• Sábado, 27 de abril de 2024
  • Receba nossos relatórios diários e gratuitos
Scot Consultoria

Uso da terra e produção agropecuária


Quinta-feira, 18 de setembro de 2008 - 09h48

Engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).


por André M. Nassar Dos diversos temas ligados ao meio ambiente que vêm ganhando relevância na sociedade brasileira, o que mais atinge a produção agropecuária e silvícola é a questão do uso da terra. Mesmo no Brasil, país privilegiado em disponibilidade de terras para produção e conservação, não se pode negar que a terra é um recurso escasso. Essa parece ser a razão imediata que justifica por que a mudança do uso da terra, provocada pela expansão da produção agrícola e de florestas plantadas, passou a ser critério de avaliação de sustentabilidade de ambos os setores. A boa notícia é que há tempos o tema deixou de ser visto como tabu pelas diferentes cadeias produtivas. O debate sobre uso da terra ganhou importância porque a agropecuária - englobando as áreas ocupadas com lavouras anuais, permanentes e pastagens - e a produção florestal são os setores produtivos que demandam os maiores volumes de terra no País. Na realidade, a agropecuária e as florestas plantadas ocupam, juntas, uma parcela do território brasileiro menor que a ocupada por formas não-produtivas de uso, como reservas indígenas e unidades de conservação. Partindo de um ponto de vista essencialmente ambiental, essas atividades produtivas respondem a fatores de mercado e, por isso, seguiriam na direção contrária da necessidade de conservar e preservar as florestas, a biodiversidade e a paisagem natural, que são formas de ocupação do solo de baixo custo de oportunidade. A conversão de paisagens naturais em produção agropecuária ou florestal - sem se preocupar ainda com que tipo de atividade é o carro-chefe do processo - é vista com importância ainda maior quando se trata do bioma Amazônia. Mas não é apenas o tema da conversão de terras virgens em áreas produtivas que está em jogo. Por particularidades da legislação ambiental brasileira, os produtores agrícolas e de florestas carregam um não desprezível passivo de reserva legal e, ainda que de menor intensidade, de áreas de preservação permanente. Apesar dos inúmeros questionamentos jurídicos que pairam sobre o Código Florestal de 1965, emendado a última vez via medida provisória em 2001, a legislação ambiental traz ao produtor, proprietário ou possuidor da terra a obrigação de preservar. No entanto, além das exigências impostas sobre as áreas já abertas, a expansão da produção sobre novas áreas também está sob crítica, seja porque desmatar se transformou em atividade não aceita no Brasil e no exterior, seja porque grande parte das áreas virgens se encontra resguardada na forma de unidades de conservação, reservas indígenas, etc. A defesa legítima de que o setor produtivo deve contribuir com sua parcela para a conservação, aliada a pressões não necessariamente defensáveis do ponto de vista legal contra a possibilidade de expansão das áreas produtivas, cria um ambiente não saudável de competição e disputa entre produção agropecuária e florestal e preservação ambiental. As conexões entre uso da terra e produção agrícola e florestal se dão, dessa forma, em duas vertentes: 1) Com a contribuição da expansão da produção para o desmatamento, sobretudo nas regiões do bioma Amazônia; e 2) na necessidade de o setor produtivo zerar seu passivo ambiental recuperando, ou compensando, o que seria mais racional, áreas de preservação permanente e de reserva legal nas terras que já são usadas de forma produtiva. Enquanto a segunda abordagem tem caráter mais doméstico, porque se refere à legislação ambiental brasileira, a primeira é fortemente influenciada pelo ambiente internacional. Isso ocorre não somente porque a questão do desmatamento está umbilicalmente conectada com a emissão de gases do efeito estufa, mas porque o desmatamento tem sido usado externamente como argumento para tentar minar as indiscutíveis vantagens do etanol brasileiro feito de cana-de-açúcar ante seus concorrentes. Dado que ainda não existem registros de que a expansão da produção de cana-de-açúcar provoque desmatamento, uma vez que a cultura cresce basicamente em áreas já ocupadas por pastos e lavouras, foi criado o conceito do efeito do uso indireto da terra. A necessidade de quantificação desse efeito indireto faz parte das legislações européia e norte-americana para biocombustíveis. A idéia do efeito indireto - e é preciso lembrar que ele não se aplica apenas ao caso do etanol brasileiro - diz que é preciso contabilizar no balanço de carbono a quantidade equivalente emitida pelo desmatamento causado indiretamente pela expansão da matéria-prima de base agrícola utilizada na produção do biocombustível. Para nós, brasileiros, essa discussão soa um pouco surreal. Por enquanto, até que alguma metodologia de cálculo seja desenvolvida e amplamente testada e aceita, ela realmente é. Não há dúvida que o tema do uso da terra foi jogado nas costas dos setores agrícola e florestal como um passivo. No entanto, políticas que estimulem um equilíbrio aceitável entre produção e preservação ambiental podem alterar os sinais do resultado desta equação. Essas políticas passam pela busca de formas inovadoras de compensação das exigências de reserva legal que não inibam novos investimentos no setor agrícola e florestal. Isso é importante porque um país como o Brasil não se pode dar ao luxo de investir menos em produção de alimentos, etanol e produtos florestais. Passam também pelo estabelecimento de sistemas de zoneamento que garantam credibilidade e confiança, sobretudo fora do Brasil, em que a incorporação de novas terras para agropecuária e florestas plantadas se dará equilibrando as necessidades de produção e de conservação. E, por fim, pela criação de mecanismos que estimulem intensos ganhos de produtividade na pecuária, sobretudo nos pastos que são conversíveis para produção agrícola e silvícola, evitando, assim, que o crescimento futuro do rebanho se traduza em novos desmatamentos.
André M. Nassar, engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE). As principais áreas de atuação no ICONE são: negociações internacionais multilaterais e extra-regionais; desenho de cenários quantitativos e de projeções de longo prazo de comércio agrícola; política comercial agrícola em países desenvolvidos e em desenvolvimento; contenciosos da Organização Mundial do Comércio.
<< Notícia Anterior Próxima Notícia >>
Buscar

Newsletter diária

Receba nossos relatórios diários e gratuitos


Loja