar com inversão de valores e a ter governantes sem ética, “desconectados” com seu tempo, nos imporá um caminho que não tem volta, e finalmente terão conseguido: o bem perder para mau.
  • Não permitam que isso aconteça.
  • Um viva aos sobreviventes da classe média brasileira.
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