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Scot Consultoria

Medo de quê?


Terça-feira, 2 de junho de 2015 - 16h56

Para o pecuarista, a comercialização dos animais gordos é determinante e tão importante quanto a qualidade da produção. Na pecuária de corte moderna, questões como genética, sanidade e sustentabilidade são recorrentes nos mais diversos debates sobre a atividade e, em diversos casos, aplicadas nas propriedades, porém, há ainda certa reticência à questão gerencial do negócio, seja em temas envolvendo o custo da produção ou ferramentas de proteção, muitas vezes desconhecidas e encaradas com certo receio por boa parte dos produtores.


No recorrente mundo globalizado e tomado pela informação, é preciso acompanhar a constante transformação e evolução dos modelos gestacionais. Assim, prever e ter em mãos os índices zootécnicos e produtivos da propriedade é necessidade. A crescente utilização de tecnologia no campo resume o caráter profissional tomado pela atividade. "E a tendência é que cada vez mais sejam utilizadas as ferramentas de negociação da Bolsa", projeta o trader da mesa agrícola do BESI Securities (São Paulo/SP), Leandro Bovo.


"Tanto via Mercado Futuro ou pelas Opções, a função básica da Bolsa é oferecer um serviço de seguro de preço, seja do dólar, taxa de juros, milho, boi, café ou qualquer mercadoria", inicia a superintendente Comercial do Agronegócio da BM&F Bovespa (São Paulo/SP), Fabiana Perobelli.


"Sinceramente, você gosta de ir ao banco?". Com este questionamento, o jornalista econômico do agronegócio, Antônio Reche, traça um paralelo à situação do produtor. "Acho complicado e acredito que este temor seja o mesmo do pecuarista", pontua o profissional com mais de 40 anos no meio e apresentador do programa televisivo Mercado Futuro do Canal do Boi (São Paulo/SP), gravado dentro da BM&F Bovespa, na capital paulista.


Segundo Reche, a burocracia e a necessidade de se adicionar mais um agente dentro do negócio, no caso a corretora, assusta e afasta. "Mas quando ele aprende, vira fã", afirma e sinaliza; "A Bolsa é uma ferramenta para diminuir os riscos".


Segundo Perobelli, nos últimos quatros anos houve um incremento na adesão pelo Mercado de Opções, gerando destacada liquidez à ferramenta e servindo como um exemplo da aproximação da Bolsa junto ao trabalhador rural. Além disto, a superintendente destaca o quão acessível é a ferramenta: "Um contrato se refere a 20 bois, ou seja, é um tamanho de produção para que qualquer um possa participar".


Porém, mesmo sendo enquadrado como um mecanismo simples, intuitivo e acessível, é necessário ao produtor uma orientação sobre o funcionamento da ferramenta. "Neste caso é importante buscar uma corretora com experiência no mercado agropecuário", sugere Bovo. Além disso, o pecuarista, ao travar os preços no Mercado Futuro, pode perder a oportunidade de uma alta e ter a sua troca prejudicada, se frustrando, opina o médico veterinário e consultor de Mercado da Scot Consultoria (Bebedouro/SP), Hyberville Neto. Fatores comuns que podem distanciar o pecuarista da Bolsa.


Ademais, um fator primordial não pode ser esquecido: o custo de produção. Efetivamente é preciso ter em mãos este dado, no sentido de projetar o futuro do negócio e ter ciência do valor a ser protegido no que tange o preço final. "Um pré-requisito", define o trader da mesa agrícola.


As diferentes modalidades. Ao decidir comercializar via Bolsa, mesmo que apenas parte dos animais da propriedade, o pecuarista tem duas opções: Mercado de Opções ou o Futuro.


No primeiro são negociados direitos de compra ou venda de lotes de ações, com preços e prazos de exercícios preestabelecidos. O objetivo da Bolsa, por tanto, é oferecer um mecanismo de proteção contra possíveis perdas causadas devido a flutuações imprevisíveis do mercado. Utilizado para adaptar o risco às expectativas e metas do investidor, seus participantes são conhecidos como hedgers.


"Esta é uma opção interessante, pois, diferente do Mercado Futuro, não existe um ajuste diário, ou seja, não há a necessidade de administração do fluxo dia a dia. Na verdade, funciona de forma semelhante a um seguro de carro", opina Bovo.


A superintendente Comercial do Agronegócio ilustra a situação: "Ao optar por esta modalidade, o pecuarista deve pagar um prêmio à corretora e escolher o quanto quer de seguro. Por exemplo, ele deseja comercializar o boi em outubro a R$ 160 a @; para isso, deve pagar R$ 2/@ no momento do fechamento do contrato. Depois, até a data da comercialização pode se esquecer do assunto. No dia combinado, suponhamos que o preço da @ caiu para 150. O pecuarista entregará os animais, cumpre o contrato físico com o frigorífico e recebe R$ 150/@. Porém, na sequência, ele deve contatar a corretora para receber os R$10/@, totalizando o valor inicial acordado, R$ 160/@. Agora, visualizando um cenário com uma arroba mais valorizada em outubro do que o contrato, R$ 170/@, por exemplo. Maravilha. Basta o pecuarista não exercer o seu direito e vender os animais na base de preço vigente".


Leandro Bovo corrobora a afirmação de Perobelli quanto ao crescimento da adesão por parte do pecuarista desta opção: "Noto muitos pequenos pecuaristas utilizando, atuando com cinco, três, até mesmo um único contrato. Como não é preciso acompanhar o mercado, ou seja, o pecuarista somente paga o seguro uma única vez e na sequência não há mais nenhuma dor de cabeça, qualquer produtor pode se utilizar desta ferramenta, seja de qualquer tamanho ou perfil".


Defensor das Opções como a melhor alternativa ao pecuarista, Hyberville Neto aponta o desembolso inicial, cerca de R$ 2/@, variável de acordo com a volatilidade e o tempo, como algo que pode assustar o pecuarista. Porém, vale reforçar, como explica a especialista da BM&F, a previsibilidade do negócio gerada a partir deste direito adquirido, fundamental para investimentos e ampliação das atividades, exemplifica: "No momento da compra do boi magro e tomada de decisão de quantas cabeças engordar, o pecuarista tem uma segurança ao fazer a operação com Opções".


A crescente adesão desta modalidade contrasta com o recente histórico do Mercado Futuro. "As Opções, ano após ano apresentam crescimento de adeptos, ao contrário do Mercado Futuro, que apresentou em 2008 seu maior volume, caiu, e agora opera com um patamar estável", informa Bovo.


Esta segunda opção de comercialização "não é para todo mundo", confirma Antônio Reche. Nesta modalidade, o pecuarista precisa estar capitalizado para suportar os ajustes diários do mercado e ter a margem de garantia depositada junto à corretora. "É preciso ter certo volume de capital, pois, todo dia vai entrar ou sair dinheiro da conta do produtor. E nem todo pecuarista tem dinheiro em caixa e está preparado para lidar com este fluxo. Este é o principal motivo para temer a Bolsa", continua o jornalista.


Reche explica na prática o funcionamento após a aquisição de um contrato futuro: "Se o pecuarista vende um lote de animais a R$ 160 a @ e, no dia seguinte este preço for para R$ 159, a parte compradora precisa compensar este R$ 1. Assim é que funciona este mercado. Se o preço for para R$ 161, aí então o pecuarista deverá tirar dinheiro do próprio bolso". Devido a isto, quem opera no Mercado Futuro, aponta o especialista, são grandes pecuaristas, agroindústrias exportadoras e grandes redes de food service, comprando ou vendendo bois, todos visando diminuir riscos de oscilação de preços, aponta.


A compensação ao final do dia é realizada pela Clearing, infraestrutura de pós-negociação da BM&F apontada como uma garantia pelo jornalista, pois tal instrumento não existe fora da Bolsa. "Ao realizar o ajuste diário, alguém tem que pagar e alguém receber. Isto trás uma movimentação no fluxo de caixa e também a consolidação do mais transparente instrumento de preço de boi, superior até mesmo ao balcão do frigorífico, pois, na Bolsa, o mercado inteiro está comprando e vendendo, então, qualquer um pode acompanhar os valores das transações", afirma Perobelli.


Assim, o Mercado Futuro de boi gordo pode ser encarado como uma espécie de garantidor de preço, onde o pecuarista trava o preço e administra o fluxo de caixa diário. Já as Opções garantem um preço mínimo. "Alternativas diferentes para perfis distintos de produtores", esclarece Bovo.


A opção direta. A comercialização via Bolsa não é a única possibilidade ao pecuarista. "Ela é apenas regularizada devido a presença da Clearing", pontua Reche. Ao lidar diretamente com o frigorífico, sem acionar a corretora ou qualquer outro terceiro, o Mercado a Termo se apresenta como uma forma mais simples ao pecuarista e vem aumentando nos últimos anos, como detalha Hyberville Neto.


"A base de ambas é praticamente a mesma", inicia o consultor da Scot Consultoria. No Mercado a Termo, ele explica, também existe o preço fixo, "semelhante aos contratos do Mercado Futuro, onde é possível travar determinado valor".


Há também a possibilidade do preço mínimo, porém, neste caso, diferente da Bolsa, quando o pecuarista precisa desembolsar no ato da compra do contrato o dinheiro do seguro, na comercialização direta com o frigorífico, este valor é descontado no momento em que a entrega do animal é consolidada. O consultor exemplifica: "O pecuarista realiza uma operação e fixa o preço mínimo para outubro em R$ 160 a @ com um custo de R$ 2/@. Caso a @ caia para R$150, ele receberá os R$ 160/@ e terá que arcar com o custo de R$ 2/@, resultando em uma arroba a R$ 158. Se o mercado apontar uma valorização do boi gordo e a @ chegar a R$ 170, o pecuarista receberá os R$ 170 menos os R$ 2/@, totalizando R$ 168/@. Ou seja, o frigorífico paga o valor combinado menos o custo da opção".


Outro ponto positivo no caso das negociações diretas com os frigoríficos apontado pelo consultor é a possibilidade de travar o risco da base, ou seja, a diferença dos preços de São Paulo, aonde opera a Bolsa, para outras regiões. "Para o pecuarista de São Paulo isto não tem diferença, mas, por exemplo, para um produtor em Minas Gerais sim, pois este negocia com o frigorífico R$ 5 a menos que o Futuro para São Paulo. Na Bolsa, se o mercado cair ou subir mais do que em São Paulo, ele somente arcará com a diferença de São Paulo. Já com o frigorífico, há esta proteção do risco de base".


É preciso quebrar paradigmas. Encarar a BMF como uma forma de proteção, e não especulação, este é o primeiro passo no processo de amadurecimento da pecuária brasileira. Para colocar em prática, por tanto, este pensamento, a primeira recomendação do gerente de Pecuária da Fazenda Buritis & Marca (Jussara/GO) e editor do blog Notícias do Front, Rodrigo Albuquerque, é a presença do especialista da área, o qual deverá fornecer suporte de informação e conhecimento denso e específico sobre o tema, desprendido da realidade da fazenda. "O gestor precisa ter voz ativa e entendimento para dar o norte de cada uma das áreas da fazenda, mas o conhecimento específico e isento é fundamental". 


Na sequência, assim como aprender a andar de bicicleta, é preciso praticar. "Poderá tomar alguns tombos, mas é preciso treino para dominar a técnica". E, como é possível, e até mesmo incentivado, manter a venda tradicional dos animais, Albuquerque sugere uma comercialização multiferramentas. Ele explica: "Imagine uma caixa de ferramentas somente com chave de fenda. Ela é boa e útil, mas não resolve todos os problemas. É preciso, por tanto, um ferramental comercial completo, para negociar efetivamente no mercado Spot, a Termo e também via Bolsa. Assim, será possível traçar diferentes estratégias ao longo do ano e de formas específicas", conclui o especialista.


O fato é que esta questão das diferentes modalidades de comercialização precisa ser desmistificada, reconhece Bovo. "Muitos tem certo medo e acham complicadas as diferentes formas de venda. Na verdade, é tranquilo e se torna intuitivo", opina e conclui: "O ideal é abrir uma conta em uma corretora e começar a operar mesmo que um único contrato, para aprender sobre o funcionamento e adquirir confiança".



Fonte: Revista Feed&Food, edição n° 06 (abril/maio/junho 2015). Texto de João Paulo Monteiro.



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