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Scot Consultoria

Sustentabilidade e competitividade na pecuária de corte na Amazônia


Quinta-feira, 12 de março de 2015 - 17h43

O BPA nada mais é do que um programa de gestão, que compreende todas as áreas de uma fazenda de pecuária de corte de maneira organizada e sistêmica, apoiadas no seguinte tripé: rentabilidade, sustentabilidade ambiental e socialmente justo. Pode até parecer contraditório à primeira vista, mas quando se procura tornar os sistemas produtivos mais eficientes, sobra espaço para as questões ambientais serem bem trabalhadas dentro da legislação vigente, enquanto se pode melhorar os lucros, pois se compra e desperdiça menos insumos para uma mesma produção. Afinal, uma agricultura com maior precisão evita gastos desnecessários. E precisão aqui não é necessariamente pensar em aparatos modernos e complexos, mas, antes de tudo, gerir com eficiência os recursos locais, sejam financeiros, ambientais, humanos, produtivos, entre outros.


Conjunto de normas


O BPA-Bovinos de Corte pode ser definido como um conjunto de normas e procedimentos a serem adotados pelos produtores para tornar os sistemas de produção mais rentáveis e competitivos, assegurando a oferta de alimentos seguros provenientes de sistemas de produção sustentáveis. Trata-se de programa liderado pela Embrapa, com base no programa Global Gap da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), adaptado às diversas cadeias pecuárias brasileiras, instituído pela portaria interministerial MAPA/MMA/MTE n.36/2011, o PRÓ-BPA. O principal objetivo do Programa é melhorar a competitividade do setor produtivo da pecuária de corte e reduzir o custo de produção com a incorporação de tecnologias que tornem viáveis a utilização de boas práticas no sistema de produção.


Níveis de adequação


Existem três níveis de adequação dentro do programa: ouro, prata e bronze, onde a propriedade que consegue atender 100% dos itens obrigatórios e 80% dos recomendáveis atinge o nível ouro. Contudo, a propriedade que conseguir atender o nível bronze em um ano, já recebe um laudo de implantação emitido pela Embrapa e entidades parceiras. Como o foco não é somente o produto final, mas o "como fazer", isto é, os procedimentos adotados para garantir o padrão mínimo de qualidade, a propriedade que pretende entrar no programa não precisa se preocupar em estar já 100% em conformidade, pois um técnico credenciado pelo Programa faz o levantamento inicial, identifica os pontos que necessitam de melhorias, e auxilia na correção das não conformidades observadas, de modo a atender os requisitos do BPA. Esta verificação é realizada uma vez por ano e, por ser de adesão voluntária, cabe ao proprietário renovar ou não 
sua participação anualmente junto ao Programa.


Pontos de controle


A fim de auxiliar na organização da propriedade, o programa se baseia nos principais pontos de controle presentes em uma lista de verificação inicial, onde são abordados os seguintes itens: gerenciamento da propriedade, função social do imóvel rural, gestão de recursos humanos, gestão ambiental, instalações rurais, bem-estar animal, manejo pré-abate, manejo de pastagens, suplementação alimentar, identificação animal, controle sanitário e manejo reprodutivo.


Desafios em Rondônia


No caso de Rondônia, existe um grande espaço para crescimento do BPA, pois o estado participa com uma fatia que varia de 7 a 9% de toda a carne bovina anual exportada pelo Brasil, além de exportar carne para 31 países, com destaque das exportações para Hong Kong (89 toneladas), Egito (76 toneladas) e Venezuela (19 toneladas). Contudo, o estado não exporta ainda quantidades tão expressivas para mercados mais exigentes e que oferecem melhor preço por arroba, como a Alemanha, Holanda e Japão, apesar de possuir mais de vinte frigoríficos com inspeção Federal, de acordo com os dados do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento - Mapa (2013). Logo, o BPA se mostra uma importante janela para agregar valor ao produto, inclusive por causa das bandeiras da sustentabilidade e responsabilidade social, tão cobradas internacionalmente.


Com 12 milhões de cabeças, e quase 40% do seu PIB ligado à pecuária, a carne de Rondônia ainda é "commodity", mas, a tendência é que no futuro não haja mais espaço para quem não tiver um produto de qualidade e adequado ao que se exige mundialmente. Cada vez mais será necessário justificar perante a sociedade as emissões de gases de efeito estufa em áreas utilizadas para pecuária, ainda mais na região da Amazônia legal. E, em um estado com oito cabeças de boi por habitante, nada melhor do que uma produção eficiente que permita aliar o cuidado ambiental e a recuperação de pastagens com a produção de carne, algo raro na maioria dos países desenvolvidos. Com a declaração de zona livre de aftosa com vacinação pela AIE desde 2003, condições climáticas favoráveis à criação como chuvas acima de 2100 mm anuais e altas temperaturas, terra mais acessível que em outras regiões, Rondônia está numa ótima fase em relação ao preço do boi gordo, pois a antiga defasagem em relação ao Sudeste, por exemplo, deu lugar a um aumento de cerca de 59% no preço da arroba, muito mais próxima dos preços de São Paulo, ao compararmos os preços de 2009 com 2014, conforme Scot Consultoria e Valor Econômico.


Laudo da Embrapa


O laudo de conformidade do programa BPA emitido pela Embrapa, quando de interesse da cadeia produtiva, poderá auxiliar na obtenção de certificados de qualidade, por organismos independentes e certificados pelo Inmetro, como já ocorre nos estados do Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, onde participam do programa a Associação Sul-Matogrossense dos Produtores de Novilho Precoce-ASPNP (MS), Associação dos Produtores de Carne do Pampa Gaúcho da Campanha Meridional (Apropampa) e Associação dos Produtores Rurais dos Campos de Cima da Serra (Aproccima - RS). No caso da Novilho Precoce, as propriedades com BPA já conseguem um diferencial no valor pago junto ao frigorífico, enquanto que em levantamento feito por Ries (2010) a APROCCIMA já atinge preço 14% superior ao preço pago no Estado do Rio Grande do Sul.


O pioneiro de Rondônia


Em Rondônia, o pioneirismo ficou por conta da Fazenda Don Aro, em Machadinho dOeste, onde o produtor Giocondo Vale abriu a porteira para o BPA, confiando na orientação do técnico Eanes Freire, da Secretaria da Agricultura da Prefeitura do município, capacitado através do Programa coordenado regionalmente pela Embrapa Rondônia, com apoio da Embrapa Agrossilvipastoril e Embrapa Gado de Corte. Giocondo tem desenvolvido uma política de gestão que é fundamental para que qualquer empreendimento rural obtenha sucesso hoje em dia, como frisa o gerente geral do Banco da Amazônia, que financia parte da adequação ao BPA da propriedade: a postura colaborativa dos seis funcionários residentes na propriedade, que recebem até o chamado "16º salário", graças à participação dos lucros que recebem e ao treinamento oferecido. O produtor ficou tão empolgado com o Programa, que além de respeitar os direitos trabalhistas básicos exigidos, resolveu ir além: realizar encontros semanais com os empregados, além de fornecer pequenos treinamentos e palestras com convidados, tanto ligados às boas práticas na propriedade, como também com questões de higiene, nutrição, educação, agronegócio, entre outros, todos registrados em ata. Além de já auxiliar no custeio de aulas particulares para os filhos dos funcionários.


Garantias para o consumidor


Uma das premissas do BPA é justamente garantir que o consumidor final estará consumindo carne de um sistema livre de trabalho infantil e/ou escravo. E o produtor se previne, ao evitar multas quanto às questões ambientais, problemas com a legislação trabalhista, dificuldades de financiamentos por não adequação e desperdício de insumos (vacinas, concentrados, fertilizantes, carrapaticidas, agrotóxicos) pela falta de organização do estoque. A não adequação dos produtores de Rondônia pode implicar em um impacto negativo para a exportação de carne pelo estado e é preciso estar atento, olhar para frente e estar preparado. Neste aspecto, a Don Aro mais uma vez tomou a frente, não se contentou em fazer a identificação dos locais apropriados para lixo comum, embalagens de agrotóxicos e defensivos vencidos, (estes últimos são bastante raros lá, devido à organização das compras e engenharia reversa com devolução ao fabricante das embalagens usadas), o que já seria o suficiente para o BPA, a propriedade também se tornou pioneira no estado em relação ao Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (PGRS), bem como ao Plano "Lixo Zero", com a filosofia de reaproveitar e separar pneus, borracha, plástico, papelão, etc, que em parte foram impulsionados pela pós-graduação em gestão ambiental do farmacêutico-proprietário. Quando da inscrição da propriedade no Programa, era possível encontrar ossadas de animais pelo campo, agora já existe um local para aterro identificado e longe das fontes de água, abundantes na propriedade. Além da tríplice lavagem de agrotóxicos que já existia na propriedade, a fazenda agora realiza a coleta seletiva com o devido destino de cada grupo (em sintonia com a Lei 12305/2010), pois contratou uma empresa de outra cidade que recolhe uma vez por mês boa parte dos resíduos.


A propriedade tem quase 1.600 hectares (ha), sendo 249 ha de áreas de preservação permanente, 163 ha de reserva legal e 58 ha de reposição florestal e encaminhou o cadastro rural ambiental (CAR) junto ao órgão competente. Com a devida orientação do programa BPA, Giocondo verificou que não só era necessário recuperar a maior parte dos mais de 600 ha de pastagem, em boa parte degradadas, que já havia iniciado através da estratégia sucessão arroz-pastagem, como também optou por desenvolver um programa de recuperação de APPs, pois o gado ia e voltava das fontes de água livremente. Atualmente, já cercou/isolou cerca de 60% das regiões de APPs, mantendo apenas um corredor de acesso para o gado beber sem provocar erosão, com 8-10 m de largura, sendo que já foram utilizados pelo menos 15.800 metros de cerca para esta finalidade. Embora fosse preciso apenas restringir o acesso a corredores cascalhados ou gramados para os animais para recuperar as APPs, o produtor optou pelo plantio de duas mil espécies florestais como: Caroba (Jacarandá macrantha Cham.), Maracatiara (Astronium graveolens), Bolão (Macrolobiumacaciofolim), Cumaru Ferro (Dipteryxferrea Ducke), Sumaúma (Ceiba pentandra (L)Gaert.), Garapeira (Apuleia leiocarpa (Vog.)Macbr), Ingaí (Ingá laurina), Ipê Amarelo (Tabebuiavellosi), dentre outras árvores nativas, e a fazenda já está adiantada em relação à meta de 25% de APPs cercadas a cada dois anos, para atingir os 40% restantes até 2020.


A propriedade, além de não usar o fogo na pastagem, produz e (re)aproveita sua própria madeira, pois além do cultivo da teca e castanheira já existentes, investiu recentemente no plantio de mais nove mil mudas de Castanha-do-Pará. Apesar de ter recebido o primeiro ouro do BPA em Rondônia, e décimo do Brasil, Giocondo não para: agora com a recuperação das pastagens em andamento, as próximas metas serão o aumento da capacidade de suporte e o término da adequação das instalações do curral dentro do programa boas práticas. Como diz o próprio Giocondo, é possível ter uma empresa agrícola e atuar de forma sustentável, sendo ecologicamente correto, economicamente viável e socialmente justo. Fica o convite para as propriedades e técnicos interessados em aderir ao BPA procurarem a Embrapa Rondônia, para tornar o Brasil sustentável e competitivo.


Fonte: revista Animal Business Brasil - por Elisa Köhler Osmari, publicado em 05/03/2015.



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