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Pelo em ovo


Terça-feira, 6 de março de 2012 - 12h09

O Código Florestal entrou novamente em votação na Câmara dos Deputados. Deve ocorrer a batalha final entre a agricultura sustentável e seus inimigos: o preservacionismo verde e o ruralismo atrasado. Veremos quem vencerá. Parece exagero, mas não é. Desde o início tenho defendido que a nova legislação florestal somente seria aprovada com a derrota dos fundamentalistas. Quem convive com esse assunto sabe que duas posições radicais se digladiam: de um lado, os ruralistas tacanhos, de outro, os ambientalistas puros. Ambos utilizam argumentos exagerados, sectários, para defender suas teses. Os primeiros nunca engoliram os conceitos da reserva legal (RL) e da área de preservação permanente (APP), armando-se para aniquilá-los. Esses ruralistas pretendem continuar abrindo fronteiras como antigamente, derrubando impiedosamente as florestas em nome do progresso socioeconômico. Não aceitam que se limite o uso da propriedade, e exigem que o estado os indenize, em dinheiro, pelas áreas ambientalmente impedidas dentro das fazendas. Os segundos querem fazer regredir áreas agrícolas ocupadas historicamente. Esses ecologistas afirmam que inexiste direito adquirido em matéria ambiental, querendo criminalizar os agricultores pelo desmatamento realizado antanho. Consideram que o uso produtivo dos brejos e das beiradas de córregos, das áreas inclinadas nas montanhas, dos topos de morro, constituem um “passivo ambiental” a ser resgatado pelos produtores rurais. Intolerâncias caracterizam os dois lados. Os ruralistas radicais enxergam os verdes articulados com ONGs dos países desenvolvidos, interessados em manter a supremacia do agronegócio mundial. Por que esses verdolengos não vão lá fora exigir a recuperação da biodiversidade nos pântanos europeus, ou nas pradarias do meio oeste norte-americano, perguntam provocativamente. Os ecologistas radicais mostram ojeriza ao ouvir o discurso em defesa da produção rural. Julgam aos agricultores sempre portadores de má-fé, com a inata malandragem de depredar a natureza. Por que os fazendeiros insistem em cultivar soja e abrir pastagens, com tanta boiada aumentando o efeito-estufa da Terra, questionam insistentemente. Exageros são comuns. Os produtores rurais irão à falência com essa proposta de lei ambiental, e faltará comida na cidade, dizem uns. Vai aumentar o desmatamento e piorar os desastres ecológicos, contrapõem outros. Curioso, e sintomático nesse debate, é perceber que ambos, embora ferrenhos adversários, criticam o mesmo texto, qual seja, a última versão do Código Florestal aprovada pelo Senado. Amor e ódio, como se sabe, se aproximam. Nos últimos três anos, a sociedade esteve sujeita à discussão polarizada, e estéril, travada entre os radicais, sejam ruralistas, sejam ambientalistas. A polêmica não esclareceu, ao contrário, confundiu a opinião pública. O antagonismo criado tolheu a participação, no debate, de quem oferecia moderação, conciliação de pensamento. As claques valorizam o golpe na jugular, jamais o afago condescendente. Em despeito, porém, da gritaria dos donos da verdade, se realizou no Senado uma produtiva concertação sobre a matéria. Para o acordo de votação convergiram 57 Senadores, restando 7 contrários. O texto aprovado, agora retornado à Câmara, não representa o ideal, mas enseja o possível. Esverdeou o projeto inicial sem agredir a produção no campo. A versão sobre a mesa permite sair da problemática, adentrando na “solucionática”. A nova proposta do Código Florestal amenizou a carga contra os recentes desmatadores, trocando suas multas pela recuperação ambiental das áreas degradadas. Trocou o incerto pelo resultado positivo. Criou uma regra boa ao empurrar todos os produtores para o novidadeiro Cadastro Ambiental Rural. Agenda positiva. Pela primeira vez, ademais, a legislação trata da recuperação de áreas degradadas, e não apenas da supressão vegetal. A boa prática agrícola será valorizada, e a mata virgem começa a receber valor no mercado. Além dos clássicos, e repressivos, mecanismos de comando-e-controle, finalmente a legislação florestal pensa em remunerar os agricultores pelo serviço ambiental que podem prestar à sociedade. Isso é sensacional. Mas não pensam assim os radicais. Procuram pelo em ovo. Utilizam-se de arrazoados cujas suposições se assemelham àquelas capazes de derrubar grandes aviões, ou seja, se todas as combinações negativas ocorrerem ao mesmo tempo, haverá uma catástrofe. Apostam no pior. Os arautos do preservacionismo verde preferem salvar a biodiversidade do planeta que investir na civilização humana. Predicam contra a história. Já os paladinos do ruralismo atrasado querem que se dane a ecologia. Pregam o inaceitável. Uns travestem a luta ambiental do messianismo religioso, como se enviados do céu para salvar os pobres mortais da barbárie ecológica. Outros, os reacionários do campo, se disfarçam de redentores dos povos famintos, para lhes dar uma banana. Desculpem-me o depoimento pessoal. Há 30 anos lancei meu primeiro livro, intitulado “Questão Agrária e Ecologia” (Ed. Brasiliense). Em São Paulo, fui secretário da agricultura de Mário Covas e secretário de meio ambiente de José Serra. Navego, há tempos, com um pé em cada canoa, subordinado à ideia do “agroambientalismo”, movimento que une, e não separa, a produção rural da preservação ambiental. Somente uma aliança entre a produção rural e o meio ambiente será capaz de resolver o terrível dilema da humanidade: garantir a segurança alimentar sem destruir a natureza. Os radicais apostam no contrário, fomentam a desavença. Dá até bom discurso, mas não projeta o futuro.
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