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Scot Consultoria

A ciclotimia do agronegócio


Quinta-feira, 20 de abril de 2006 - 13h37

Engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).


por marcos sawaya jank É espantoso constatar a transformação radical da conjuntura do agronegócio entre 2002-2005 e o momento atual. Dois anos atrás, o setor era cantado em verso e prosa como um dos mais sólidos e rentáveis da economia: preços em alta, vultosos investimentos, competitividade imbatível. Neste ano, com exceção do açúcar e do café, mergulhamos novamente num ciclo de preços em queda, desinvestimentos e perda de rentabilidade. Por que a conjuntura mudou de forma tão repentina? Antes de analisar a crise de 2006-2007, é necessário rever o trajeto de longo prazo do setor. O sucesso do agronegócio deriva basicamente de mudanças estruturais na oferta doméstica e na demanda mundial. Pelo lado da oferta, o sucesso nasce dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento de tecnologia adaptada à região tropical. Graças aos esforços de universidades, centros de pesquisa como a Embrapa e empresas nacionais e multinacionais, a paisagem rural transformou-se radicalmente: correção dos solos ácidos do cerrado, melhoramento genético de soja, algodão, gramíneas e gado zebuíno, plantio direto, agroquímicos, mecanização, agricultura de precisão, introdução da segunda safra no mesmo ano agrícola, integração lavoura-pecuária, etc. Melhorou também a capacidade gerencial dos produtores. Terceiro maior exportador mundial de produtos do agronegócio, o Brasil detém hoje os melhores índices de produtividade do mundo numa dezena de commodities importantes. O movimento estrutural de demanda é bem mais recente e se origina do aumento do consumo e das importações dos países em desenvolvimento e, mais particularmente, do Leste da Ásia, da Rússia, da Europa Oriental e do Oriente Médio. Há ao menos três explicações para o fenômeno: 1) o crescimento de renda per capita e redução da pobreza absoluta em importantes regiões do mundo; 2) a urbanização acelerada, que transforma ex-agricultores de subsistência em consumidores urbanos de alimentos comprados; e 3) o "efeito graduação", que é a substituição do consumo de proteínas vegetais (arroz, por exemplo) por proteínas animais (carnes e lácteos), frutas e alimentos mais elaborados, à medida que os consumidores migram da classe pobre para a classe média. Estima-se que a carência de recursos naturais na maioria desses países (principalmente água e terras aráveis) garantirá um crescimento sustentável da demanda mundial durante pelo menos duas décadas. Além disso, surgem extraordinárias oportunidades para a agricultura energética - etanol de cana-de-açúcar e biodiesel de soja e palma. De onde vem, então, a nova crise do setor? Cem por cento nacional, a atual crise apenas comprova a nossa incrível destreza na modalidade "tiro no próprio pé". O primeiro tiro vem da taxa de câmbio real. Estamos à beira de um novo ciclo de apreciação cambial, à semelhança do período 1994-1999. Os bons preços internacionais em dólar se transformaram em preços em reais declinantes, em muitos casos abaixo dos custos de produção, que cresceram com o aumento expressivo dos preços dos fertilizantes, agroquímicos e óleo diesel. O resultado é que o produtor reduz o uso de tecnologia e o Brasil perde espaço para concorrentes menos eficientes, que conseguem, porém, manter as rédeas das políticas macroeconômicas mais ajustadas. O segundo tiro vem da infra-estrutura. A região mais promissora do mundo para o desenvolvimento sustentável do complexo grãos-carnes-fibras-lácteos é o cerrado brasileiro. Porém os seus custos de frete já superam 40% do valor FOB do produto. Estradas intransitáveis, ferrovias e hidrovias estagnadas e gargalos portuários comem toda a eficiência adquirida na produção primária. O terceiro tiro no pé vem da falta de recursos e contradições da política agrícola. Áreas críticas para garantir a eficiência global do sistema agroindustrial - como defesa sanitária, seguro rural, pesquisa e biotecnologia - vêm perdendo prioridade e recursos. Enquanto isso, crescem os gastos dirigidos a grupos específicos de produtores, como assentamentos e agricultura familiar. Bens públicos perdem espaço para programas localizados, muitos deles de duvidosa sustentabilidade econômica no longo prazo. Estudos do Ipea mostram que a parcela do setor nas despesas totais do governo caiu de 5,6% na gestão Sarney para 1% na gestão Lula. Ao mesmo tempo, houve uma pulverização de novos programas com objetivos freqüentemente contraditórios, espalhados em quatro ministérios - Agricultura, Desenvolvimento Agrário, Pesca e Meio Ambiente. Produtores de commodities precisam estar preparados para lidar com a natureza cíclica do seu negócio, que vive a montanha-russa das altas e baixas periódicas da produção e dos preços. O problema é que no Brasil o desajuste das políticas macro (câmbio, juros, impostos) e a deficiência das políticas setoriais (infra-estrutura, sanidade), aliados à falta de proteção contra riscos (ausência de seguro rural e hedge contra a volatilidade dos preços), fazem com que o comportamento padrão do agronegócio seja não apenas cíclico, mas, sobretudo, psicoticamente ciclotímico. Ciclotimia é o temperamento caracterizado por alternâncias cíclicas de períodos de grande excitação, euforia ou hiperatividade e períodos de profunda depressão, tristeza ou inatividade. A grande verdade é que a ausência e/ou incoerência das políticas públicas para o agronegócio magnifica os riscos de andar na montanha-russa. Enquanto não forem corrigidos os trilhos desta montanha, a única solução é sair da beira do precipício adotando um comportamento empresarial absolutamente conservador. Já se foi o tempo em que o desafio do agro era apenas produzir mais e melhor. Hoje em dia, o que importa é analisar cuidadosamente a oferta, a demanda e os preços, reduzir os riscos da comercialização, aprender a conviver com as inconstâncias e insanidades das políticas públicas e, principalmente, rezar, rezar muito...
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