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Scot Consultoria

Soja e Amazônia - Novos Paradigmas


Sexta-feira, 8 de setembro de 2006 - 11h23

Engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).


marcos s. jank A soja é a fonte mais barata de proteína do mundo. O complexo soja (grãos, farelo e óleo) ocupa o primeiro lugar na nossa pauta de exportações, gerando tecnologia, riqueza e empregos desde o Rio Grande do Sul até o Maranhão. O crescimento da demanda mundial de 2000 a 2004, principalmente na China, provocou uma expansão da soja nos cerrados brasileiros, gerando conflitos entre diferentes órgãos do governo, produtores, indústrias e ONGs ambientalistas. A acusação central é de que a soja seria um dos principais vetores da destruição da floresta amazônica. Uma verdadeira guerra de mapas e fotos de impacto ganhou espaço na mídia nacional e internacional. Algumas ONGs adotaram a estratégia de tentar convencer compradores europeus de grãos e empresas, como a rede McDonald`s, de que, ao comprar produtos derivados da soja brasileira, estariam promovendo a destruição da floresta. Basta estudar um pouco a matéria para verificar que a caótica ocupação da floresta não se origina da soja, mas sim, da indefinição de direitos de propriedade, da ausência de fiscalização e do corte ilegal de madeira, que prospera impune na região. Quase metade da Amazônia Legal é composta por terras devolutas, sujeitas a constantes invasões de posseiros e grileiros, que desmatam a floresta para garantir a posse. Em 2005, a soja ocupou apenas 1,4% da área da Amazônia Legal e ínfimos 0,3% do bioma amazônico. O problema começa com a confusão entre floresta amazônica e Amazônia Legal. Esta última é apenas uma construção jurídica artificial criada com objetivos fiscais no governo Getúlio Vargas, em 1953, que abarca nove Estados, 61% do território nacional e oito diferentes biomas. Oitenta por cento da soja produzida na Amazônia Legal é originária de áreas de cerrado de Mato Grosso. Ao contrário do que se costuma dizer, a soja melhora a qualidade dos solos e o padrão de vida das cidades aonde chega. Graças à sua capacidade de fixar nitrogênio no solo, a soja aumenta a produtividade da agricultura, das pastagens e, em conseqüência, da pecuária de corte e leite. A integração lavoura-pecuária já é um novo paradigma em marcha na agricultura brasileira. Além disso, a soja utiliza mais máquinas e insumos e gera mais empregos nas cidades onde está presente do que outras atividades agropecuárias. O padrão de vida dos municípios onde se cultiva a leguminosa é visivelmente superior, o que pode ser comprovado ao observarmos a lista das cidades com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil Central. Outra acusação freqüente é o fato de a soja representar uma monocultura em expansão. Esse problema advém de dois fatores alheios à vontade do produtor: a precariedade da infra-estrutura de escoamento da produção e o protecionismo mundial. Acontece que a principal cultura que deveria fazer rotação com a soja é o milho, que, contudo, se inviabiliza pelo maior custo proporcional do seu frete para a exportação e pela falta de armazéns. Ao mesmo tempo, o protecionismo impede o Brasil de diversificar e adicionar valor aos produtos exportados. Soja e café em grãos e fumo em folhas são mercados abertos no mundo. Já os óleos vegetais, as carnes e os lácteos são dominados por altas tarifas, não raro acima de 100%, escaladas tarifárias, cotas de importação, salvaguardas e toda sorte de barreiras não-tarifárias. Não houvesse o protecionismo e os problemas de infra-estrutura, o Centro-Oeste mostraria uma paisagem muito mais diversificada e ambientalmente equilibrada, composta por produtos de maior valor adicionado dirigidos à exportação. Vale ainda notar que os subsídios para conservação, abandono de cultivo ou plantio de florestas somam US$ 2,6 bilhões ao ano nos EUA e € 6,6 bilhões na União Européia. Já no Brasil, os produtores são obrigados a manter como reserva legal 20% da área das suas propriedades no Sul e no Sudeste, 35% nos cerrados da região da Amazônia Legal e 80% nas áreas de floresta amazônica, sem nenhum incentivo financeiro do governo. Apesar de todos estes fatos, nas últimas semanas agentes da cadeia da soja deram passos decisivos na direção de um maior desenvolvimento sustentável do setor. No dia 24 de julho, as indústrias processadoras e os exportadores de soja resolveram adotar uma inédita "moratória" de dois anos, período em que não serão comercializados grãos oriundos de novas áreas desflorestadas no bioma amazônico. As indústrias se propuseram também a buscar meios para que os produtores cumpram com a legislação em vigor e a estudar novas regras de conduta para operar naquela região. Pesquisadores do renomado Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) afirmaram que essa foi uma medida histórica inigualável na Amazônia, que inaugura uma nova fase de fixação de critérios privados de conduta, que provavelmente vão produzir resultados mais eficientes do que os obtidos pela atual estrutura de fiscalização oficial. Na semana passada, representantes de produtores, indústrias, ONGs e governos se reuniram em Assunção no 2º Fórum Global sobre Soja Responsável (RTRS). A reunião resultou na criação de uma entidade internacional independente que vai desenvolver princípios, critérios e indicadores para equilibrar desenvolvimento econômico, eqüidade social e sustentabilidade ambiental na produção mundial de soja, à semelhança do Forest Stewardship Council (FSC), da área florestal, e da Mesa Redonda sobre Óleo de Palma Sustentável (RSPO). É certo que numa ponta ainda há produtores que, por ignorância ou má-fé, desmatam sem nenhum critério, passando por cima da legislação brasileira, da diversidade biológica e do bom senso. Na outra ponta, ainda há grupos radicais que insistem em manter a região intacta, sem levar em conta que há 23 milhões de pessoas vivendo numa área que carece de leis coerentes, direitos de propriedade e fiscalização. A única maneira de promover o desenvolvimento sustentável da Amazônia é o diálogo maduro e construtivo, despojado de ideologias e preconceitos. Um esforço concentrado para, de um lado, tentar gerar valor para a floresta em pé e, do outro, estabelecer princípios e critérios para o desenvolvimento sustentável da agropecuária, envolvendo diferentes órgãos do governo, ONGs e todos os segmentos das cadeias produtivas.
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