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Scot Consultoria

Agricultura de baixo carbono


Terça-feira, 25 de maio de 2010 - 19h04

A discussão sobre o Brasil ter metas de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEEs) gerou um caloroso debate pré-COP15, até que o governo anunciou o compromisso voluntário de reduzir entre 36,1% e 38,9% de suas emissões projetadas até 2020. Apesar de essa “meta” não ser comparável com as dos países desenvolvidos, que levam em conta um ano base, esse anúncio foi politicamente importante para o Brasil. Como as principais fontes de emissão de GEEs brasileiras são uso da terra e agropecuária, ao contrário dos países desenvolvidos (energia e transporte), várias ações de mitigação prometidas pelo governo brasileiro focam esses setores: (a) reduzir o desmatamento no bioma Amazônia em 80% e no Cerrado em 40%; (b) recuperar 15 milhões de pastagens degradadas; (c) incentivar a integração lavoura-pecuária (ao menos, 4 milhões de hectares); (d) aumentar as áreas com plantio direto; (e) incrementar o uso de biocombustíveis; (f) estimular o uso de carvão vegetal renovável na siderurgia; (g) incentivar o uso da fixação biológica do nitrogênio em diferentes culturas. Gostaria de enfatizar o papel da recuperação de áreas degradadas, do plantio direto e da integração lavoura-pecuária, que representam 13,63% da meta brasileira. Hoje, essas práticas já são aplicadas na agricultura brasileira e, portanto, já colaboram para reduzir as emissões de GEE. No entanto, apesar de o Protocolo de Quioto prever que boas práticas agrícolas podem trazer benefícios para o clima, é preciso avançar na contabilidade dessas reduções de emissão ou seqüestro de GEEs. Isso leva a um dos pontos da negociação do clima que exigirá muita atenção em 2010, que toca na extensão das práticas ligadas a uso da terra, mudanças no uso da terra e florestas (LULUCF). A negociação sobre uso da terra tende a acolher boas práticas no uso e manejo do solo, ponto essencial para a agricultura brasileira. A partir daí será necessário criar metodologias para que seja possível fazer projetos, gerar créditos de carbono e vendê-los no mercado. Como a ideia do governo é contabilizar essas reduções para o compromisso nacional e não viabilizar a venda de créditos de carbono para outros países é crucial saber de que forma os diferentes ministérios e, principalmente, o Ministério da Fazenda, pretendem incentivar práticas que favoreçam a mitigação de GEEs. É urgente discutir abertamente uma política de baixo carbono para a agricultura brasileira, o que pode significar: a) isenções fiscais e créditos a juros atrativos para fomentar práticas menos emissoras e a adoção de novas tecnologias; b) pagamento por serviços ambientais; c) outras formas de subsídios verdes - permitidos pela OMC - que ajudem a promover a agricultura de baixo carbono. Como as metas de redução previstas na Política Nacional sobre Mudança do Clima ainda precisam ser regulamentadas, não está claro se serão usados somente instrumentos de incentivo para o setor agropecuário. A implementação da lei pode, por exemplo, criar metas específicas para diferentes setores, o que exigiria reduções de emissão não necessariamente via incentivos, refletindo a tese de criar um mercado brasileiro de redução de emissões. Não acredito que isso acontecerá em 2010, mas é preciso qualificar esse debate e a criação dos decretos setoriais previstos pelo governo. Como não é factível pensar em financiamento externo para ações de mitigação que não estejam ligadas à redução do desmatamento, a grande questão é saber se o governo dará incentivos ou vai somente esperar que os setores agrícolas implementem essas práticas por si só. Paralelamente a isso, é necessário lutar para que boas práticas agrícolas possam gerar créditos de carbono. Vale notar que a discussão da lei climática nos Estados Unidos envolve fortemente a agricultura como redutora de emissões e geradora de créditos de carbono para os setores mais emissores (energia e transporte). De acordo com a proposta do governo, somente a integração lavoura-pecuária, o plantio direto e a recuperação de pastagens deverão reduzir 145 milhões de toneladas de CO2 equivalente até 2020, o que equivaleria, caso essas práticas pudessem gerar créditos de carbono, a 1,6 bilhão de Euros (estimando a tonelada de carbono a 11 Euros). Se a redução de desmatamento, acrescida a todas as ações apresentadas pelo governo que envolvem uso da terra forem consideradas, esse valor chegaria a 10,2 bilhões de Euros. É evidente que esses números dependerão da adoção de metas ambiciosas pelos países desenvolvidos e da aceitação dessas práticas no contexto do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), ou de outro mecanismo de flexibilização que venha a ser adotado na Convenção do Clima. Mas, para que esses potenciais benefícios se concretizem, o setor agropecuário brasileiro precisa acompanhar de perto as negociações climáticas internacionais e pressionar para que a convenção incorpore as práticas agrícolas nos futuros mercados de carbono. No início de junho os países retomarão as negociações técnicas sobre temas essenciais como uso da terra, REDD plus e ações de mitigação. No plano doméstico, o cronograma de implementação da lei federal prevê que até agosto os planos setoriais ligados à agropecuária e ao uso da terra estarão prontos. É essencial evoluir nesta discussão de forma estratégica, evitando o uso político do tema por conta das eleições. Cortar o desmatamento é uma questão de honra, não só para a agricultura, mas para toda a sociedade e o governo. E isso vai ocorrer naturalmente. O ponto que precisa ganhar força é a inclusão ainda maior dos setores agrícolas na agenda de baixo carbono interna, por conta da lei brasileira e das leis estaduais de clima e, no plano externo, pelas negociações que levarão até a COP 16, pela discussão da lei americana, e pela tônica do mercado de carbono. A agricultura pode cada vez mais se tornar uma aliada do clima. O grande desafio é como fomentar e acelerar esse processo.
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