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Scot Consultoria

Uso da terra e a falta de informação no Brasil


Quinta-feira, 20 de dezembro de 2007 - 13h59

Engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).


Na era do aquecimento global, conhecer com precisão o uso da terra no Brasil se transformou em obsessão das pessoas envolvidas com o tema da mudança climática. A obsessão só tende a crescer, agora que a prevenção contra o aquecimento global ganhou status de maior ação coletiva já desenvolvida pela humanidade. O Brasil, no papel de um dos maiores depositários de terra do mundo, foi pego desprevenido. Estamos descobrindo, a duras penas, que sabemos pouco sobre o uso da terra no País. A maior prova é que o mais recente número oficial sobre a área ocupada com pastagem data de 1996. Faz tempo, não? A questão do uso da terra ganhou status de prioridade porque o Brasil se torna o quarto maior emissor de gases do efeito estufa do mundo quando o desflorestamento da Amazônia é contabilizado quanto ao carbono que deixa de ser seqüestrado a partir do corte da vegetação. Mesmo que muita gente sensata já esteja mostrando que as emissões provenientes de setores como transporte e geração de energia elétrica têm impacto muito maior no aquecimento global que o desflorestamento - até porque, ao contrário das emissões provenientes desses setores, que são sempre negativas, no caso da mudança do uso da terra podemos conceber sistemas que levem a um aumento no carbono seqüestrado, e não o inverso, como tem sido afirmado com maior freqüência -, já passamos da hora de melhorar o grau de conhecimento sobre o uso da terra no Brasil, que, como é de esperar, está diretamente relacionado à produção agropecuária e à silvicultura, os maiores setores demandantes de vastas extensões de terra. O que quero mostrar neste artigo é que um país do tamanho do Brasil, na posição de terceiro maior produtor agrícola e nono maior detentor de florestas plantadas do mundo, não pode continuar conhecendo tão pouco sobre uso corrente da terra em território nacional e, ainda mais importante, sobre as mudanças por que ele passará, fruto de transformações estruturais no mercado de commodities agrícolas, como o aumento do preço dos grãos e das oleaginosas e o crescimento do mercado de biocombustíveis. Um exemplo ilustra a minha preocupação com tema tão importante e do qual temos escasso conhecimento e disponibilidade de informações. Desconheço no Brasil qualquer iniciativa na esfera governamental, acadêmica ou privada de produção de cenários de longo prazo sobre área plantada e produção agropecuária. O governo brasileiro, quando toma suas decisões de política agrícola, não tem à disposição nenhum cenário quantitativo de impacto dos instrumentos de política na alocação e no uso da terra para produção agropecuária. Quando muito, o governo trabalha com expectativas de curto prazo dos impactos de suas políticas sobre área, produção e preços agropecuários. O zoneamento agroecológico, em discussão em Brasília, vai ajudar a conhecer o uso corrente da terra, mas em nada contribuirá para entendermos as mudanças na alocação espacial das atividades agropecuárias. Isso significa que não há informação disponível no Brasil para responder a questões básicas, antes levantadas apenas pelos concorrentes mundiais do País e, hoje, também pelas pessoas envolvidas no tema do aquecimento global: quanto de terra a expansão de cana-de-açúcar, soja, milho, algodão e florestas plantadas vai demandar no futuro e quanto a pecuária de corte vai liberar para esses produtos via ganhos de produtividade? Como a agropecuária brasileira responderá em termos de demanda de terra aos incentivos de mercado mundial? A resposta, ainda, é não sei. Neste ponto, sou obrigado a dizer que sinto uma certa inveja dos norte-americanos. Nos EUA, o governo e o setor privado têm à disposição, anualmente, pelo menos duas previsões para dez anos de área plantada, produção, demanda internacional e preços de commodities agropecuárias. Essas previsões são chave para que o Departamento de Agricultura do governo norte-americano conheça em detalhes os impactos dos instrumentos de política de sua Lei Agrícola. Já o setor privado pode planejar-se não só conhecendo as tendências de preços, mas analisando a capacidade do setor produtivo dos EUA de responder aos incentivos de mercado. Aqui, no Brasil, onde não temos nada disso, essa informação teria duplo valor. O primeiro é o mesmo valor auferido pelo governo e pelo setor privado norte-americano. O segundo é que seria um instrumento de grande poder para entender as tendências de longo prazo do uso da terra no Brasil e as mudanças esperadas em função das transformações do mercado mundial. Com essa informação estaríamos muito mais bem preparados para enfrentar dois debates de escala mundial que têm o Brasil no centro: as reais conexões entre expansão da área agrícola e desflorestamento da Amazônia e a real magnitude dos impactos da competição entre alimentos e energia nos mercados mundiais. Mesmo diante de números de área da pastagem que variam entre 180 milhões e 200 milhões de hectares, e do fato de não sabermos quanto de área de pasto degradado temos no País, no frigir dos ovos o uso corrente da terra não é importante. Os números, mesmo desencontrados, mostram que a pecuária de corte é a grande atividade demandante de terra no Brasil e, ao mesmo tempo, o setor que mais liberará terra à medida que a produtividade aumentar. O fundamental é conhecer de que forma o setor agropecuário brasileiro vai responder a um fato inconteste hoje em dia: o Brasil é um dos poucos países com terra no mundo. Projetar o uso futuro da terra significa, dessa forma, conhecer para onde vai a produção de alimentos, fibras e biocombustíveis do País. É por isso que decidimos investir nesse tema no Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone). Nosso maior desafio, por enquanto, é a falta de informação.
André M. Nassar, engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE). As principais áreas de atuação no ICONE são: negociações internacionais multilaterais e extra-regionais; desenho de cenários quantitativos e de projeções de longo prazo de comércio agrícola; política comercial agrícola em países desenvolvidos e em desenvolvimento; contenciosos da Organização Mundial do Comércio. amnassar@iconebrasil.org.br
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