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Scot Consultoria

A redescoberta da Ásia


Quarta-feira, 15 de agosto de 2007 - 13h05

Engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).


Os leitores que acompanham a evolução do mercado de alimentos no mundo certamente estão notando que o campo anda fértil de novos acontecimentos. Chama a atenção o aumento dos preços dos produtos lácteos em função do crescimento do consumo na China. O fenômeno chinês fez com que os preços do leite em pó desnatado, principal commodity láctea transacionada mundialmente, subissem de US$2.200 a tonelada para US$4.700. O consumo de leite na China aumentou 3,5 vezes de 2001 até hoje, passando de 8,7 litros por habitante para 30 litros, em apenas seis anos. No mercado de alimentos, o papel da Índia é, por enquanto, ainda tímido, se comparado com o da China. Enquanto a China importa mais de US$45 bilhões de produtos agrícolas, a Índia atingiu apenas US$8 bilhões no ano passado. O país, no entanto, já começa a dar sinais de que se vai transformar num dos grandes importadores mundiais de commodities agrícolas. Os indianos têm como hábito consumir alimentos frescos. Uma das razões é o fato de não possuírem geladeiras em suas casas e nas cidades não encontrarem estabelecimentos varejistas com estrutura de frio. Se o consumo de carne de frango, num país considerado vegetariano, está crescendo 8% ao ano e ainda é de apenas dois quilos por habitante, a demanda crescerá ainda mais quando forem vencidos os problemas de infra-estrutura. Apresentar crescimento vertiginoso no consumo de alimentos não é exclusividade da China e da Índia. Os próximos anos mostrarão que esse é um fenômeno fundamentalmente asiático. O crescimento econômico de países como Indonésia, Filipinas, Vietnã, Malásia e Tailândia, aliado à forte migração do campo para as cidades, vai alterar estruturalmente o comércio mundial de produtos agrícolas e alimentos. Reconhecendo essa tendência, o Icone adotou como prioridade investigar o que está acontecendo na demanda e na oferta de produtos agrícolas e alimentos nos países asiáticos. O primeiro resultado desse trabalho será apresentado em seminário da Rede de Pesquisa do Agronegócio Ásia-América Latina (Alarn), em 29 de agosto. Os dados de comércio já dão as primeiras informações das mudanças que estão por vir. China, Índia, Indonésia, Malásia, Filipinas e Tailândia, países incluídos na rede de pesquisa, importaram US$78 bilhões e exportaram US$87 bilhões em 2005 de produtos agrícolas e alimentos. Embora ainda superavitários, os dados mostram que as importações estão ganhando terreno sobre as exportações. Enquanto as importações cresceram 88% de 2000 a 2005, as exportações se expandiram 65%. Assim, os asiáticos nos mostram que o mesmo que aconteceu na China deverá repetir-se em outros países, sobretudo naqueles com grandes populações: exportadores líquidos virando importadores de um conjunto de produtos agrícolas. Se o quadro de demanda é interessante, o de oferta é ainda mais. Nosso convencimento de que os asiáticos se tornarão importadores líquidos tem uma razão de ser: a China possui apenas 2% da sua área disponível para a agricultura; Índia e Indonésia dispõem de não mais que 15 milhões de hectares para uso agrícola; Malásia, grande exportadora, já usou cerca de 60% de sua área agricultável para o dendê. Disponibilidade de terra, no entanto, é apenas parte do problema. Se não é verdade para todos os asiáticos, água é um problema de grandes proporções no norte e oeste indiano e no norte chinês, todas importantes regiões produtoras de grãos. Quando sobrepomos as tendências na demanda às restrições de terra e água, observamos que os asiáticos passarão por uma profunda mudança de política e prioridades. Se hoje ainda impera em países como China, Índia, Indonésia e Filipinas a lógica da auto-suficiência na produção de alimentos, porque grande parte dos consumidores ainda vive no campo e consome localmente, o novo consumidor urbano e comprador de alimentos será atendido por uma combinação entre produção local e importações. Tal transição não ocorrerá de forma homogênea nesses países. A China já iniciou esse processo, buscando aproveitar melhor a terra e incrementando a produção de itens de valor agregado, como frutas, vegetais, suínos, aves e lácteos. Essa opção levou ao crescimento das importações de produtos intensivos em terra como grãos, cereais e algodão. Índia, Indonésia e Filipinas ainda seguem o modelo tradicional de usar a escassa disponibilidade de terra que possuem para produzir, com baixos rendimentos, cereais e grãos. A Indonésia foge um pouco à regra porque está investindo pesadamente em óleo de dendê, buscando especializar-se no produto, como fez a Malásia. Esses países, dada a sua limitação de terra, deverão tomar o caminho chinês e passarão a ter grande importância no comércio de grãos e cereais. A pergunta que fica é se conseguirão incrementar sua produção de carnes, sobretudo frangos e suínos, que são pouco intensivos em terra. No entanto, dados os problemas de infra-estrutura e a baixa capacitação dos agricultores, especialmente na Índia, um crescimento significativo do consumo deverá ser administrado com importações. O papel do Brasil e dos demais exportadores da América Latina é claro nesse contexto: com exportações agrícolas que saltaram de US$35 bilhões para US$70 bilhões em cinco anos, a demanda asiática vai fazer diferença no futuro. Enquanto os países africanos se preparam para desenvolver seu setor agrícola, o déficit na produção dos asiáticos se converterá em grandes oportunidades de exportação para o Brasil. Por isso, conhecer a fundo o que vai acontecer na produção e no consumo de alimentos, na Ásia, passa a ser obrigação do nosso setor agroindustrial. Essa é a conclusão central da rede de pesquisa e inteligência que o Icone lidera em parceria com centros de excelência na Ásia e na América Latina.
André M. Nassar, engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE). As principais áreas de atuação no ICONE são: negociações internacionais multilaterais e extra-regionais; desenho de cenários quantitativos e de projeções de longo prazo de comércio agrícola; política comercial agrícola em países desenvolvidos e em desenvolvimento; contenciosos da Organização Mundial do Comércio. amnassar@iconebrasil.org.br
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