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Scot Consultoria

A cerca do Código Florestal


Segunda-feira, 7 de novembro de 2011 - 09h39

A cerca deste artigo é aquela que visa impedir o acesso de animais a locais inadequados, como as terras do vizinho, um pasto reservado para a época da estiagem ou uma área cheia de ervas venenosas. Mesmo que este tema não tenha sido trazido ao debate público, e para quem não é do ramo possa parecer uma questão menor, a cerca é um elemento central na revisão do Código Florestal e não deve ser menosprezada. Por que a cerca? Um total de 44 Mha dos passivos em Áreas de Preservação Permanente - APP (80% do passivo total) ocorrem sobre pastagens. Isto se explica pelo fato de as pastagens, ou os sistemas em que as lavouras aparecem integradas às pastagens, ocuparem 77% das terras em uso pela agropecuária no Brasil. Torna-se, assim, essencial e estratégico a busca por um caminho fácil, eficiente e de baixo custo para permitir a adequação à legislação da imensidão que representa esta situação (pasto em APP no lugar do uso exigido que é a floresta). A cerca tem um papel decisivo nesta discussão. A maior parte das pastagens do Brasil é utilizada para abrigar nosso imenso rebanho de gado de corte, que é produzido a pasto e geralmente em sistemas extensivos. Na lógica da produção extensiva, a fazenda é cercada, mas internamente há poucas divisões (cercas internas). Os pastos são grandes, assim como os lotes de animais. Nestes casos, pesquisas científicas rigorosas, a vivência dos que cuidam das fazendas, e as experiências de restauração em curso (como é o caso do município de Paragominas no Pará) mostram que sobre Cerrado, Floresta Amazônica e Mata Atlântica, a APP é facilmente restaurada pela simples interrupção das roçadas (ou aplicação de herbicida). Cessando a limpeza do pasto, arbustos, arvoretas e outras formas lenhosas surgem sombreando o capim. Na sombra, o capim fica mais tenro e mais digestivo para o gado. Num pasto que tem a APP em restauração já parcialmente sombreada, o gado irá primeiro consumir as folhas tenras, favorecendo as plantas lenhosas que passam a ter menor competição por água, nutrientes e espaço. As folhas duras dos arbustos e árvores não são atraentes para o gado, que não irá consumi-las a ponto de impedir a restauração da área. Assim, a presença do gado é benéfica para a restauração nesta fase. Sem a presença do gado, o capim, mais agressivo, poderia tomar conta de tudo. Repetindo este ciclo - fim da limpeza do pasto, plantas lenhosas se desenvolvendo, gado consumindo o capim - sobram apenas as árvores. Quando o sombreamento ficar muito intenso, o capim não brota mais. Até este momento, a restauração se deu sem investimentos por parte do pecuarista. Este, apenas deixou de roçar ou aplicar herbicida nas APPs ou em outras áreas a serem restauradas. Mas, quando nas APPs a vegetação começa a se fechar, surge o problema: a necessidade de isolamento da área por meio de cercas. As vacas têm o hábito de parir suas crias em ambiente recluso e protegido. Um capão de mata é ideal. Caso a APP, agora restaurada, fique sem cercas, muitas parições irão ocorrer por lá. Cuidar e encontrar a cria e sua mãe fica quase impossível. Na mudança do gado, o bezerro pode ficar para trás, dificultando os cuidados e podendo levar a morte dos animais. Junto à regeneração podem vir as ervas venenosas, que podem também matar o gado. Manejar o gado nesta situação fica difícil. Como resolver? Cercando as áreas de APP e as outras áreas regeneradas. Os custos são elevados. A cerca elétrica não sai por menos de R$2,6 mil o quilômetro (km), e a fixa pode chegar a R$7,0 mil o km. A manutenção fica mais cara também, mais gente e material para aceiros e consertos. Para viabilizar são necessárias duas medidas: financiar a implantação e repor os custos tanto da manutenção como da redução de área de pasto. Como viabilizar estas medidas? A forma mais fácil é pelo ganho de eficiência e, consequentemente, maior lucratividade da produção na fazenda. O caminho para isto está parcialmente percorrido quando as APPs estiverem cercadas. Esticando parte das novas cercas até os espigões, os pastos ficam menores, ou seja, a fazenda fica dividida em mais pedaços. Com pastos menores, o aproveitamento do capim pelo gado é melhor e permite o manejo rotacionado. Explicando: como há mais animais em espaço menor, a turma come tudo. As sobras são menores quando comparadas àquelas em que os pastos são muito grandes. O capim brota de forma mais uniforme, favorecendo seu desenvolvimento. Pastos pequenos, com lotes menores sendo transferidos de um pasto para outro com mais frequência, quando comparados com os pastos e lotes grandes, representam um ganho de eficiência importante. Na maior parte dos casos, são esperados ganhos de lotação entre 30 e 50%. Estes ganhos de eficiência certamente compensam a produção perdida na área restaurada e permitem também cobrir os custos de manutenção com sobras. Nesta fase, é importante também a instalação de bebedouros, evitando que o gado tenha que ter acesso às APPs restauradas. Medidas complementares podem ser necessárias, tais como: disseminar o conhecimento sobre a nova estratégia de manejo, com o tempo melhorar a qualidade do capim para otimizar a resposta ao manejo mais intensivo, e melhorar a genética do gado. No entanto, nada disto é urgente e pode ser feito com o tempo. O principal obstáculo que impede esse aumento de eficiência da pecuária extensiva é o custo das cercas, tanto para cercar as APPs como o restante necessário para dividir os pastos, além dos bebedouros. Aí vem a segunda possível sinergia: e se houvesse um financiamento para cercar as APPs, dividir os pastos e providenciar os bebedouros? A maior parte do problema estaria resolvida. Só não adotaria o novo negócio - uma pecuária mais eficiente e rentável, combinada com o cumprimento do Código Florestal nas suas mais do que justificadas exigências de preservação das APPs - quem tiver outros motivos para isto. O caminho mais tradicional seria este financiamento vir de créditos específicos, como os Comitês de Bacia, por exemplo. Créditos, de preferência com pouca burocracia e amplo acesso, considerando a enorme área a ser restaurada, bem como o elevado número de beneficiários. Uma opção complementar, no entanto, é utilizar o próprio mecanismo de compensação previsto no Código Florestal (Cota de Reserva Ambiental ou Servidão Florestal). Neste caso, quem deve Reserva Legal e não tem área para esta finalidade (porque seria obrigado a reduzir sua produção, por exemplo), poderia investir em uma fazenda de pecuária que tem potencial de aumentar sua eficiência e de restaurar uma área maior do que suas APPs e RL. O pecuarista poderia ter, desta forma, uma fonte adicional de financiamento para dar continuidade ao projeto intensificação da produção e adequação ambiental de sua propriedade. O que ele restaurar a mais serve como compensação para um produtor, que prefere compensar a RL fora de sua propriedade e pagará ao pecuarista por isto. Caso o mecanismo de compensação previsto no Código Florestal ainda contemple um prêmio para restauração florestal associada à intensificação de pastagens, poder-se-ia resolver dois problemas de uma única vez. Tendo a normatização e o monitoramento da recuperação das APPs e RL bem definidos, inclusive para os casos de difícil restauração, existe uma oportunidade claramente colocada para a revisão do Código Florestal: utilizar o mecanismo de compensação como parte da estratégia de modernizar e intensificar a pecuária de corte, não excluindo, nem concorrendo com outras iniciativas que promovam estas ações. Aproveitar esta oportunidade, conciliando assim o Agro e o Eco na situação que representa 80% do problema das ocupações em áreas que deveriam estar conservadas, passa da condição de desafio para a condição de opção. Colaboraram neste artigo: Fonte: RedeAgro. Escrito pela Equipe RedeAgro. 4 de novembro de 2011.
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