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Scot Consultoria

Doença holandesa ou brasileira?


Terça-feira, 7 de março de 2006 - 19h49

Engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).


O nosso passado de nação colonial dependente dos ciclos do pau-brasil, da cana-de-açúcar, do ouro e do café deve explicar o negativismo que pesa sobre o setor das commodities. Preços de commodities oscilam em mercados abertos de fácil arbitragem. Quando eles estão num pico de baixa, proliferam críticas sobre o nosso padrão exportador típico de nação pobre, sobre o baixo dinamismo deste segmento e sobre a inevitável deterioração dos termos de troca internacionais. Quando os preços entram num ciclo de alta, vêm as críticas sobre os efeitos inflacionários das commodities ou sobre a iminente derrubada da floresta amazônica. O último modismo brasileiro na matéria, que tem gerado calorosas discussões, seria a contaminação do País pela chamada "doença holandesa": a suposta explosão nos preços das commodities desde 2002, puxada pela demanda asiática, seria responsável pela apreciação da taxa de câmbio real, gerando um processo de "desindustrialização" da economia, com a paulatina destruição de produção na indústria e nos serviços. No limite, a economia brasileira voltaria ao tempo das plantations e do extrativismo de minérios. A nossa primeira constatação é a de que a parcela das commodities (brutas e industrializadas) no total das exportações cresceu pouco na última década, variando entre 30% e 40% da pauta, com uma ligeira tendência de crescimento a partir de 2000 e estabilização no patamar de 39% desde o início do boom de preços, em 2002. No entanto, os produtos não-commoditizados também mostram um expressivo crescimento no mesmo período, em setores tão diversos como aviões, equipamentos de telecomunicações e automóveis. O Brasil soube aproveitar as oportunidades da forte expansão recente do comércio mundial. Para analisar o vetor "preços internacionais" inicialmente decidimos descartar indicadores que atribuem peso excessivo às commodities energéticas, como o Índice de Preços de Commodities Primárias do FMI, no qual a ponderação do petróleo representa 40% do índice, mas apenas 3% das exportações brasileiras. Não tem sentido comparar a nossa pauta de commodities com a de países tipicamente exportadores de petróleo ou minérios, como Venezuela, Nigéria, Rússia, Arábia Saudita ou Chile. Criamos, então, o Índice de Preços das Commodities Brasileiras, composto pela ponderação da cesta de commodities exportadas pelo País no período 1996-2005. A conclusão é a de que, com exceção do petróleo e do minério de ferro, os demais preços tiveram em 2004-2005 altas bem menos expressivas do que as alardeadas, semelhantes às altas anteriores de 1996-1997, do final dos anos 80 e muito menores, em termos reais, do que o boom que se seguiu aos choques do petróleo de 1973 e 1979. O índice dá os elementos para enterrar a idéia estapafúrdia de taxar as exportações de commodities, que andou sendo ressuscitada mais uma vez. Agora, se os preços internacionais não são tão espetaculares como se pensa, como explicar, então, o bom desempenho das exportações? A explicação está no expressivo aumento das quantidades exportadas, com enorme destaque para soja em grãos, algodão e carnes em geral. Estimulados pelo câmbio desvalorizado entre 2001 e 2004, conseguimos aproveitar o crescimento quantitativo da demanda mundial e ainda ganhamos market share em razão de intensos ganhos de produtividade e de crises que afastaram os nossos principais concorrentes (quebras de safra, aftosa, vaca louca, etc.). O Brasil cresce mais do que o mundo em 80% das commodities analisadas. Tais fatores não garantem, porém, a liderança alcançada. O ano de 2005 foi marcado pelo ressurgimento das velhas doenças brasileiras: valorização excessiva da nossa moeda, crises climáticas, ressurgimento da aftosa, etc. No presente momento, nuvens negras fecham o horizonte: câmbio real se valorizando ainda mais, infra-estrutura "padrão Iraque", risco de febre aviária, neoprotecionismos tarifários, sanitários e ambientais, etc. O estudo traz pelo menos três evidências que contestam a existência de um processo massivo de "desindustrialização" em curso: os crescentes superávits comerciais dos setores não-commoditizados a partir de 2002, a recuperação do emprego industrial a partir de 2004 e a noção equivocada de que exportar commodities seria uma atividade não-industrial atrasada. Por trás da exportação brasileira de commodities há uma complexa rede de indústrias de insumos, máquinas, processamento de produtos e prestadores de serviços. A culpa pelos cortes de investimento e pela fuga de empresas que vêm sendo noticiados em um ou outro setor não é das commodities, e sim do custo Brasil. Ou seja, a doença não é holandesa, e sim brasileira, velha conhecida de todos nós. O único remédio efetivo está no desatolamento das reformas estruturais, principalmente na área dos gastos governamentais, fator que mais nos distancia das outras economias emergentes. Com as reformas os juros podem cair mais rapidamente e a moeda voltar para o saudoso patamar de dois anos atrás. Com maior isonomia de juros e câmbio, deveríamos considerar seriamente a necessidade de reduzir, via negociações, as barreiras que dificultam as importações de bens intermediários, ponto crucial para tornar a nossa indústria mais competitiva. O mundo provavelmente nos presenteou, de fato, com um "coração novo" nos primeiros anos deste século. Mas ele já começa a ficar comprometido pela nossa eterna recusa a adotar dietas alimentares de redução do sobrepeso e pelo velho hábito de ficarmos admirando o nosso próprio umbigo, sem notar que os atrasados de ontem estão hoje com o físico em ordem, e já quase completando a maratona.
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