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Scot Consultoria

Agricultura e crise mundial


Sexta-feira, 17 de outubro de 2008 - 12h31

Engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).


por André M. Nassar O objetivo deste artigo é colocar mais alguns elementos nas discussões sobre os impactos da crise financeira mundial no desempenho do setor agrícola brasileiro. As preocupações estão centradas em dois pontos: a capacidade financeira dos produtores para custear o plantio da safra 2008/2009 (plantada no segundo semestre de 2008 e colhida no primeiro semestre de 2009) diante de um cenário de menor oferta de crédito; e, uma vez colhida a safra, o resultado financeiro da produção diante de custos mais elevados e, pelo menos até hoje, preços em queda no mercado internacional. A percepção que existe no setor agrícola, muito bem discutida em entrevista do ex-ministro Roberto Rodrigues ao Estadão (12/10), é de que os produtores estão diante de um ambiente de muita incerteza, sobretudo quanto aos preços no momento de venda da safra. Essa incerteza, que poderá culminar em queda de renda, precisaria ser mitigada por medidas de política agrícola, sob pena de o setor produtivo entrar em crise novamente. Embora compartilhe esse argumento, basicamente por achar que esse é um cenário possível, entre a escassez de crédito e as incertezas quanto aos preços no ano que vem, fico com o primeiro como o mais preocupante. Sou mais otimista em relação ao segundo. Do ponto de vista de mercado, as perspectivas de preços para a comercialização da safra de grãos 2008/2009 são, sem dúvida, menos interessantes do que aquelas a que temos assistido este ano. Mesmo diante de custos de produção mais elevados, no entanto, ainda podemos esperar resultados positivos na produção de soja, milho e arroz. A grande exceção é o algodão. Para dar suporte a esse argumento levantei os custos e preços da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para soja, milho, algodão e arroz. No caso de soja e milho, trabalhei com as praças de Paraná, Goiás e Mato Grosso. Para algodão coletei os dados de Bahia, Goiás e Mato Grosso. A análise do arroz ficou centrada no Rio Grande do Sul. Dado que ainda desconhecemos os preços para o ano de 2009, quando a safra brasileira será comercializada, assumi uma taxa de câmbio de R$2,00 para cada dólar e considerei os preços mundiais do mês de outubro (Bolsa de Chicago para soja e milho, Bolsa de Nova York para algodão e preços de exportação da Tailândia para arroz) como referência para os preços médios a serem recebidos pelos produtores no próximo ano. Estou falando de preços ao redor de US$380,00, US$190,00, US$1.200 e US$650,00 por tonelada para soja, milho, algodão e arroz. Preços nesses patamares para 2009 significam que os produtos terão valores médios, em dólar, 20%, 17%, 19% e 20% menores do que este ano. Faz sentido imaginar que os preços de outubro refletem um patamar aceitável para o ano que vem porque eles são resultado de cinco meses de queda. Desde julho os preços mundiais vêm sentindo os efeitos da crise mundial. De junho a outubro os preços de soja, milho, algodão e arroz já caíram, em dólar, 30%, 31%, 22% e 22%, respectivamente. Preços em queda são um sinal perigoso, sobretudo porque os custos aumentaram. Os dados da Conab mostram que os custos estão em alta em todos os produtos e praças produtoras. Nos Estados do Paraná, Goiás e Mato Grosso, a Conab calcula que os custos da soja estão 25%, 14% e 34% mais altos do que na safra passada. O mesmo ocorre com os custos de milho: 22%, 9% e 3% mais altos. No algodão, para as praças de Bahia e Goiás, os custos estão 31% e 5% mais altos. Em Mato Grosso, a Conab calcula custos constantes para o algodão. Os custos do arroz no Rio Grande Sul subiram 10% este ano. O crescimento dos custos terá maior ou menor importância dependendo dos preços de venda para o ano que vem. Se os preços estão caindo no mercado internacional, devemos esperar que o mesmo ocorra aqui, no Brasil. A queda tenderá a ser menos acentuada se a taxa de câmbio ajudar. Assim, assumindo uma relação real x dólar em 2 x 1, observamos que a queda dos preços em reais também ocorre, mas de forma mais amena. Regra geral, os preços em reais ficariam no ano que vem entre 4% e 7% mais baixos do que este ano. Custos em alta, preços em dólar e em real em queda. Teremos, portanto, uma crise agrícola? Depende da relação entre preços para os produtores e custos de produção. Assumindo que os preços nas praças produtoras vão acompanhar os preços mundiais, e comparando-os com os custos locais, podemos inferir o desempenho esperado de cada produto no ano que vem. Soja, no Paraná, em Goiás e Mato Grosso, e arroz, no Rio Grande do Sul, são produtos que deverão apresentar resultados positivos, embora menores do que os observados em 2008. Ambos os produtos não precisarão de suporte dos instrumentos de comercialização da política agrícola brasileira. No caso do milho, Paraná e Goiás são praças que também não deverão ser objeto de preocupação no ano que vem. No caso de Mato Grosso, os resultados deverão ser pequenos. É provável que o governo brasileiro tenha de usar instrumentos de política para garantir renda no Estado. O cenário mais preocupante é o do algodão. Em todas as praças, Bahia, Goiás e Mato Grosso, os resultados deverão ser muito ruins porque os custos cresceram consideravelmente. Embora as perspectivas para o algodão não sejam das melhores, não podemos afirmar, pela análise de preços e custos para a safra 2008/2009, que o setor agrícola brasileiro esteja diante de uma crise. Sem dúvida, o algodão é um produto que precisará de forte atenção do governo. No entanto, margens mais apertadas, que é o caso de soja, milho e arroz, não significam que a produção reviverá os anos ruins de 2005 a 2007. Do ponto de vista da política agrícola brasileira, portanto, a maior fonte de preocupação deve ser a disponibilidade de crédito, e não o desempenho esperado dos mercados no ano que vem.
André M. Nassar, engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE). As principais áreas de atuação no ICONE são: negociações internacionais multilaterais e extra-regionais; desenho de cenários quantitativos e de projeções de longo prazo de comércio agrícola; política comercial agrícola em países desenvolvidos e em desenvolvimento; contenciosos da Organização Mundial do Comércio.
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