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Scot Consultoria

Esganando o enforcado


Sexta-feira, 31 de julho de 2009 - 09h21

As exportações brasileiras de couro wet blue, o primeiro estágio de curtimento, são taxadas em 9%. Esse imposto já foi, já voltou, já diminuiu e já aumentou. Mas o que ele precisava mesmo era sumir de vez. Argumenta-se que a taxação beneficia as indústrias brasileiras de calçados, estofados e artefatos, pois disponibiliza a elas matéria-prima a preços competitivos. Além do mais, a taxação estimularia a agregação de valor dentro dos próprios curtumes, levando-os a produzir couro semi-acabado (crust) e acabado. Agregação de valor, na teoria, gera mais emprego e renda. Mas aí a gente cai no erro de analisar apenas um lado da questão. É preciso questionar o seguinte: falta matéria-prima no mercado doméstico a ponto de ser necessário dificultar a saída de wet blue? E mais - Os supostos benefícios que o imposto gera, para uma ponta da cadeia, superam os impactos negativos registrados na outra? Não seria melhor estimular a agregação de valor através de benefícios fiscais e linhas especiais de crédito, ao invés de taxar a saída de um produto de menor valor? Vou começar de trás pra frente. É óbvio que estimular é melhor do que taxar. Mas também é mais difícil, mais trabalhoso, e exige certo nível de abstração mental que os nossos formuladores de políticas públicas, normalmente, não possuem. A taxação do wet blue tem causado estragos gigantescos. Afinal, há sobra de couro no mercado doméstico, apesar dos abates estarem reduzidos. Acompanhe, na figura 1, a evolução da produção de peles bovinas (couro verde ou cru), no Brasil, ao longo dos últimos anos. Veja que a produção brasileira saltou de 24,09 milhões de peles em 1994 para 42,46 milhões em 2008, um aumento de 76%. O interessante é que, de acordo com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a indústria nacional tem capacidade de usar somente 15 milhões de peles para transformar em produtos acabados. O restante tem que ser exportado. Dentre os tais produtos acabados, tem-se os calçados. Esse segmento deixou de ser, há anos, o principal destino do couro, pois os produtos sintéticos tomaram o espaço do derivado bovino. Aí o couro passou a ser direcionado, principalmente, para as indústrias automotivas e moveleiras (estofados). Veja a figura 2. A questão é que, em termos mundiais, o ritmo de crescimento da produção das indústrias de móveis e automóveis é ditado pelos Estados Unidos, o pai da crise global. E esses são, justamente, os setores mais afetados pela atual depressão econômica. Se analisarmos o destino das exportações brasileiras de couro bovino, veremos que aproximadamente 50%, em termos de volume, vai para a China e Hong Kong, 30% para a Itália, quase 3% para o Vietnã e somente 2% para os Estados Unidos. Na prática, porém, boa parte dos compradores europeus e asiáticos trabalha o couro brasileiro para depois vender para empresas norte-americanas. Esse imbróglio todo pressiona os curtumes, que pressionam os frigoríficos. O resultado é a queda do preço do couro verde. Acompanhe, na tabela 1, as variações comparativas de preço do boi gordo, do sebo, da carne bovina, da farinha de carne e ossos e do couro verde entre julho de 2007 e julho de 2009. O tamanho da desvalorização do couro verde realmente não está no gibi! A Scot Consultoria começou a levantar esse mercado em abril de 2001. Naquela época, pesquisávamos apenas o couro catado (proveniente de matadouros e pequenos frigoríficos), que é de menor valor. Mas o que aconteceu com ele pode ser extrapolado para o couro de primeira linha. Veja a figura 3. Entre abril de 2001 e julho de 2007 a cotação do couro verde catado despencou 91%, em termos nominais! Nenhum outro derivado bovino perdeu valor ao longo desse período. Em termos reais, ou seja, considerando a inflação, a desvalorização dessa matéria-prima foi de 96%. Quase zerou! Veja o impacto dessa incursão ladeira abaixo na receita do frigorífico (a idéia dessa análise eu “roubei” de um relatório da CNA). Vamos considerar que um bovino de 17 arrobas produz 40 kg de couro. Acompanhe, na figura 4, a evolução da receita obtida pelo frigorífico, na venda do couro verde, em relação ao preço pago pelo boi gordo. O gráfico da figura 4 foi construído com base no couro catado, pois a nossa série histórica, para esse produto, é mais longa. Ele mostra que, em abril de 2001, a receita obtida pelo frigorífico, na venda do couro, equivalia a mais de 12% do valor que ele havia pago pelo boi. Hoje ela equivale a menos de 0,6% do valor do boi. Vamos ilustrar a coisa de outra forma. Dê uma olhada na tabela 2. A comparação mais “legal” da tabela 3 é com o sebo. Com um quilo de couro catado comprava-se, em abril de 2001, quase 2,85 quilos de sebo. Hoje, um quilo de sebo é que compra mais de 6 quilos de couro. Essa situação nos levou, no dia 13 de julho, a publicar o estudo “O problema da margem da indústria frigorífica não está na carne”. Vou resgatar aqui algumas informações daquela análise. Veja a tabela 3. A tabela traz as diferenças de preço entre os equivalentes Físico e Scot e o boi gordo. Quanto menores, ou seja, “menos negativas” as diferenças, melhor para o frigorífico. O Equivalente Físico é a carcaça bovina no atacado, que no dia 28 de julho estava em R$72,24/@. Já o Equivalente Scot, que no mesmo dia estava em R$74,24/@, apura a receita do frigorífico na venda da carcaça, do couro e do sebo. O boi estava em R$82,00/@. Veja que a defasagem do Equivalente Físico para o boi, na média de 2009, tem ficado dentro de um patamar considerado bom (abaixo da média de 2003 a 2009). Hoje ela está na faixa de 12%, é verdade, mas ainda assim fica um pouco abaixo da média dos últimos anos. Já a defasagem do Equivalente Scot para o boi vem aumentando sem parar desde 2006, sendo que a média de 2009 está acima do patamar normal, sendo praticamente o dobro da registrada nos melhores anos (2005 e 2006). Atualmente, aliás, ela está em quase 9,5%! Se o problema não está na carne, só pode estar no couro e/ou no sebo. O sebo realmente tem trabalhado em baixa ao longo das últimas semanas, mas o couro vem trabalhando em baixa há anos. Hoje, ao menos quando analisamos o mercado doméstico, podemos creditar boa parte do aperto das margens dos frigoríficos ao couro, e não à carne. O couro virou pó. A carne tem, pelo menos, acompanhado o boi. E é justamente essa situação desconfortável, em termos de margem, que faz com que os frigoríficos resistam ao máximo em ceder reajustes ao boi gordo. O resultado é um início de entressafra amarrado, com o mercado andando de lado. É claro que não é a taxação do wet blue a responsável pela queda dos preços do couro verde. Mas ela serve para arrochar ainda mais as margens de uma cadeia que está, nitidamente, trabalhando no sufoco. Pequenos e médios curtumes (que trabalham principalmente com wet blue), frigoríficos e pecuaristas estão perdendo muito com essa política restritiva obtusa. Já passou da hora desse imposto cair.
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