Arrasador em 2010, camarada em 2011. As condições de clima para a safra de cereais e grãos que começará a ser semeada a partir do fim deste mês no Hemisfério Norte deverão ser muito mais favoráveis aos agricultores.
A boa notícia se deve ao enfraquecimento do La Niña, fenômeno climático que em meados do ano passado provocou secas históricas em regiões produtoras importantes, inundações em outras, e contribuiu, assim, para quebras de safra que culminaram na mais recente escalada mundial de preços de alimentos.
Ainda que o fenômeno tenha reflexos também no Hemisfério Sul, nos centros de meteorologia o foco das atenções nos próximos três meses estará acima da linha do Equador, onde se produz mais de 90% dos cereais e grãos comercializados no mundo.
Se nenhum imprevisto climático ocorrer - e riscos sempre existem -, a expectativa é de chuvas na medida certa em grande parte de Rússia, Austrália e França, três grandes produtores de trigo bastante penalizados na temporada 2010/11.
Já nos EUA, os reflexos do La Niña que já começaram a perder força em janeiro deverão manter a precipitação um pouco abaixo do normal para o padrão local de primavera e verão. Mas isso não é exatamente ruim, dizem especialistas, já que a alta umidade do solo do Meio-Oeste americano pode compensar poucas águas.
O La Niña ocorre quando há um resfriamento das águas equatoriais do Oceano Pacífico, que desencadeia mudanças no clima como um todo. Em geral, essas mudanças representam menos chuvas nas regiões de latitudes altas em virtude dos ventos. Em latitudes mais baixas, como no trópico do Equador, chove mais.
Fenômeno oposto, mas igualmente famoso, o El Niño representa o aquecimento das águas equatoriais do Oceano Pacífico, o que implica efeitos diretamente contrários aos do La Niña.
O problema está nos chamados “fatores próximos”, aqueles que têm influência direta sobre as áreas em que incidem. No ano passado, por exemplo, a expectativa de seca no Rio Grande do Sul, provocada pelo La Niña, só se concretizou na região sudoeste, na fronteira com Argentina e Uruguai, afetando os arrozais. No restante do Estado, chuvas inesperadas propiciaram o que deverá ser uma das melhoras safras de milho e soja da história do Rio Grande do Sul.
O que explica isso? Frentes frias vindas da região polar encontraram águas quentes na faixa do Oceano Atlântico que beira o Estado. O maior volume de vapor formado pelo aquecimento das águas “turbinou” a frente fria. “O que era para ser uma frente fria mirradinha ficou forte e, por causa disso, choveu bastante”, explica Celso Oliveira, da Somar Meteorologia, em São Paulo.
Além da passagem de frentes frias, há fatores de influência como os ventos e a própria umidade do ar - que, no caso do Brasil, é em grande parte trazida da Amazônia para o Sul. Esses fenômenos podem ocorrer isolada ou simultaneamente, mudando o tabuleiro sem que o novo quadro seja detectado com antecedência ideal.
Para alguns meteorologistas, os extremos climáticos de 2010 também devem ter sido formados pela brusca transição de uma situação de El Niño, em 2008/09, para La Niña, em 2009/10. O consenso para este ano, porém, é que o clima, seja no Hemisfério Norte ou no Sul, terá “situação neutra”.
“Como as simulações não são claras, trabalhamos com duas opções: o La Niña terminando no inverno [até julho] ou indo até o fim do ano, de forma fraca", diz Oliveira. "Então, as safras que já estão ou começarão a ser plantadas terão alguma influência do La Niña, ainda que mínima”.
No ano passado, o fenômeno provocou queda acima do normal na temperatura no norte dos EUA e seca no Sul, afetando o Texas, maior produtor de algodão do país. Como o La Niña tende a abaixar a temperatura, é possível que os EUA tenham problemas para o plantio de milho, em abril, e de soja, em maio, alerta Paulo Etchichury, da Somar Meteorologia, o que pode atrasar um pouco o plantio. “Tudo vai depender de a temperatura ficar baixa ou não”, diz.
Na Austrália, o excesso de chuvas no leste em 2010 reduziu a colheita de cana para 3,6 milhões de toneladas, menor nível em duas décadas, e lavou a terra das sementes de outras culturas que já tinham sido semeadas. Mas encheu as represas utilizadas nas lavouras de algodão, plantado em novembro para ser colhido em abril.
Com o fim do pico do La Niña e a esperada alta na produtividade agrícola - o cenário deverá beneficiar também a safrinha de milho no Brasil -, especialistas internacionais preveem recuo na inflação dos alimentos. Em relatório divulgado na semana passada, Andrew Garthwaite, do Credit Suisse, avalia que os lucros robustos recentes, na esteira dos preços altos, devem encorajar os produtores a ampliar o plantio.
Garthwaite lembra que bons preços geram investimentos e produtividade - e o milho, por exemplo, subiu mais de 90% na bolsa de Chicago em 12 meses. Mas realça, segundo a Bloomberg, que a inflação dos alimentos poderá não cair se as previsões falharem e o La Niña durar mais que o previsto, já que ainda há preocupação com a extensão do impacto da seca de 2010 sobre o plantio de inverno na Rússia e na Ucrânia.
Fonte:
Valor Econômico. Por Bettina Barros. 9 de março de 2011.
<< Notícia Anterior
Próxima Notícia >>