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Scot Consultoria

Relação produtor-frigorífico


Segunda-feira, 2 de abril de 2007 - 08h31

Nessa Carta não vou escrever sobre questões de mercado. Não vou me prender aos preços, às escalas, ao dólar, etc. Na verdade, por força do hábito, seguem apenas algumas breves considerações, que podem voltar a ser exploradas futuramente: 1. Sim, o ciclo pecuário existe. Nos últimos anos, muitos deixaram de acreditar na existência dele. Cansei de ouvir considerações do tipo “esse aumento do abate de vacas não sinaliza descarte de matrizes” ou “se tem abate de matrizes, por que o rebanho não pára de crescer?”. Pois bem, os números oficiais de 2006 têm mostrado rebanhos em retração em vários Estados. E os preços de animais de reposição dispararam. Os reflexos já chegaram ao mercado do boi gordo. Isso porque a gente pode fazer e achar o que quiser, mas enquanto a tecnologia de clonagem não estiver sendo utilizada em larga escala, menos vacas sempre será sinônimo de menos bezerros. 2. Sim, as relações de troca tendem a piorar (já pioraram) para os invernistas, pelo menos este ano. O descarte de matrizes afeta primeiro o mercado de bezerros, através da redução de oferta. Nosso amigo Rogério Goulart, pecuarista e analista de mercado, escreveu uma bela análise a respeito da retração das relações de troca na sua última Carta Pecuária. Vale a pena conferir (www.scotconsultoria.com.br). 3. Não, não sei se o boi vai firme até o final da safra, ou seja, não sei se vai ou não haver desova em maio. Aliás, esse foi o tema da última Carta Boi. Safra é safra, independentemente do ciclo pecuário estar em fase de baixa ou em fase de alta. O que afeta muito o mercado nesse período é o clima. Em síntese, vale a pena ficar de olho na previsão do tempo. MUDANDO DE ASSUNTO Mas deixando o mercado de lado, quero retomar um assunto antigo. O relacionamento entre os elos da cadeia produtiva, mais precisamente a relação produtor-frigorífico. Não que ela não tenha melhorado nos últimos anos. Mas se formos colocá-la num balaio junto com questões relacionadas à adoção de tecnologia no campo, ao investimento em ferramentas de gestão, à modernização das plantas frigoríficas, à conquista de novos mercados para a carne brasileira etc., acredito que, em termos de avanço, ela tenha ficado na lanterninha. Mas como diz o ditado, “cada coisa tem seu tempo”. E talvez seja agora,o momento certo de se investir pesado na relação produtor-frigorífico. Acredito nisso porque os dois elos dão sinais concretos de amadurecimento e de maior disposição ao estreitamento dos laços. A indústria, nos últimos anos, se dedicou à modernização das plantas, à organização do setor frigorífico e à gestão dos negócios. Os resultados são vários, mas destaco, para ficar nos aspectos mais recentes, a concentração de mercado, a internacionalização e o início do processo de abertura de capital, extremamente importante para a captação de recursos. Os produtores, diante da pressão de custos, da retração dos preços e da perda de poder de barganha, também se mexeram e se organizaram. Esse processo é ainda embrionário, mas está em forte expansão, principalmente através de associações que têm deixado de trabalhar apenas com questões relacionas à caracterização racial e ao melhoramento genético para atuarem na organização da cadeia, na aproximação e negociação com frigoríficos e varejo, no compartilhamento de informações de mercado, e por aí vai. Algumas têm sido criadas exclusivamente para atender esses objetivos. Com a casa arrumada e com uma relação de forças mais equilibrada, produtores e frigoríficos estão mais susceptíveis ao diálogo, e daí têm surgido algumas parcerias interessantes. Mas é possível avançar mais. Veja o exemplo da relação fornecedor de insumos–produtor. Em termos de confiança e de resultados, ela cresceu muito em apenas uma década. O produtor confia no fornecedor de insumos, e este, por sua vez, se mostra comprometido com o resultado do cliente. Aliás, os termos “fornecedor” e “cliente” têm perdido espaço. Agora, eles se autodenominam “parceiros”. É uma mudança de conceito importante. Acredito que produtores e frigoríficos podem se tornar, realmente, parceiros. Apesar de ser uma relação comercial, que estará sempre sujeita a conflitos. Negociação de preço é negociação de preço. Mas como no caso de fornecedores de insumos e produtores, nada impede que, entre frigoríficos e produtores, ocorra também compartilhamento de informações, ações conjuntas para a resolução de problemas regionais, parcerias para atendimento de mercados específicos e por aí vai. Acho que esse é um desafio, principalmente, para as indústrias frigoríficas. Já que contam com maior representatividade, maior alcance (as maiores estão presentes em várias regiões) e se organizaram antes, elas podem dar o primeiro passo. SUGESTÕES Todos os frigoríficos deveriam ter um departamento ou divisão de “Relacionamento com Fornecedores e Parcerias”, ou algo do gênero. O nome pouco importa, o importante mesmo é cumprir algumas metas, que poderiam ser, por exemplo: 1. Levantar e criar um banco de dados que possibilite mapear os principais problemas enfrentados pelos fornecedores (pode ser, por exemplo, altos índices de cisticercose, infestação de cigarrinhas, etc.), nas diferentes regiões de atuação da indústria. A partir daí, auxiliar na resolução dos problemas. Pode ser, por exemplo, através de dias de campo integrados ou encontros técnicos com especialistas, de elaboração de cartilhas técnicas, etc.; 2. Auxiliar os fornecedores a participarem dos programas de bonificação. Não basta criar os programas, é preciso fomentá-los. Os produtores precisam, além de entender os objetivos, ser orientados sobre os benefícios e a melhor forma de alcançá-los; 3. Compartilhamento de informações técnicas. Nesse caso me refiro às informações relacionadas aos animais que chegam aos frigoríficos e à qualidade das carcaças. Essa satisfação que se dá ao fornecedor, o chamado feedback, é extremamente importante. Os eventuais problemas devem ser apontados e as soluções discutidas. Os avanços, por sua vez, devem ser destacados e comemorados; 4. Compartilhamento de informações de mercado. Aqui entram as informações relacionadas ao comportamento das exportações, ao desempenho das vendas internas, às mudanças de hábito dos consumidores, às reais perspectivas da indústria frente a problemas sanitários e tarifários, etc. É interessante que o produtor saiba o que acontece depois da porteira, para que possa atuar, junto com a indústria, na ampliação e no melhor atendimento aos mercados; 5. Estruturação de parcerias. Pode ser, por exemplo, para o atendimento de mercados específicos. E aí os produtores (normalmente um grupo) precisariam, primeiro, conhecer as reais necessidades desse mercado. Segundo, ser corretamente orientados sobre o tipo de animal que precisam produzir. Terceiro, conhecer as reais dificuldades relacionadas ao empreendimento. Por fim, principalmente no início, auxílio na organização do negócio. 6. Representar a indústria em encontros técnicos, dias de campo, cursos e fóruns de discussão que reúnam toda a cadeia. Esse ponto é importante. A indústria precisa aparecer mais, para deixar claro seu ponto de vista, suas dificuldades, seus anseios e, principalmente, para quebrar paradigmas. Aos organizadores de eventos cabe criar um ambiente de discussão saudável, aonde todos os elos da cadeia sejam bem recebidos e possam se expressar livremente. Outras metas podem e devem ser criadas. Os desafios são enormes, mas vale a pena enfrentá-los. A intenção é trabalhar na melhoria da qualidade da matéria-prima que chega à indústria, na compreensão e atendimento de necessidades específicas de diferentes mercados e, por fim, na mudança de imagem da indústria. Para melhor, claro. O objetivo maior, porém, é avançar na questão do relacionamento produtor-frigorífico. O desenvolvimento sustentado da pecuária de corte passa, inevitavelmente, por um bom relacionamento entre esses elos da cadeia produtiva. Negociação e disputas comerciais sim. Desconfianças, trocas de acusações e super promoção de interesses conflitantes, em detrimento de ações conjuntas, não.
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