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Scot Consultoria

Confusão cambial


Quarta-feira, 8 de novembro de 2006 - 16h11

Apesar da taxa de câmbio artificialmente valorizada do período 1994-1998, o Brasil adota, oficialmente, o regime de câmbio flutuante. Isso significa que as cotações de moedas estrangeiras, em relação à nacional, flutuam ao sabor do mercado, ou seja, de acordo com a lei da oferta e da procura. Ou quase isso. Na verdade, existe o modelo de câmbio flutuante “puro” e o modelo “sujo”. Na prática, o primeiro quase não é encontrado. O modelo sujo, tido como o mais próximo do ideal, preconiza intervenções do Estado para impedir oscilações bruscas do câmbio. A intenção é minimizar o impacto dessas variações sobre as economias nacionais. Um exemplo é a compra de dólares por parte do Estado, a fim aumentar as reservas internacionais e reduzir a circulação de “verdinhas”. Tal estratégia, em tese, limita a valorização da moeda nacional ante a norte-americana. O que se discute aqui é que, ao menos no que diz respeito à política cambial, o governo brasileiro não tem caprichado na “sujeira”. Veja só. Ao longo dos seis meses que antecederam a posse do primeiro governo Lula, a cotação do dólar comercial passou de R$2,96 para R$3,44. Um aumento de 16,2% em função das especulações quanto aos rumos das políticas macroeconômicas. Após a posse - quando ficou claro que, no campo da economia, ter-se-ia mais do mesmo (só que com um pouco mais de arrocho) – os mercados se acalmaram e o Real começou a se valorizar. Entre janeiro de 2003 e outubro de 2006 a cotação da moeda norte-americana recuou 37,5%. Muitos setores que aproveitaram o câmbio favorável do biênio 2003/2004 agora se encontram, no mínimo, em situação delicada. A questão é que, com o dólar acima de R$2,80 por US$1,00, o Brasil consegue exportar qualquer coisa. Mas agora, com a taxa de câmbio abaixo de R$2,20 por US$1,00, a concorrência, notadamente por parte da China, e os entraves nacionais em termos infra-estrutura e legislação tributária se maximizam. Na verdade, eles afloram descaradamente. Analisemos as distorções que a maxi-valorização do Real tem infringido aos preços pecuários. Acompanhe, nas figuras 1 e 2, as variações dos preços do boi gordo em São Paulo, em dólares e reais corrigidos pelo IGP-DI, ao longo dos últimos anos. Figura 1. Preços médios do boi gordo em SP – US$/@ a prazo Figura 2. Preços médios do boi gordo em SP – R$/@ corrigidos pelo IGP-DI a prazo Considerando-se a evolução do mercado do boi gordo, de 1970 para cá, tem-se hoje um dos patamares mais baixos de preços em reais, porém um dos mais altos em dólares. Em reais, os R$50,41/@ de junho deste ano se firmaram como a cotação mais baixa dos últimos 36 anos, com base em valores corrigidos pelo IGP-DI. O preço médio de outubro, R$62,57/@, ficou 44,7% abaixo da média do período analisado. Já os US$29,12/@ de outubro de 2006 se destacam como o maior valor em quase 12 anos, ficando 49,3% acima da média entre 1970 e 2006. Pode? Com base apenas nos últimos 10 anos, a média da cotação do boi gordo em São Paulo, em dólares, ficou em US$21,15/@. Hoje, por exemplo, as cotações em Rondônia e Pará, que se destacam entre as mais baixas do Brasil, estão acima desse piso, alcançando cerca de US$23,00/@. Para o produtor, interessa o preço em reais. É nessa moeda que ele recebe e honra seus compromissos. Já o exportador, está de olho na arroba em dólares, pois é essa moeda que rege o comércio de carne no mercado internacional. Se o boi sobe demais em dólares, a única alternativa dos frigoríficos é tentar segurar, ou derrubar, os preços em reais, pois sobre a taxa de câmbio eles não conseguem exercer pressão alguma. Esse é um dos fatores, dentre outros tantos, que leva a cotação interna no boi gordo a manter uma forte correlação com a taxa de câmbio, como pode ser observado na figura 3. Figura 3. Arroba do boi gordo em SP e US$ comercial (vezes 10) em R$ Observe que em alguns momentos ocorre um “descolamento” entre o boi em reais e a cotação do dólar. Muitas vezes isso se dá nos períodos de entressafra, quando a reduzida oferta de animais terminados limita o poder dos frigoríficos na formação dos preços. Destaque para a entressafra desse ano (círculo vermelho). Realmente a redução na disponibilidade de animais para abate foi muito forte. Porém, outro fator também contribuiu para que houvesse tamanho descolamento entre boi e dólar. Veja a figura 4. Figura 4. Carne bovina in natura exportada pelo Brasil – US$/t. equivalente carcaça As cotações da carne bovina no mercado internacional reagiram significativamente. Para o Brasil, entre início de 2003 e outubro de 2006, os preços da carne in natura subiram 84,9%, o que amenizou, e muito, o efeito da valorização do real. O boi em dólares, no mesmo período, reagiu quase na mesma proporção: 87,8%. Ficou, como se diz, “elas por elas”. O preço da carne bovina está em alta no mercado internacional, graças a dois fatores principais. Primeiro, porque o consumo está aquecido, já que o mundo cresce a taxas anuais superiores a 4%, chegando a 6% para os países em desenvolvimento. Segundo, o mercado está enxuto, pois a produção européia está em queda, a Austrália trabalha no limite de produção, EUA e Canadá estão fora do mercado em função de casos de vaca louca, a Argentina vem praticando auto-embargo e o Brasil sofre algumas restrições em função dos focos de febre aftosa registrados em 2005. Por conta disso tudo, não só o Brasil se beneficiou do aumento de preços. Esse é um fenômeno mundial. De acordo com dados da FAO, órgão das Nações Unidas responsável por questões relacionadas à agricultura e alimentação, a cotação média da carne bovina exportada pelos Estados Unidos, por exemplo, reagiu 33,9% entre janeiro de 2003 e agosto de 2006, alcançando US$3.981/t. No mesmo período, a carne bovina congelada da Argentina se valorizou em 59,5%. Mas qual a tendência para os próximos anos? Analisemos algumas informações. O mundo deve continuar crescendo em ritmo forte, porém inferior ao observado nos últimos anos. As maiores taxas de crescimento tendem a continuar sendo registradas em países em desenvolvimento, sobretudo na Ásia, onde a carne bovina brasileira tem pouco acesso. Aí mora o perigo. Os Estados Unidos vêm retomando mercados e devem voltar a disputar, com a Austrália, a preferência asiática. Com a redução dos problemas de abastecimento e possível recuo de preços, a pressão sobre os asiáticos, para o arrefecimento de normas sanitárias, deve diminuir. Ruim para o Brasil. Japão e Coréia do Sul, por exemplo, só compram carne bovina de países totalmente livres de febre aftosa, e sem vacinação. Em termos gerais, a volta dos Estados Unidos e a solução dos problemas argentinos tendem a elevar a oferta de carne no mercado internacional e assim reduzir o ritmo de aumento de preços. Lógico que podem surgir oportunidades para o Brasil. O crescimento das exportações de carne dos Estados Unidos, por exemplo, pode levar a um aumento da necessidade de importação dos norte-americanos, acelerando as negociações para uma abertura comercial à carne brasileira. Fora isso os trabalhos de marketing, conduzidos pela Associação Brasileira de Carne Bovina (ABIEC), além do desenvolvimento de novos produtos podem favorecer a valorização da carne nacional. São muitos os cenários possíveis para 2007 em termos de preço da carne exportada. Uma grande interrogação paira no ar. De toda forma, o que fica claro é que um boi de R$70,00/@ - que vem sendo anunciado por alguns desde 2004, e até agora nada – equivaleria, com base num câmbio de R$2,15 por US$1,00, a US$32,60/@, o mais “caro” da América do Sul. Um boi de R$80,00/@, por sua vez, chegaria a mais US$37,00/@, patamar próximo ao praticado nos EUA. Na ausência de um forte aquecimento das vendas no mercado interno, acompanhado pelo aumento dos preços da carne bovina no mercado internacional, tais patamares romperiam ou chegariam muito próximos de romper a barreira do praticável. O dólar pode se transformar no grande vilão da pecuária brasileira em 2007. É passada a hora da política cambial deixar um pouco de lado o foco exclusivo no combate à inflação e se preocupar mais com o desenvolvimento sustentado de alguns setores da economia, notadamente aqueles ligados ao agronegócio.
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