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Scot Consultoria

Vantagens e mais vantagens da exportação brasileira de gado em pé


Segunda-feira, 14 de dezembro de 2009 - 17h16

Está circulando por aí um trabalho encomendado por uma ONG, de autoria de renomado economista, descendo a lenha nas exportações brasileiras de gado em pé. O autor analisou questões relativas à agregação de valor, geração de emprego na indústria frigorífica, barreiras comerciais à carne e ao boi vivo, etc. A conclusão do estudo é taxativa: a exportação de bovinos vivos é uma atividade retrógrada, que não gera benefícios econômicos e que deve ser substituída pela exportação de carne, couro e subprodutos. Em nossa opinião, porém, o referido estudo peca, de um lado, em não analisar algumas questões importantes. De outro, em realizar afirmações enviesadas que não consideram todos os lados de boa parte dos temas abordados. Nosso objetivo, portanto, é apresentar outra visão sobre a exportação brasileira de gado em pé, oferecendo uma linha alternativa de raciocínio. Seremos rápidos e rasteiros. Direto ao ponto. Agregação de valor, geração de renda interna e de empregos Os defensores da produção e comercialização de produtos processados muito se valem de análises de agregação de valor, de geração de renda e de empregos para sustentar posições contrárias aos negócios envolvendo produtos primários. A questão é que, no que diz respeito à agregação de valor, geração de renda e de empregos ao longo de cadeias produtivas, a análise é mais complexa do que pretende o estudo encomendado por essa ONG. Veja, na figura 1, a distribuição do PIB do agronegócio pecuário em 2008. Chamo a atenção para o fato de o PIB do setor de insumos para a pecuária ser praticamente igual ao da indústria, sendo que o da pecuária é duas vezes e meia maior. Em termos de geração de riqueza, portanto, é a pecuária quem manda. O PIB gerado no campo supera o PIB de que vem antes e de quem vem depois da porteira. Vale destacar outro aspecto. A indústria de insumos é altamente agregadora de valor, geradora de empregos e de renda. Ela pega o fosfato bicálcico e outras matérias-primas, por exemplo, e as transforma em um suplemento protéico que levará um garrote a ganhar 250g/dia de peso vivo em pasto seco. Ela usa a química para transformar uma determinada molécula num vermífugo de longa ação, que combate endo e ectoparasitas por mais de 100 dias; e por aí vai. Depois, investe na distribuição desses produtos e na assistência técnica aos seus clientes, os pecuaristas. O sucesso da indústria de insumos, em termos de produção, vendas, receitas e geração de empregos, está diretamente relacionado à renda da pecuária. Se o produtor vai bem, a indústria de insumos vai bem, no que convencionamos chamar de relação ganha-ganha. E o contrário também é verdadeiro. Veja a figura 2. Se somarmos o PIB desses dois setores interdependentes, insumos e pecuária, o montante chega a R$117,97 bilhões, 255% acima do PIB da indústria. Aliás, somente a indústria de alimentação animal gera 80 mil empregos diretos (imagine se buscarmos os números dos segmentos de produtos veterinários, sementes, defensivos...). Nas fazendas, se consideramos 1 funcionário para cada 300 cabeças (numa estimativa grosseira), temos mais 660 mil empregos diretos, sem considerar os proprietários/controladores. Veja, na figura 3, o comportamento da diferença do preço do boi gordo no Pará, de onde saem mais de 95% dos bovinos vivos exportados pelo Brasil, em relação ao de São Paulo, que é o estado balizador do mercado do boi gordo. O boi paraense está, nos últimos anos, ganhando valor em relação ao paulista. E eu tive a oportunidade de comprovar, in loco, que esse ganho está sendo convertido em investimentos produtivos, através do uso mais intensivo de insumos e da adoção de estratégias de produção que há pouco tempo eram impensáveis para o Pará, como a integração agricultura-pecuária e a terminação de animais em confinamento. Mas o desempenho da indústria frigorífica também não está diretamente relacionado à renda da pecuária? – Não, não está. O boi responde por cerca de 80% do custo de produção do frigorífico, portanto, o frigorífico sempre vai ofertar o preço mais baixo possível (já para a indústria de insumos, o ideal seria que o boi subisse sem parar). Na fase de baixa do ciclo pecuário, ganha a indústria e perde o produtor, sendo que o contrário também é verdadeiro. O fato de exportarmos mais carne não significa que a pecuária gozará de preços mais convidativos, gerando emprego e renda no campo e na indústria de insumos. Muito pelo contrário, entre 2002 e 2006 as exportações brasileiras de carne bovina aumentaram, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), 137% em volume e 254% em valor. O boi em São Paulo (maior estado exportador de carne bovina), por sua vez, reagiu apenas 10% em termos nominais, com queda de 24% em termos reais, no mesmo período. Em junho de 2006, o boi atingiu o menor valor dos últimos 50 anos(!!): R$59,48/@, que se refere a R$50,00/@ atualizados pelo IGP-DI. Tal situação levou a um processo de “desinvestimento” na pecuária, ou seja, no campo, com redução do uso de insumos e descarte de matrizes, culminando em retração do rebanho, queda dos abates e da produção de carne bovina entre 2006 e 2008. Esse movimento afetou negativamente o desempenho dos próprios frigoríficos, que entraram na crise, em 2009, debilitados (receita em queda e ociosidade elevada). O resultado está aí: o fechamento de mais de 50 unidades de abate, desemprego e retração da renda interna. Será que novas alternativas de comercialização, como as exportações de gado em pé, não contribuem para a manutenção de preços mais equilibrados, que por sua vez geram estímulos contínuos (ou menos descontinuados) a investimentos e, conseqüentemente, favorecem a expansão sustentável do agronegócio pecuário, com mais geração de emprego e renda? Sustentabilidade Há algum tempo realizamos um estudo, também para uma ONG, sobre a expansão da pecuária na Amazônia Legal. Os preços atrativos da terra atraiam pecuaristas pressionados pelo avanço da agricultura e, conseqüentemente, pela valorização da terra no Centro-Sul. Com o passar dos anos, porém, as diferenças de preço de terra entre Norte (Amazônia Legal) e Centro-Sul foram se estreitando. Ao mesmo tempo, a legislação ambiental endureceu e a fiscalização apertou. Podendo explorar apenas 20% da área, sendo que os preços já não eram tão baixos, o principal atrativo para a expansão da pecuária no Norte do país se perdeu. E é preciso considerar também que a região enfrenta problemas graves relacionados à logística e aos custos de produção (apesar das condições naturais favoráveis, os insumos chegam mais caros). Para que a pecuária do Norte do país passe agora a adotar um modelo de expansão mais sustentável do ponto de vista sócio-ambiental, ou seja, através de incorporação contínua de tecnologia para aumento da produtividade, é necessário estímulo. Esse estímulo pode vir do setor público, através de crédito e facilidades fiscais, por exemplo, e (principalmente) do mercado, através de preços comparativamente atraentes. E é aí que está a contribuição das exportações de gado em pé, como mostramos anteriormente (volte à figura 3). O aumento da concorrência pelo boi tende a promover a valorização da arroba. A melhoria dos resultados, por sua vez, tende a fazer com que o pecuarista invista em tecnologia. Dessa forma, promove-se o desenvolvimento sustentável da atividade, a geração de empregos dentro e antes da porteira e, por fim, mais divisas para o país. Esse raciocínio me remete a uma matéria relativamente recente da revista DBO Rural. O destaque era uma fazenda da região de Paragominas – PA, que se mostrava extremamente produtiva, com resultados econômicos bem interessantes, mesmo explorando apenas 20% da área disponível. Chamou a atenção o fato de o proprietário estar diversificando a produção. Produzia, além de boi, feno. Feno no Pará? – Sim, senhor. Para quê? – Para alimentar, nos navios, animais que estão sendo exportados vivos. Competição Ao contrário do que querem nos fazer crer, a exportação de gado em pé não compete com a produção de carne bovina. Isso até acontece localmente, no caso do Pará, o que não é necessariamente ruim (como já discutimos). Mas definitivamente não acontece em termos de Brasil. Acompanhe, na tabela 1, a evolução das exportações de gado em pé e a representatividade em relação ao total de animais abatidos no Brasil. Apesar do forte crescimento, as exportações de gado em pé equivalem hoje a 1% dos abates brasileiros. Além de ser muito pouco, o detalhe importante é que o aumento de representatividade observado entre 2005 e 2009 se deu justamente num período de retração dos abates, em função dos reflexos negativos da queda de investimentos no campo ocorrida entre 2002 e 2006. Veja só. Entre 2005 e 2009 o Brasil deverá exportar aproximadamente 368 mil cabeças a mais. Os abates, porém, deverão recuar em quase 4,5 milhões de cabeças. Pode estar faltando matéria-prima para a indústria, mas não por conta das exportações de bovinos vivos. Atualmente, com retenção de matrizes e retomada de investimentos em tecnologia, a tendência é de crescimento do rebanho e dos abates. Continuará havendo espaço, portanto, para o desenvolvimento dos dois modelos de negócio: exportação de carne e de gado em pé. Aliás, essa é uma das vantagens da pecuária brasileira. Ela é grande o suficiente para permitir o desenvolvimento de vários modelos de negócio. Vale a pena jogar essa vantagem pelo ralo? Diversificação e redução de risco Reportagem baseada em afirmações do ex-ministro Marcus Vinícius Patrini de Moraes, atualmente executivo da JBS, publicada na revista Veja de 2 de dezembro de 2009: “Seu grupo passou a ter prejuízo nas vendas ao exterior em abril, quando o dólar caiu abaixo de 2,30 reais. Segundo Pratini de Moraes, a partir desse valor, mesmo as operações industriais mais simples, como as dos frigoríficos, tornam-se economicamente inviáveis. No patamar atual do câmbio, de 1,70 por dólar, só a exportação de boi vivo continua rentável”. Tem lógica, portanto, criar barreiras a um negócio que atravessa momento mais favorável, em detrimento de um negócio que atravessa um período ruim, simplesmente por conta da bandeira da agregação de valor (amplamente discutível, aliás), mesmo que um não atrapalhe o outro? – Eu acho que não. Abrir novos mercados e diversificar o mix de produtos são estratégias de redução de risco de venda. É por isso que os maiores exportadores de gado em pé do Brasil são, justamente, dois frigoríficos. Eles perceberam isso. Aliás, os frigoríficos exportadores de gado em pé não integraram as listas de falência e de pedidos de recuperação judicial do último ano, que foram bastante longas. Uma historinha para ajudar a expor o raciocínio. O seu Manoel e o seu Joaquim são sócios num negócio de padarias. São duas, cada um administra uma. O Manoel descobriu que, se vender o queijo ralado ao invés de queijo inteiro, terá lucro de R$5,00 por quilo, ao contrário de R$2,00 por quilo. Portanto, parou de vender queijo inteiro e passou a vender só o ralado, avisando o Joaquim para fazer o mesmo na outra padoca. O Joaquim, porém, observou que ele conseguiria atender toda a demanda por queijo ralado e, ainda, atender os clientes que querem queijo inteiro e que, portanto, não compram o ralado. Um negócio não atrapalha o outro. Eles se complementam, a renda da padaria cresce e o risco de venda diminui (graças à diversificação). Mas quando ele comunicou seu sócio de que iria vender os dois produtos, percebeu certa resistência. O Manoel insistiu na venda somente do queijo ralado, por ter mais “valor agregado”, mesmo que isso prejudicasse, ao final, a receita total da empresa e aumentasse o risco de venda. Esse é mais ou menos o raciocínio que estão querendo empurrar no caso das exportações de gado em pé. De minha parte, sugiro àqueles que compartilham da visão do seu Manoel, que a apliquem em seu próprio negócio, mas não tentem empurrá-la ao negócio dos outros. Livre mercado Somos, aqui na Scot Consultoria, defensores ferrenhos do livre mercado. Desde que as transações não gerem riscos ao país (como o risco de problemas sanitários) e contribuam para a geração de emprego e renda. É por isso que defendemos as exportações de gado em pé, da mesma forma que não somos contra a importação de bovinos vivos (desde que os pré-requisitos citados anteriormente sejam cumpridos). Não sei se o amigo leitor sabe, mas às vezes as indústrias frigoríficas importam animais de países vizinhos para reduzir o déficit de abastecimento. Há pouco tempo estava entrando gado do Uruguai para ser abatido no Rio Grande do Sul. E aí... exportar não pode, mas importar pode? Precedente perigoso No Brasil existe a mania de taxar ao invés de estimular. Quando se procura criar vantagens competitivas a um determinado segmento ou setor, faz-se isso em detrimento de outro. Pode ser o caminho mais fácil, mas com certeza não é o mais construtivo e o que proporciona melhores resultados em longo prazo. O recente estudo contrário à exportação de gado em pé aponta, como case de “sucesso”, a taxação do couro wet blue, que teria ajudado a promover as exportações de produtos de maior valor agregado por parte da nossa cadeia coureiro-calçadista. Na verdade, como já analisamos em outra oportunidade, a taxação do wet blue foi e continua sendo um desastre para pecuaristas, frigoríficos e pequenos curtumes. Nenhum derivado bovino perdeu valor como o couro verde ao longo dos últimos anos. A receita dos frigoríficos despencou e a pressão sobre seus fornecedores, os pecuaristas, aumentou significativamente. Logicamente que tal situação não é fruto exclusivo da taxação do couro wet blue, mas dificultar a saída de um produto que tem de sobra no mercado doméstico não é uma boa estratégia de aumento de competitividade da cadeia. Sim, amigo leitor, as indústrias de calçados, de estofados e artefatos diversos não têm capacidade de absorver todo o wet blue gerado por aqui, sendo que o Brasil é literalmente obrigado a exportar boa parte da produção, com ou sem taxa. Para ler a análise da taxação do wet blue, clique aqui. Começamos com o wet blue. Agora, defende-se a proibição, a tributação, a regulação e/ou a criação de cotas para as exportações de gado em pé. Aonde isso vai parar? Num país de sanha arrecadatória insaciável, é no mínimo preocupante topar com análises que defendam estratégias desse tipo. O que fazer? Vejamos o exemplo australiano. O país é grande exportador de carne bovina e de gado em pé a longas distâncias. Um negócio não compromete o outro, sendo que na Austrália as exportações de gado em pé também têm registrado fortíssimo crescimento (tabela 2). Os agentes da cadeia produtiva da carne bovina da Austrália não perdem tempo com um tentando minar o negócio do outro. Não fazem lobby, junto ao governo e ao setor produtivo, para criar dificuldades à expansão das atividades locais. Pelo contrário, atuam em conjunto, através de entidades fortes, em defesa do agronegócio pecuário, na ampliação de mercados, na promoção de inovações, etc. Para quem tiver curiosidade, vale a pena navegar pelo site do Meat and Livestock Australia (MLA) – www.mla.com.au – e ver como se trabalha de forma construtiva. A pecuária brasileira já tem sido bastante castigada por pressões externas de origens diversas. Gerar mais conflitos, dentro da própria cadeia, é um desacerto. É preciso, na verdade, coesão, para enfrentar desafios importantes, dentre os quais destacam-se: 1. A criação e implantação de um modelo de rastreabilidade que seja simples, funcional, de custo baixo e que, ao mesmo tempo, atenda de forma satisfatória as exigências do mercado internacional; 2. O combate ao abate informal, esse sim um concorrente de peso para a indústria que trabalha legalmente, pois responde ainda por cerca de 35% do abate brasileiro (as exportações de gado em pé respondem, vale lembrar, por apenas 1% dos abates). A isenção da PIS/COFINS ajuda, mas é preciso pressionar o governo no sentido de aumentar a fiscalização e aplicar punições com rigor; 3. A defesa da imagem da pecuária, assumindo postura ambientalmente responsável e criando mecanismos, públicos e privados, de incentivo à incorporação de tecnologia; 4. A promoção de boas práticas de produção ao longo de todo o processo de geração e comercialização de bovinos e derivados, incluindo aí o transporte de animais vivos a longas distâncias. Que tal uma pauta conjunta, para todos os elos e agentes da cadeia produtiva da carne bovina, que inclua esses temas? Eles não são mais importantes e urgentes do que essa discussão enviesada sobre as exportações de gado em pé? Apoio:
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