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Scot Consultoria

O mercado já está pronto para entrar em fase de baixa?


Sexta-feira, 7 de novembro de 2008 - 16h48

Nos últimos dois anos e meio os preços pecuários têm variado bem acima da inflação. Na média brasileira, entre junho de 2006 e o início de novembro deste ano, as cotações do boi gordo subiram, em termos nominais, 83%. A arroba da vaca gorda, por sua vez, subiu 92%. Já para o bezerro, a valorização média foi de 97%. Veja na figura 1 a evolução do último ciclo pecuário, da entressafra de 1996 até a safra de 2006, e a fase de alta do ciclo atual, da entressafra de 2006 até agora. Tomamos São Paulo como exemplo, por ser a praça balizadora do mercado do boi gordo no Brasil. Historicamente, cada fase do ciclo pecuário dura de 3 a 4 anos, às vezes chega a 5 anos, graças a fatores “extras”. Acreditamos, por exemplo, que a fase de baixa do último ciclo foi esticada em função dos focos de febre aftosa no Mato Grosso do Sul e Paraná. Os ciclos pecuários são longos, pois o ciclo produtivo dos bovinos de corte também é longo. Um bovino nasce e morre em 3 ou 4 anos, ou seja, não é um frango que está pronto para o abate em 42 dias. E vale destacar que a fase de alta do ciclo atual ainda não completou 3 anos, ou seja, não alcançou o mínimo historicamente observado, sendo que o ajuste produtivo não foi nada modesto. Ajuste produtivo No período mais intenso da fase de baixa do ciclo anterior, entre 2004 e 2006, o PIB do setor de insumos para a pecuária recuou 7%, evidenciando que o produtor usou menos insumos, ou usou produtos de pior qualidade, afetando negativamente a produtividade. Além do mais, entre 2001 e 2006, o abate de vacas aumentou 169%, ao passo que o abate de bois cresceu apenas 39%, evidenciando que houve descarte forçado de matrizes. No Tocantins, por exemplo, o abate de vacas aumentou 1.029% no período, frente a um crescimento de 44% para o abate de bois. É fato que o abate de vacas, em função da valorização do bezerro e da redução dos estoques de fêmeas, agora está em queda. Porém, em termos proporcionais, o Brasil ainda está abatendo muita fêmea. Veja na tabela 1. Em geral, nas principais praças pecuárias do país, a participação das vacas no abate recuou entre 1 e 3 pontos porcentuais no primeiro semestre de 2008, na comparação com o mesmo período de 2007. É muito pouco para voltar aos níveis considerados normais. Faz-se necessário considerar que apesar da recuperação recente dos preços pecuários, os custos de produção subiram fortemente. A Scot Consultoria estima que, em média, o custo de produção da pecuária de alta tecnologia subiu 67% entre junho de 2006 e outubro de 2008. Para a pecuária de baixa tecnologia, a variação foi menor, 17%, em função do uso comedido de insumos. Mas os resultados também foram piores. Além de ter se passado ainda pouco tempo desde o fim da crise de preços, esse forte aumento dos custos limitou o ritmo da retomada de investimentos. Qualquer número que se analise aponta para o fato de que esses últimos anos de alta ainda não foram suficientes para promover um aumento significativo na oferta de gado. Em outras palavras, 2009 ainda tende a ser um ano de reduzida disponibilidade de bezerros e, principalmente, de animais terminados, mais ou menos nos mesmos níveis de 2008. Oferta x demanda Observe novamente a figura 1. O ciclo pecuário pode ser divido, na verdade, em três fases. Veja o último ciclo, entre meados de 1996 e meados de 2006. A fase de alta se estendeu, aproximadamente, entre a entressafra de 1996 e o início do ano 2000. Depois, houve uma fase de “acomodação”, até o início de 2002, com os preços acompanhando a inflação. A partir daí houve o início da fase de baixa, que se estendeu até junho de 2006. As fases de alta e de baixa do ciclo refletem os desequilíbrios na relação oferta x demanda. Quando há mais oferta do que demanda, os preços caem (fase de baixa). Quando há mais demanda do que oferta, os preços sobem (fase de alta). E quando elas estão equilibradas, o mercado se estabiliza (fase intermediária, de acomodação). Os números analisados indicam que, apesar da retomada de investimentos nos últimos anos, a oferta ainda não se “normalizou”. Se dependesse da oferta, portanto, o ciclo pecuário atual se manteria na fase de alta. Provavelmente não no mesmo ritmo dos últimos dois anos, mas ainda assim em fase de alta. Mas e a demanda? Entre 2006 e o início de 2008 a economia mundial, assim como a brasileira, crescia em ritmo forte, dando sustentação ao consumo. Destaque para os países desenvolvidos. E os grandes frigoríficos brasileiros ampliaram a capacidade de abate, promovendo um aumento da pressão de compra sobre o boi gordo. Como a oferta já vinha em queda, gerou-se um desequilíbrio a favor do aumento dos preços. Hoje, porém, há uma nuvem negra sobre a demanda. Mas para que ela recue de fato, existem dois caminhos possíveis: ou o consumo cai, ou a indústria, por qualquer outra razão além da retração do consumo, pára de comprar. É aí que a crise financeira vigente, detonada nos Estados Unidos, preocupa. O crédito, que antes era barato e farto, agora se tornou caro e escasso. E os frigoríficos praticamente só funcionam à base de crédito, sendo que alguns já não vinham trabalhando com as contas em dia, em função da forte valorização da matéria-prima. Esse fator, aliado a uma expectativa de queda de consumo, tem levado as indústrias a reduzir ainda mais os abates diários, suprimindo turnos, pulando dias de abate, decretando férias coletivas ou, simplesmente, fechando algumas unidades. E ao contrário do que vinha acontecendo no ano passado, os frigoríficos que estão fechando agora não vêm sendo adquiridos rapidamente por concorrentes. Afinal, se há um problema de crédito, todo mundo pensa duas vezes antes de imobilizar capital. Calma lá Como a crise acabou de eclodir, é preciso tomar cuidado com os exageros. Não há, por exemplo, indícios claros de que o consumo mundial de carne bovina recue em 2009. A hipótese mais provável é que ele se estabilize ou apresente uma expansão moderada. Mesmo porque, não é o mundo que corre risco de entrar em recessão, e sim a Europa e os Estados Unidos, principalmente. E vale lembrar que o Brasil não exporta carne in natura para os EUA, sendo que já vem embarcando, há algum tempo, muito pouco para a Europa, em função das novas exigências em torno da rastreabilidade. Além do mais, o câmbio está se estabilizando em um patamar relativamente favorável aos exportadores, tendo o Brasil acesso a mais de 140 mercados. Se um deles estiver sentindo muito a crise, os esforços de venda tendem a se direcionar para outro. Não podemos subestimar a estratégia de venda de uma indústria que, dois meses após a ocorrência de um foco de aftosa numa das principais praças pecuárias do Brasil (Mato Grosso do Sul), voltou a bater recordes de exportação. Vale considerar também que o mercado interno ainda absorve aproximadamente 75% da produção nacional de carne bovina, sendo que o Brasil tende a ser um dos países menos afetados pela crise. Talvez o problema maior esteja mesmo no crédito, mas os governos de várias nações têm demonstrado uma disposição enorme para fazer o dinheiro voltar a circular. Logicamente que ninguém espera que o volume e o custo do crédito se normalizem rapidamente, mas é possível amenizar os pontos de estrangulamento. E nesse período relativamente difícil, ganham as empresas bem administradas, com custos competitivos, bom volume e qualidade. Nesse caso, acreditamos que a cadeia produtiva da carne bovina do Brasil está bem representada. De olho na demanda O que fica claro é o seguinte. Como o “problema” da oferta ainda não foi equacionado, o que ditará o comportamento dos preços pecuários ao longo do próximo ano é, principalmente, o comportamento da demanda. Nesse caso, é preciso acompanhar de perto, com cuidado, os desdobramentos da crise financeira sobre a economia real, mais especificamente sobre a demanda por carne bovina. Se ela se mantiver mais ou menos estável em relação ao último ano, provavelmente terá continuidade a fase de alta do ciclo pecuário, ainda que mais moderada. Se ela recuar um pouco, em torno de 3%, a tendência é que tenha início a fase de acomodação. Porém, se a demanda despencar, pode ter início a fase de baixa. Nesse caso, perceberíamos que a “estacionada” do mercado nos últimos três meses foi, na verdade, a fase de acomodação. Ao longo dos próximos meses as atenções devem estar voltadas às informações e análises relacionadas ao crescimento econômico mundial, ao câmbio, ao resultado das ações do governo para aumentar a oferta de crédito, ao comportamento das vendas de carne no atacado e no varejo doméstico e à situação dos estoques dos principais importadores.
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