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Scot Consultoria

Os EUA de Obama e a agenda agrícola


Quinta-feira, 27 de novembro de 2008 - 08h58

Engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).


por André M. Nassar Diversos países do mundo estão-se perguntando que mudanças a eleição norte-americana trará nas suas relações com os Estados Unidos. No caso específico do Brasil, pela simples razão de que os EUA são nossos maiores competidores em agricultura, existe um especial interesse na futura agenda agrícola que o novo presidente e o novo Congresso poderão pôr em marcha. A agenda agrícola norte-americana que interessa ao Brasil passa por três temas centrais: As políticas orientadas para os produtores de grãos e oleaginosas, sobretudo as voltadas para a garantia de renda e preço, que tanto distorceram o mercado mundial nos produtos de que o Brasil é também exportador. A política energética, sobretudo que decisões a nova administração tomará na legislação norte-americana de mistura de etanol na gasolina, e sua predisposição em contar, ou não, com importações, visando a suplementar uma eventual crescente demanda doméstica. Neste tópico, há interfaces também com as questões ambientais, sobretudo no que diz respeito ao papel dos EUA na mitigação das mudanças climáticas. A política comercial, não somente porque um acordo na Rodada Doha ainda está pendente e continua dependente dos EUA, mas também porque existem negociações bilaterais que poderiam voltar à baila. A agenda agrícola Brasil-EUA começou a ganhar corpo somente a partir de 2002, quando o Brasil iniciou o contencioso do algodão na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra os subsídios norte-americanos. Em razão da estrutura da política daquele país, os subsídios crescem em momento de preços baixos, justamente para compensar a perda de renda do produtor. Foi a partir desse contencioso que Brasil e EUA passaram a se sentar em lados opostos nas negociações da Rodada Doha quando o assunto era subsídio - o Brasil buscando tirar espaço de manobra dos EUA e os EUA procurando garantir que a rodada não levasse a uma reforma nas suas políticas. Não vejo, nesse tema, nenhuma mudança estrutural com a nova administração norte-americana. A razão básica é que as políticas para a agricultura dos EUA são definidas a cada cinco anos numa Lei Agrícola votada e elaborada pelo Congresso. O Executivo, embora possa influenciar os debates, tem apenas o papel de implementar as políticas. A atual Lei Agrícola dos EUA é recém-saída do forno e vai até 2012. Vale lembrar que o Congresso americano derrubou o veto do presidente George W. Bush à lei vigente. A nova administração pode, quando muito, influenciar as negociações para a próxima lei. Isso não significa, no entanto, que Barack Obama não terá de trabalhar muito na questão da política agrícola. Ao contrário. Com a redução dos preços mundiais das commodities agrícolas, haverá, certamente, pressões do setor produtivo por mais subsídios. Isso ocorreu no mandato de Bill Clinton, quando os preços começaram a cair a partir de 1998 e o presidente cedeu às pressões do setor agrícola, aumentando os subsídios e indo além dos valores autorizados pela Lei Agrícola de 1996. O exemplo de Clinton é uma prova contundente de que a orientação do presidente não importa muito quando se fala em políticas para o setor agrícola dos EUA. Não acredito que a administração Obama venha a ser uma exceção à regra. As estratégias de política na área de energia são também um tema de grande importância para o Brasil. Existe consenso no País de que a expansão da produção de etanol depende do mercado internacional. Embora a expansão a que assistimos nos últimos cinco anos tenha sido estimulada, sobretudo, pela expansão da demanda doméstica de etanol com o crescimento da frota de carros flexfuel, o setor sabe que o mercado doméstico tem suas limitações. Hoje, o etanol é responsável por mais de 45% do consumo de combustível dos carros a gasolina. Não há dúvida de que essa participação deverá subir ainda mais à medida que os carros flexíveis se tornarem a maioria da frota. O mercado interno, no entanto, é pequeno perto do potencial produtivo do setor, além do fato de que o crescimento do consumo de etanol se deve dar de forma balanceada com o consumo de gasolina. O mercado norte-americano é, de longe, o mais promissor em termos de consumo e, portanto, de exportações para o Brasil. Os EUA consomem mais de 550 bilhões de litros de gasolina por ano e 10% desse mercado é quase três vezes mais do que a produção brasileira de etanol. Embora o tom das relações entre Brasil e EUA tenha sempre sido de cordialidade e cooperação na questão dos biocombustíveis, o fundamental para o nosso país seria que o novo governo norte-americano aceitasse a idéia de complementar o mercado doméstico com etanol brasileiro. George W. Bush não viabilizou essa idéia, até porque o mercado dos EUA, do tamanho que foi em seu mandato, ainda podia ser atendido com o etanol de milho americano. Analisando os discursos de Obama, sou tomado por visões antagônicas. De um lado, o novo presidente defende fortemente a questão da segurança energética. Isso me dá a entender que etanol importado não faz parte de suas prioridades. De outro, Obama defende a idéia de que os EUA devem liderar os esforços para mitigar as mudanças climáticas, o que passa, necessariamente, por tornar a matriz energética dos EUA mais limpa e verde. O etanol brasileiro, sem dúvida, ajudaria nesse processo. A história das relações Brasil-EUA no tema agrícola indica que somos, acima de tudo, competidores. E assim continuaremos no tema dos subsídios. O etanol, no entanto, pode ser uma exceção à regra. Não será no começo do mandato, mas tem boas chances de ser no final.
André M. Nassar, engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE). As principais áreas de atuação no ICONE são: negociações internacionais multilaterais e extra-regionais; desenho de cenários quantitativos e de projeções de longo prazo de comércio agrícola; política comercial agrícola em países desenvolvidos e em desenvolvimento; contenciosos da Organização Mundial do Comércio.
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